Mesmo sem acordo firmado, a bancada ruralista da Câmara está pressionando o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para que coloque em votação a medida provisória (MP) 910/2019. A MP, que foi batizada pelos ruralistas como MP da Regularização Fundiária e pelo ambientalistas de MP da Grilagem, está longe de ser um tema de consenso. Conforme o Congresso em Foco adiantou no último dia 16, Maia havia prometido, em uma conversa com oposição através do sistema Zoom, não colocar a matéria em pauta.
“Estamos trabalhando forte para tentar votar ainda nessa semana. Nós não queremos deixar ela caducar. Estamos falando com os líderes aqui para colocar para votar. Estamos bem confiantes, é um processo político, e cabe algumas interpretações. Mas sabemos a importância dessa pauta”, afirmou o deputado Zé Vitor (PL-MG), vice-líder do PL e membro da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA).
“Não é para caducar. Tá pra ser votada hoje (27)”, afirmou o presidente da FPA, Alceu Moreira (MDB-RS), ao site.
Os ambientalistas, entretanto, foram pegos de surpresa com essas afirmações. “Ela caduca dia 19 de maio, a oposição já avisou ao presidente Maia que não vai aceitar o texto que existe. Uma parte do agronegócio está pressionando pra que isso vá pra pauta”, disse o presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, Rodrigo Agostinho (PSB-SP).
Para o ambientalista, “o texto atual incentiva a grilagem de terra”, ou seja, incentivaria o roubo de terras públicas. “Eles querem conversar, mas não é consenso. O agronegócio exportador brasileiro não quer [aprovar esse texto]. Eles entendem que com isso se aumenta o desmatamento e o mercado internacional não quer comprar de países que desmatam”, argumentou Agostinho.
Porém, a FPA rebate este argumento. “Nós não estamos estimulando grilagem, pelo contrário. Queremos ajudar as famílias que estão na miséria, sem condição de tomar empréstimo bancário, sem condição de dar sua terra como garantia”, afirmou Zé Vitor. “Alguém ser contra isso é pra manter a clientela dos sem-terra e da esquerda”, disse Alceu Moreira.
A MP ampliou o público alvo dos benefícios da regularização fundiária de que trata a Lei nº 11.952, de 2009, permitindo que incida sobre terras ocupadas até 5 de maio de 2014, quando o texto até então vigente se referia a ocupações até 22 de julho de 2008. Ambientalistas veem neste ponto um incentivo para a grilagem de terras, uma vez que existiria a expectativa de que a cada período de tempo, o Legislativo venha a aumentar o marco temporal para a regularização.
“Eu não concordo com isso. Eu acho que é um processo que foi aperfeiçoado. Pelo contrário [do que os ambientalistas afirmam], ele da é garantia, porque nós estamos utilizando ferramentas tecnológicas seguras. Hoje nós temos tecnologia suficiente para regularizar e fiscalizar”, contra argumentou o deputado Vitor. “Nós não estamos criando um novo marco temporal, não é isso. Nós estamos querendo definitivamente resolver esse problema e empoderando os órgãos”, concluiu.
Para Rodrigo Agostinho, quem quer aprovar o texto como está, é o “agronegócio grileiro”. “Eles querem que o Incra passe a documentação e legalize a terra roubada. Serão 65 milhões de hectares de terras roubadas da União”, denunciou o deputado. “Tem muito interesse em jogo, tem muita gente grande em jogo”, disse.
Zé Vitor afirma que ao tirar os donos das terras da clandestinidade, o resultado é diminuir o desmatamento. “Na clandestinidade não se preserva o meio ambiente, precisamos que as pessoas estejam sob o olhar da lei”, disse.
Porém, Agostinho sustenta que a oposição tende a lutar para que a medida não seja aprovada. O deputado relembrou o compromisso que Rodrigo Maia assumiu com a sociedade, de não pautar matérias prejudiciais ao meio ambiente.
Para Zé Vitor, o texto tem que ser alterado, ou não, no Plenário, através de emendas. “É um texto que foi construido com muito debate, acredito que é um bom texto para ser votado. Naturalmente podem vir emendas. Quem discorda, apresenta emendas no Plenário e vamos discutir”, disse.
Ao Congresso em Foco, o senador Irajá, que foi relator da matéria, afirmou no dia 16, que a matéria precisa ser pautada o quanto antes na Câmara. “Estou em contato com o presidente da Câmara e com a ministra Tereza para que o texto seja votado o mais breve possível para que tenhamos tempo de votar também no plenário do Senado. Eu me esforcei ao máximo para que a gente produzisse um bom trabalho, um trabalho propositivo, responsável, equilibrado, para que nós pudéssemos corresponder à expectativa de milhões de produtores”.
Presidentes de oito partidos assinaram uma nota conjunta afirmando que “não se pode admitir a votação da MP da Grilagem e do Desmatamento em meio à crise do covid-19″. O documento foi assinado pela Rede, PSB, PV, PSol, PDT, PT, PCdoB e PCB.
Posição do MP e do TCU
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, publicou uma nota técnica que afirma, em consonância ao que foi analisado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que, se aprovada, a MP trará danos sociais, ambientais e econômicos.
Na nota encaminhada aos congressistas, a PFDC destaca dados do Acórdão 727, publicado pelo TCU em de 1º de abril. O documento analisa tomada de contas do Programa Terra Legal, no período entre 2009 e 2017, e constata o mau funcionamento do programa e um ambiente de estímulo à grilagem favorecido pela legislação já vigente.
Um acórdão do TCU corrobora as análises já apontadas pela PFDC em nota técnica a deputados e senadores, na qual destaca danos sociais, ambientais e econômicos da MP 910. De acordo com o Tribunal de Contas da União, não existe uma fiscalização efetiva da ocupação de áreas na Amazônia Legal, o que acarreta, na prática, perda de receitas públicas, grilagem e desmatamento.
“A exaustiva análise do TCU indica a necessidade de os termos da MP 910 serem analisados não apenas à luz das inconstitucionalidades formais e materiais já abordadas, mas também dos efeitos que a legislação vigente vem acarretando sobre os territórios da Amazônia Legal”, destaca a PFDC.
Para a Procuradoria, a MP da Regularização Fundiária soa como estímulo a novas ilegalidades ao continuar validando crimes ambientais e fundiários. “A despeito de diversas ilegalidades e irregularidades já constatadas, como a proteção deficiente da Amazônia por parte de órgãos federais, a MP 910 facilitaria ainda mais a grilagem, a disposição de recursos públicos, a renúncia de receitas e a ausência de fiscalização”.
Sociedade civil
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