Com duração de três dias, evento promove oficina para colher contribuições e perspectivas indígenas para integrar Plano que pauta a NDC brasileira

– Foto: André Corrêa

“Diante da emergência climática, não aceitamos e não podemos ser vítimas de quem a criou. Temos que ser protagonistas e exigimos ser reconhecidos como parte da solução, mas Justiça Climática não é possível sem justiça territorial, que só começa com o reconhecimento pleno dos direitos indígenas”, disse a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, ao lado de um relógio digital que mostrava o prazo de 3 anos e 357 dias para o ponto de não retorno. A quantia de tempo indica quanto temos adiante para que as mudanças causadas pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas se tornem irreversíveis.

O pronunciamento da ministra ocorreu durante a abertura do 3º Seminário de Justiça Climática, realizada na terça-feira (29), no Centro Cultural Brasília. Com o tema: “O papel central dos Povos Indígenas e seus territórios nas estratégias de mitigação”, o evento com duração de três dias é organizado pela Secretaria Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (SEGAT) do Ministério dos Povos Indígenas (MPI).

O Seminário tem como principal objetivo publicizar o processo de revisão e elaboração do Plano Clima Mitigação para que a ele seja integrada a visão dos povos indígenas acerca das ações e metas do Plano Clima (decreto 12.040/24) do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

Em outras palavras, por meio de uma oficina concretizada por meio do Seminário, o evento é a última ocasião para a incidência dos Povos Indígenas no eixo de Mitigação do Plano Clima. Ao todo, 55 pessoas indígenas com conhecimento prévio sobre mudanças climáticas e mitigação foram indicadas para participar da oficina pelas organizações de base APIB e ANMIGA. 

De acordo com a secretária nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena, Ceiça Pitaguary, o seminário é fundamental como etapa de diálogo de saberes, de construção conjunta e de avanços concretos com debates sensíveis, técnicos e estratégicos.

“É importante lembrar que a maior parte das emissões de gases de efeito estufa do Brasil estão relacionadas à mudança do uso do solo. Enfrentar o desmatamento e promover a gestão ambiental e territorial das Terras Indígenas é, portanto, enfrentar desigualdades históricas, corrigir injustiças e garantir os direitos daqueles que sempre protegeram a sustentabilidade da vida. As secas extremas, a intensificação dos incêndios florestais e a fragmentação dos ecossistemas afetam diretamente as comunidades que dependem do equilíbrio natural para manter seus usos, costumes e tradições.”

Conforme Jozileia Kaingang, co-fundadora da Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), os povos indígenas estão em uma borda periférica do debate sobre as emergências e planos climáticos.

“Infelizmente, sabemos que em âmbito global, não são todos os países que estão dando abertura para os povos indígenas fazer o debate sobre como somos afetados com a crise climática. Portanto, vivemos um momento para chamar atenção para as boas práticas que o nosso país vem fazendo. Temos um caminho já traçado, construído nos últimos anos do atual governo”, incentivou Jozileia.

Também participaram da mesa de abertura do evento a presidente em exercício da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Mislene Metchacuna, o secretário adjunto da Casa Civil, Adriano Santhiago, o secretário nacional de Mudança do Clima do MMA, Aloísio Lopes Pereira, e o coordenador-executivo da APIB, Kleber Karipuna.

Plano Clima

O Plano Clima foi instituído em 2009 para consolidar a execução da Política Nacional de Mudança do Clima do MMA. Retomado no final de 2023, a elaboração do novo Plano Clima é conduzida pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIMC), integrado por representantes de 22 ministérios, pela Rede Clima e pelo Fórum Brasileiro de Mudança do Clima.

O Plano Clima é dividido pelos eixos Adaptação e Mitigação. O eixo de Adaptação, cuja coleta de contribuições indígenas foi feita em fases online e presenciais, reúne 15 setores estratégicos incluindo, além dos povos indígenas, igualdade racial, combate ao racismo e povos e comunidades tradicionais. Já o eixo de mitigação é voltado à redução das emissões de gases de efeito estufa, que em alta concentração na atmosfera provoca o aquecimento global. 

“A Estratégia Nacional de Mitigação será acompanhada de sete planos setoriais, com definição de ações, metas, custos de implementação, meios de financiamento, monitoramento e avaliação. No setor de Uso de Terra e Florestas, o Brasil implementará esforços coordenados e contínuos para suprimir o desmatamento ilegal e incentivará, cada vez mais, a preservação da vegetação nativa”, informou Francisco Felippo, chefe da Assessoria Internacional (ASSINT) do MPI.

Segundo o assessor, isso exigirá não apenas o fortalecimento das medidas de comando e controle, mas também o estabelecimento de incentivos positivos para tornar economicamente vantajosa a manutenção e restauração da vegetação nativa. 

A ministra Sonia Guajajara elencou uma série de propostas de mitigação do MPI como pontos a serem assimilados pelo eixo Mitigação, levando em consideração que o Plano Clima é utilizado para construir a Contribuição Nacionalmente Determinada, que em inglês é chamada pela sigla NDC (Nationally Determined Contribution).

–   Reconhecer a demarcação e proteção dos territórios indígenas como política de mitigação climática essencial para alcançar as metas do Acordo de Paris;

–   Garantir acesso direto e financiamento climático para organizações indígenas para que possam desenvolver os próprios projetos de adaptação climática;

–   Resiliência com base nos saberes indígenas;

–   Criar uma política nacional de Justiça Climática com participação efetiva dos povos, articulando proteção territorial, segurança alimentar, soberania energética e educação ambiental e educação intercultural;

–   Assegurar a participação plena e representativa dos povos indígenas nas negociações climáticas internacionais, com voz ativa nas tomadas de decisões que afetam nossos territórios e nossos modos de vida;

NDC e COP 30

A NDC é um plano de ação climática de cada país para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Desde o Acordo de Paris, realizado em 2015, mais de 190 países submetem NDCs à Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC).

A NDC original do Brasil é de 2016 e previa a redução de emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005 até 2025 e em 43% até 2030. A NDC foi então atualizada em 2020, 2022 e 2023.

Em novembro de 2024, na Conferência do Clima da ONU (COP 29) realizada em Baku, Azerbaijão, o governo federal entregou oficialmente a nova NDC do Brasil à UNFCCC. A meta de redução das emissões líquidas de gases de efeito estufa foi estabelecida entre 59% e 67% no país até 2035 em comparação com os níveis de 2005. Isto equivale a alcançar entre 850 milhões e 1,05 bilhão de toneladas de CO2.

“Estamos trabalhando com o MMA para avançar nessa consulta pública que está ocorrendo para atualizar o Plano Clima, mas também para atualizar nossa NDC. Assim, confiamos que é importante submeter ao Conselho Interministerial de Mudança do Clima a inclusão de Terras Indígenas como instrumento de contribuição do país para a mitigação climática”, acrescentou Guajajara.

A ministra também defendeu a atuação do Brasil para incluir a proposta nos acordos entre os 196 países membros da UNFCCC que participam da Conferência das Partes, a COP 30, a ser realizada em novembro, no Pará.

Sinéia do Vale, co-presidenta do Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças do Clima, o Caucus Indígena, e coordenadora-executiva do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC), enalteceu a participação indígena na formulação do Plano Clima ao definir os indígenas como doutores em mitigação em decorrência das práticas em seus territórios.

“Diante da COP 30 temos a oportunidade de estar em um espaço de tomada de decisão para levar uma estratégia clara para que, no documento resultante do evento, os países aceitem implementar políticas públicas que beneficiem a conservação dos nossos territórios. Esta é a COP da Implementação. Esta é a COP Indígena”, comentou.

Representado pela APIB e pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), o movimento indígena está desenvolvendo sua própria NDC para incentivar o governo a assimilá-la na NDC recentemente revisada.

No primeiro dia do Seminário, Alana Manchineri, assessora internacional da COIAB, apresentou os itens contemplados pela proposta indígena para compor a NDC:

–   Demarcação e proteção de territórios indígenas como política de mitigação e ação climática;

–   Transição Justa;

–   Adaptação climática baseada nos modos de vida indígenas e governanças tradicionais;

–   Financiamento climático;

–   Defensores indígenas;

–   Conhecimento tradicional;

–   Gênero e juventude;

–   Formação climática culturalmente apropriada;

–   Representação e participação indígena;

–   Conexão entre clima, biodiversidade, desertificação e oceanos.

O evento é organizado pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI), pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) com apoio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), do Programa de Políticas sobre Mudança do Clima (PoMuC) implementado pela Cooperação Técnica Alemã no Brazil (GIZ), Instituto Clima e Sociedade e Environmental Defense Fund (EDF).

Fonte: https://www.gov.br/povosindigenas/pt-br/assuntos/noticias/2025/07/mpi-avanca-na-construcao-do-plano-clima-mitigacao-por-meio-do-3o-seminario-de-justica-climatica