Um artigo científico publicado hoje (12) na Revista Frontiers mostra que o Ministério da Saúde contou em média 103% menos mortes e 14% menos casos de infecção do que o levantamento independente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) entre 23 de fevereiro e 3 de outubro de 2020.
A contagem organizada pela COIAB acontece desde março de 2020, feita junto a lideranças, profissionais de saúde indígena, organizações da Rede COIAB e dados do Ministério da Saúde, e tem o objetivo de revelar e evitar a subnotificação de casos da covid-19 entre os indígenas da Amazônia. Os dados deste monitoramento comunitário, como a COIAB chama, estão disponíveis de maneira pública e gratuita nas redes sociais e no site da instituição coiab.org.br/covid e são atualizados semanalmente.
Os povos indígenas estão entre os grupos em situação mais vulnerável na pandemia da covid-19. De acordo com o novo estudo, na Amazônia Legal a taxa de incidência é 136% mais alta do que a média nacional no período estudado, e 70% maior do que a média entre todos os habitantes da região. A taxa de mortalidade indígena por 100 mil habitantes é 110% superior à média brasileira e supera a média da região em 89%.
Pouca vacina
“A campanha de vacinação considera somente a população indígena que mora em terras indígenas demarcadas, e exclui aqueles que moram em cidades ou que estão em territórios não homologados, ignorando ainda o trânsito que existe entre esses locais”, afirma o professor e pesquisador Paulo Cesar Basta, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, um dos autores do estudo. “É preciso tratar esse grupo prioritário de forma mais abrangente, ou o risco de transmissão continuará alto.”
Ao diferenciar indígenas que moram em aldeias daqueles que vivem nas cidades, “o governo reforça o racismo estrutural a essas populações, desrespeita o direito à autodeterminação reconhecido pela Constituição Federal e pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e deixa de lado grupos vulneráveis, mantendo um ciclo de infecções que poderia ser interrompido desde já”, afirma a diretora-executiva do Podáali – Fundo Indígena da Amazônia Brasileira e também autora do estudo, Valéria Paye. “Mais do que subnotificação, é um processo de apagamento da identidade indígena.”
Riscos
A dificuldade de acesso ao sistema de saúde tem um papel importante: a distância média de uma terra indígena na Amazônia até um município com leitos de UTI é de 271 quilômetros, podendo chegar a mais de 700 km, como é o caso de algumas aldeias no DSEI Alto Rio Negro, no Amazonas. Outro fator é a preexistência de comorbidades, como hipertensão e diabetes, doenças relacionadas às perdas de segurança e soberania alimentar indígena nas comunidades.
“Nas últimas décadas, o Brasil avançou no atendimento à saúde indígena, mas ainda há muito a melhorar. Essas subnotificações que identificamos no estudo, as disparidades de tratamento e o índice ainda baixo de vacinação frente ao que é necessário mostram que ajustes precisam ser feitos pelo governo federal, tanto na saúde quanto na governança ambiental, e isso urgentemente”, diz o biólogo Reinaldo Lourival, do Projeto Bem Viver de Roraima, parceria entre CIR, IIEB e NCI.
“Levar em consideração o movimento indígena e a nossa visão para a elaboração de políticas públicas de saúde, com respeito às perspectivas locais e os tratamentos culturalmente viáveis, é fundamental para proteger os povos originários e, neste momento, ajudar a barrar o avanço da pandemia de covid-19 na Amazônia”, diz Paye.
Para baixar o PDF do estudo (em inglês), clique aqui.
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