Tradução supera o “passado violador da ditadura militar”, diz Rosa Weber
SÃO PAULO
“Constituição em Nheengatu é para indígenas conhecerem seus direitos.” Esta foi a manchete do site Amazonas Atual, de Manaus, ao noticiar o lançamento, nesta quarta-feira (19), da primeira Constituição brasileira traduzida para a língua indígena de povos tradicionais do Alto Rio Negro, no Amazonas.
O lançamento aconteceu na maloca [habitação indígena coletiva] da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), no município de São Gabriel da Cachoeira (AM). A cidade concentra a maior população indígena do país.
A cerimônia foi presidida por Rosa Weber (batizada como Raminah Kanamari pelos indígenas Kanamaris).

A ministra Cármen Lúcia acompanhou a presidente do STF e CNJ na viagem. Presentes ao ato a ministra Sônia Guajajara, deputada federal licenciada, primeira indígena ministra de Estado do Brasil, e Joênia Wapichana, presidente da FUNAI, primeira mulher indígena eleita Deputada Federal.
A seguir, algumas manifestações de lideranças e membros das comunidades indígenas que participaram do encontro:
Inory Kanamari, primeira indígena de sua etnia a atuar na advocacia: “Estamos num país com diversidade imensa e não escuto nossas línguas nos espaços. A gente precisa fazer parte. Antes de sermos indígenas, somos pessoas com direito ao respeito.”
Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas: “A escrita da Constituição em uma língua indígena significa um importante avanço, um reconhecimento da nossa cultura, dos nossos povos, da nossa língua e é um gesto de respeito às nossas tradições”.
Lucas Marubo, do povo marubo, disse que a tradução abre um precedente para que outros povos também tenham seus direitos traduzidos. “Momento histórico para os povos indígenas”.
O indígena Edson Baré disse que o STF e o Judiciário ouviram os gritos dos povos indígenas. “Vocês vieram comprovar: o Rio Negro está aqui, estamos vivos, hoje não lutamos com flecha, mas lutamos com dignidade pelo nosso território”.
Dadá Baniwa, liderança do povo Baniwa e dos indígenas de São Gabriel da Cachoeira, falou em nome do grupo de tradutores: “Foi um trabalho desafiador, mas também de muita alegria. A Constituição Federal, após 35 anos, teve a devida atenção pelo Poder Judiciário. Isso é muito gratificante. Traduzir para o nheengatu representa um avanço, uma resistência e mostra também a nossa existência dentro do nosso território”.
O projeto foi realizado em parceria com o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) e a Escola Superior da Magistratura do Estado do Amazonas, com o apoio da Fundação Biblioteca Nacional e da Academia da Língua Nheengatu.
Ao todo,15 tradutores indígenas bilíngues da região do Alto Rio Negro e Médio Tapajós atuaram na tradução do texto para a língua Nheengatu, considerada o tupi moderno.
Rosa Weber disse que a língua Nheengatu “historicamente permitiu a comunicação entre comunidades de distintos povos espalhados em toda a região amazônica, até a fronteira com o Peru, Colômbia e Venezuela, e chegou, segundo historiadores, a ser prevalente no Brasil, até ser perseguida e proibida.
Ela abriu seu discurso cumprimentando os indígenas em Nheengatu: “Povos indígenas do Rio Negro! Purãga ara [bom dia]. Ao final, agradeceu na mesma língua: Kuekatu reté (Muito obrigada)!
Para Weber, a tradução “é o símbolo que marca a superação do passado violador da ditadura militar, e que busca restabelecer os valores democráticos, a justiça, a pluralidade, a solidariedade e o pleno respeito aos direitos humanos de todos os grupos sociais e étnicos que compõem nossa rica e plural nação.”
“Espero que seja ensinada a Constituição em cada uma das línguas, que não fique em uma prateleira. Não se reivindica direito que não se conhece. Nosso objetivo é sermos uma sociedade livre, justa, solidária. A Constituição é de todos os brasileiros”, disse Cármen Lúcia.
A presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), Nélia Caminha, disse que a tradução é um passo significativo na promoção da inclusão e da igualdade, “para que nenhum grupo social seja deixado de lado”.
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