Fazendas de gado ocupam as terras dos Ayoreo. Um homem Ayoreo vai caçar atrás do portão de uma das fazendas. A placa diz “Propriedade privada. Entrada proibida”. © Gerald Henzinger/Survival
As empresas que fornecem couro para a Jaguar Land Rover e BMW estão ligadas ao desmatamento ilegal no território de um dos povos indígenas isolados mais ameaçados do mundo, de acordo com uma denúncia oficial enviada hoje pela Survival International à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Duas empresas italianas, Pasubio e Gruppo Mastrotto, compram couro fornecido por fazendas de gado que ocupam e desmatam ilegalmente a terra dos indígenas isolados Ayoreo do Paraguai. Esses Ayoreo são os últimos indígenas isolados na América do Sul fora da Amazônia. As fazendas que ocupam seu território ameaçam sua existência.
![“Esta é nossa família e nossa floresta. Os coñones [não-Ayoreo] vieram depois, mas eles dizem que é tudo deles. Eles dizem que temos que comprar nossa terra”.](https://assets.survivalinternational.org/pictures/23766/N%CC%83amje_and_grandson_article_column@2x.jpg)
“Esta é nossa família e nossa floresta. Os coñones [não-Ayoreo] vieram depois, mas eles dizem que é tudo deles. Eles dizem que temos que comprar nossa terra”. © Survival
Jaguar Land Rover e BMW e outras companhias utilizam o couro vendido pelas duas empresas italianas no interior dos carros que reveste assentos, volantes e outros.
Esta correlação está no centro de uma denúncia formal apresentada hoje pela Survival International à OCDE, em acordo com indígenas Ayoreo contatados. A denúncia, contra a empresa Pasubio, foi enviada ao ‘Ponto de Contato Nacional’ (NCP) da Itália para a OCDE.
Algumas semanas atrás, a Survival enviou cartas a ambas as empresas italianas pedindo o fim dessas importações. O Gruppo Mastrotto respondeu iniciando um diálogo com a Survival, que ainda está em andamento, mas a Pasubio enviou apenas uma resposta genérica e superficial. A Survival, portanto, em acordo com indígenas Ayoreo contatados, apresentou uma denúncia formal contra a Pasubio de acordo com as Diretrizes da OCDE para empresas multinacionais.
A ligação entre o couro usado na indústria automobilística e a destruição ilegal da floresta dos Ayoreo foi revelada pela primeira vez em uma investigação da Earthsight. Em duas reportagens, Grand Theft Chaco I e Grand Theft Chaco II, a organização revelou que quase dois terços do couro exportado do Paraguai vão para empresas italianas, principalmente a Pasubio. 90% do lucro anual da Pasubio, de 313 milhões de euros, vem da indústria automobilística.
A denúncia afirma que a Pasubio parece ter violado vários princípios das Diretrizes da OCDE, incluindo os de Divulgação de Informações (III), Direitos Humanos (IV), Meio Ambiente (VI) e Interesses do Consumidor (VIII) e exige que a empresa pare de importar couro de fornecedores do Paraguai que sejam responsáveis e/ou estejam envolvidos no desmatamento da floresta dos Ayoreo.

Couro bovino sendo beneficiado na fábrica Chortitzer, no Paraguai. © Simon Reeve/BBC © Simon Reeve/BBC
Tagüide Picanerai, indígena Ayoreo Totobiegosode, disse hoje: “O efeito negativo que a produção de carne e couro tem é o desmatamento e como isso afeta a população local (…). O couro é como uma parte não visível da pecuária, que não é levada em consideração porque só se vê a carne, mas afeta muito a população local. Quem cria o gado e quem exporta e vende lá na Europa se beneficia, mas aqui produz desmatamento e o povo Ayoreo sofre.”
A coordenadora da campanha da Survival pela proteção das terras dos Ayoreo, Teresa Mayo, disse hoje: “O governo paraguaio entregou a maior parte do território ancestral dos Ayoreo para empresas do agronegócio que estão desmatando ferozmente a floresta: primeiro eles cortam as madeiras nobres, depois ateiam fogo, e finalmente introduzem o gado na terra desmatada. Os Ayoreo estão testemunhando a destruição de seus meios de subsistência, de sua saúde física e mental e de suas vidas. Mas eles continuam determinados a resistir, ao lado de seus parentes isolados, que são forçados a viver fugindo das escavadeiras que estão destruindo sua floresta.”
Francesca Casella, diretora da Survival Itália, disse hoje: “Prevê-se que a demanda por couro automotivo aumente mais de 5% ao ano até 2027. Clientes e consumidores finais precisam estar cientes disso e, como a Itália é o maior comprador mundial do couro paraguaio, tem o poder e a responsabilidade de intervir, parando de fazer negócios com fazendas de gado que operam ilegalmente em terras indígenas com a conivência de políticos e funcionários corruptos.”
Notas aos Editores:
– Existem mais de 5.000 indígenas Ayoreo vivendo no Paraguai e na Bolívia. O subgrupo conhecido como Ayoreo-Totobiegosode é foco da denúncia formal da Survival. A maioria dos Ayoreo-Totobiegosode são contatados e vivem em aldeias no Paraguai, mas alguns vivem em isolamento.
– Os Ayoreo Totobiegosode lutam pelo retorno de suas terras ancestrais desde 1993, quando apresentaram uma reivindicação formal ao governo paraguaio.
– Em 2001, o governo do Paraguai reconheceu formalmente um território de 550.000 hectares na província do Alto Paraguai como ’Patrimônio Natural e Cultural dos Ayoreo Totobiegosode’ (PNCAT). No entanto, até agora as autoridades só transferiram parte dos títulos de posse de terra para os Ayoreo. Com isso continuam descumprindo tanto a liminar expedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre o território (que exige que o Paraguai proteja e salvaguarde o PNCAT e os grupos isolados que lá vivem, impedindo a entrada de terceiros e contatos indesejados); e as resoluções emitidas em 2018 pelo Instituto Nacional de Florestas (INFONA), que proíbem o desmatamento dentro da área.
– A carne e o couro do Paraguai são responsáveis, se comparados por peso, por mais desmatamento do que qualquer outra matéria-prima do planeta (Grand Theft Chaco I, p. 36).
– O Chaco do Paraguai, onde vivem os Ayoreo, é uma das florestas que está sendo mais rapidamente desmatada do mundo..
– Algumas das respostas das companhias automobilísticas à investigação original da Earthsight estão listadas aqui.
Fonte: https://www.survivalbrasil.org/ultimas-noticias/13581
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