Placar está igual sobre tese defendida por ruralistas sobre demarcação de territórios indígenas
BRASÍLIA
O STF (Supremo Tribunal Federal) retomou nesta quarta-feira (30) o julgamento da validade do marco temporal das terras indígenas com o voto do ministro André Mendonça, que empatou o julgamento em dois a dois.

Ele se manifestou a favor da tese, defendida pelos ruralistas, que afirma que a demarcação dos territórios indígenas deve respeitar a área ocupada pelos povos até a promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988.
Mendonça, porém, não conseguiu encerrar o seu voto e continuará sua leitura nesta quinta-feira (31).
Em seu voto, o ministro fez uma longa retrospectiva histórica sobre os locais ocupados pelos indígenas desde o século 16 e disse que caso o marco temporal seja derrubado “descortina-se a possibilidade de revolvimento de questões potencialmente relacionadas a tempos imemoriáveis”.
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“Essa hipótese, que por si só já me parece demasiadamente insegura, é ainda mais problemática na questão atual, no campo de uma viragem jurisprudencial”, acrescentou.
Para ele, caso o marco temporal não exista, haveria prejuízo à sociedade, porque retiraria “qualquer perspectiva de segurança jurídica” a respeito das demarcações.
“Dito de forma mais direta, é uma solução cujo nível de insegurança, penso, afasta por si só qualquer possibilidade de justiça”, acrescentou.
Pelo critério do marco temporal, indígenas que não estivessem em suas terras até a data não teriam direito de reivindicá-las. Essa tese é criticada por advogados especializados em direitos dos povos indígenas, pois segundo eles validaria invasões e violências cometidas contra indígenas antes de 1988.
Até agora, são dois votos favoráveis ao marco temporal e dois contrários. Em junho, Mendonça havia pedido vista (mais tempo para análise) do processo e apresentou seu voto nesta quarta.
Ele só vota na discussão sobre a fixação de uma tese constitucional a respeito da validade do marco temporal, porque está impedido de julgar o processo de referência para o caso —um recurso da Funai contra decisão do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) a favor da reintegração de posse de uma área tratada como de tradicional ocupação indígena em Santa Catarina.
Isso porque ele atuou, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), como advogado-geral da União nesse processo específico, e defendeu a tese que restringe as demarcações de terras indígenas.
Até agora, já votaram contra o marco temporal os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, e a favor o ministro Kassio Nunes Marques.
Relator do processo, Fachin foi o primeiro a votar e refutou a tese do marco temporal, ainda em 2021. Ele disse que a teoria desconsidera a classificação dos direitos indígenas como fundamentais, ou seja, cláusulas pétreas que não podem ser suprimidas por emendas à Constituição.
Para o ministro, a proteção constitucional aos “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” não depende da existência de um marco.
Já Kassio Nunes Marques reafirmou o marco temporal.
Ele defendeu que a Constituição de 1988 reconheceu aos indígenas os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, mas essa proteção constitucional depende exatamente de um marco temporal.
Alexandre de Moraes votou contra a tese, mas propôs mudanças em relação à indenização que deve ser paga pela União a proprietários de terrenos em locais ocupados tradicionalmente por indígenas.
Segundo Moraes, se não houver esbulho (usurpação da posse), conflito físico ou controvérsia judicial na data da promulgação da Constituição, a União deve indenizar previamente o proprietário de terra localizada em ocupação tradicional indígena, em dinheiro ou em títulos da dívida agrária.
Além disso, caso a desapropriação dessas pessoas seja contrária ao interesse público e “buscando a paz social”, a União “poderá realizar a compensação às comunidades indígenas, concedendo-lhes terras equivalentes às tradicionalmente ocupadas, desde que haja expressa concordância”.
Moraes afirmou que seu voto é para que não haja “nem oito nem oitenta” em relação à disputa do marco temporal, e para garantir “posse às comunidades tradicionais sem renegar totalmente às pessoas de boa-fé o ato jurídico perfeito”.
Depois de Mendonça, o ministro seguinte a votar será Cristiano Zanin, primeiro indicado ao Supremo pelo presidente Lula (PT) em seu atual mandato. Ele poderá apresentar seu voto já nesta quinta, depois de Mendonça.
A retomada do julgamento do processo acontece em meio a novos protestos de indígenas em frente à corte.
A mobilização dos movimentos indígenas começou com um ato, na manhã desta quarta, na Esplanada dos Ministérios. Depois, a manifestação caminhou até o STF, onde foi organizada uma vigília.

Do lado de fora do Supremo, movimentos indígenas e servidores da Funai se mobilizaram para acompanhar o julgamento.
No estacionamento do Supremo, montaram três barracas e um telão, que transmitia as imagens do plenário da corte durante a votação.
Segundo a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) estima que quase mil indígenas já estavam em Brasília na terça-feira (29), véspera da retomada do julgamento.
COMO JÁ VOTARAM OS MINISTROS DO STF SOBRE O MARCO TEMPORAL
Placar está 2 a 2
Edson Fachin, contra
O relator argumenta que o direito dos povos indígenas às terras é anterior à criação do Estado e que, por isso, não deve ser definido por nenhum marco temporal. Lembrou que a Constituição define os direitos indígenas como fundamentais e diz que os povos têm “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”
Nunes Marques, a favor
Indicado por Bolsonaro, ele divergiu do relator e afirmou, em seu voto, que o marco cria segurança jurídica para as demarcações. Ele seguiu o entendimento criado no julgamento da terra Raposa Serra do Sol, que instituiu a tese pela primeira vez no Supremo
Alexandre de Moraes, contra, mas com tese divergente
O ministro foi contra a instituição de um marco temporal, mas abriu a possibilidade da criação de condicionantes para a demarcação de terras —como no caso da Raposa Serra do Sol—, dentre elas, a indenização de quem ficaria sem a área para que o território fosse delegado aos indígenas.
André Mendonça, a favor
O ministro defendeu que, caso o marco temporal não exista, haveria prejuízo à sociedade, porque retiraria “qualquer perspectiva de segurança jurídica” a respeito das demarcações. “Descortina-se a possibilidade de revolvimento de questões potencialmente relacionadas a tempos imemoriáveis”, declarou.
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