Em oficina promovida pelo MPI, lideranças e representantes de organizações indígenas definem metas principais diante de mudanças climáticas
– Foto: Washington Costa
No segundo dia da Oficina Plano Clima Adaptação, realizada na sexta-feira (6), na Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), em Brasília-DF, representantes indígenas de organizações regionais e articulações nacionais elencaram uma série de ações de adequação para as mudanças climáticas que vêm afetando o modo de vida e os territórios dos indígenas. A ação eleita como prioritária dentro dos temas Saúde e Bem-estar, Produção de Alimentos e Segurança Híbrida, Infraestrutura e Serviços Essenciais e Patrimônio Cultural e Territorial é a demarcação de terras indígenas.
Coordenada pelo Departamento de Justiça Climática, da Secretaria Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (SEGAT) do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), o objetivo da oficina é garantir a consulta e a participação dos povos indígenas no processo de elaboração dos capítulos do Plano Clima Adaptação, incorporando suas contribuições ao documento, que integra a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), e terá validade até 2035.
O prazo para que os capítulos referentes ao setor dos povos indígenas sejam consolidados ainda será definido. A última etapa da plataforma online de consulta sobre o Plano Clima, disponibilizada pelo MPI, será realizada até o fim do ano para revisar e validar as propostas finais.
De acordo com a secretária nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena, Ceiça Pitaguary, apesar de o processo de consulta do Plano Clima ter sido feito online pelo MPI, as organizações indígenas pediram um momento de reunião presencial para trocar observações e para alinhar proposições em consonância com lideranças experientes, jovens e femininas de todos os biomas do país.
Ela enfatizou que a demarcação de terras indígenas é uma ação de adaptação chave para aplacar o avanço de eventos climáticos extremos. “É preciso acabar com a falsa ideia que demarcar território é destinar muita terra para poucos indígenas e substituí-la pela noção de que nossa forma de gestão de territórios precisa ser levada para toda a sociedade, pois nosso modo de vida é o da preservação para além de nós mesmos”, afirmou a secretária.
“Terras Indígenas regularizadas contribuem com o equilíbrio da natureza e preservam a biodiversidade, que supri não só as necessidades dos povos indígenas, mas contribui com toda a sociedade brasileira. É preciso um entendimento global de que Terras Indígenas resguardam a cultura dos povos indígenas e ‘estocam’ ambiente limpo e irradiam condições saudáveis de atmosfera para o Brasil e o mundo”, avaliou Ceiça Pitaguary.
Conceito de adaptação
De acordo com o 6º relatório Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), publicado em 2022, cerca de 3,3 bilhões de pessoas vivem em regiões classificadas como altamente vulneráveis em relação às mudanças climáticas. Enquanto isso, dois bilhões de pessoas vivem em regiões com vulnerabilidade baixa e muito baixa.
“Dentro desse escopo, o relatório mostra que há populações em países menos desenvolvidos mais suscetíveis a sofrerem mais com os problemas climáticos, como a população indígena da Amazônia, que convive com degradação de seus territórios, desmatamento, pobreza e falta de suporte”, contextualizou Patrícia Pinho, diretora adjunta de pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
No Plano Clima, o critério de adaptação se traduz como o processo de ajuste dos sistemas naturais e humanos ao clima presente e futuro, assim como seus efeitos. A adaptação procura moderar ou evitar danos potenciais e explorar oportunidades benéficas. Para elaborar os apontamentos, as lideranças e representantes consideraram o que traria uma redução aos riscos climáticos e às vulnerabilidades a que estão sujeitos os povos indígenas, bem como o que pode aprimorar ações já existentes e medidas transformativas para catalisar ações em cada território.
“Faremos um esforço grande para sistematizar e transformar o conteúdo desses dois dias em ações e metas passíveis de serem executadas e monitoradas para que de fato tragam mudanças sensíveis e assim possamos viver nesse mundo diante de tantas dificuldades climáticas a nós impostas”, disse Suliete Baré, diretora de Justiça Climática do MPI.
Metas prioritárias
As medidas prioritárias levantadas pelos indígenas estão contidas em quatro objetivos setoriais do Plano Clima, que foram tratados por temas na Oficina. Para cada tema foram discriminadas lacunas de informação com estudos necessários carentes de realização para sustentar as ações com dados e pesquisas. Todos os grupos citaram a necessidade de produção de dados e integração de informações indígenas para facilitar os processos de adaptação.
Assim sendo, dentro do tema Saúde e Bem-estar, as prioridades identificadas são o combate ao arrendamento para produção de soja e outras ações ilegais, como o garimpo e o desmatamento, a ampliação do número de Brigadas Indígenas Federais em 100%, até 2027, e o atendimento da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) para média e alta complexidade. Para alcançar os objetivos foi indicada a parceria com instituições de ensino e pesquisa, estudos sobre saúde indígena para indicar quais os males que afetam mais as populações por causa das mudanças climáticas e fomento à ciência indígena.
No tema de Produção de Alimentos e Segurança Híbrida, a produção de frutas nativas para garantir a preservação da fauna e flora, o fortalecimento de linhas de crédito para atividades produtivas e o monitoramento dos recursos hídricos dentro e no entorno das Terras Indígenas foram os objetivos mais votados. Para fomentar as iniciativas é preciso um mapeamento das Terras Indígenas degradadas e espécies ameaçadas, um diagnóstico da qualidade da água nos territórios e formação contínua de agentes ambientais.
Para o tema da Infraestrutura e Serviços Essenciais, as metas mais importantes são a implementação e aperfeiçoamento da captação e distribuição de água, acesso aprimorado a serviços básicos para indígenas nos centros urbanos e a criação de um fundo para adaptação e mitigação para povos indígenas. Para tanto, são necessários um plano nacional de saneamento indígena e recursos financeiros e humanos para desenvolver os estudos.
Em relação ao Patrimônio Cultural e Territorial, a implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Indígena (PNGATI) nos territórios, a proteção territorial por meio de projetos, como Guardiões da Floresta, e o fortalecimento das línguas indígenas nas aldeias e territórios foram sublinhados como os itens mais relevantes. Um diagnóstico para subsidiar a plataforma nacional de vulnerabilidades em Terras Indígenas, o mapeamento de sítios arqueológicos e sagrados e levantamentos de iniciativas para valorizar línguas indígenas e projetos para juventude foram destacados como elementos para possibilitar as ações.
“Temos que ocupar espaços na política brasileira. Portanto, nossas sugestões são vitais para que retornem como melhorias para nossas vidas afetadas pelas mudanças climáticas. Os próximos capítulos dessa jornada para os indígenas será tratar do Plano Clima Mitigação”, reforçou Jozileia Kaingang, co-fundadora da Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA).
“Trazer nossas preocupações, anseios e ideias para que fiquem visíveis dentro do Plano é uma fase. Lutar para garantir a inclusão das propostas é outra etapa. O trabalho mais árduo é tirar as propostas do papel e monitorar como serão implementadas pelos próximos dez anos”, alertou Kleber Karipuna, coordenador executivo da Articulação Nacional dos Povos Indígenas (APIB) pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).
Participantes e organizadores
A oficina contou com a participação da Articulação Nacional dos Povos Indígenas (APIB), a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ARPINSUL), Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (ARPINSUDESTE), Aty Guasu, Conselho Terena, Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e a ANMIGA.
Os organizadores da iniciativa foram o MPI, Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), MMA, GIZ, IPAM, ENAP e organização da sociedade civil The Nature Conservancy (TNC) Brasil.Categoria
Meio Ambiente e Clima
Tags: Distrito Federal
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