Rumo à COP30, lideranças indígenas da Guiana Francesa e do Amapá se reuniram em Macapá para dialogar sobre a emergência climática em seus territórios e fortalecer alianças transfronteiriças.

Texto: Maria Silveira

Lideranças indígenas da Guiana Francesa e do Amapá compartilharam relatos e impactos das transformações ambientais em seus territórios durante o evento. (Foto: Daniel Lamarão/ Iepé/ Sama Comunicação)

“Hoje quando escutei um pássaro ao acordar, percebi que era o mesmo pássaro que ouço quando acordo no meu território” disse Michel Aloïke, Cacique da comunidade Taluhen – commune de Maripasoula (Wayana).

Cerca de 40 representantes indígenas, lideranças comunitárias e parceiros institucionais do Amapá, Norte do Pará e Guiana Francesa se reuniram em Macapá, entre os dias 8 e 10 de outubro, para o encontro “Diálogos Ameríndios: Guiana Francesa e Amapá rumo à COP 30”.

O evento, que integrou a Temporada França-Brasil 2025, cumpriu o propósito de fortalecer laços históricos ao promover um intercâmbio cultural e político, articulando estratégias conjuntas em defesa dos territórios indígenas diante da crise climática. O encontro resultou na elaboração de um Documento Coletivo, com 17 demandas emergenciais e 9 recomendações direcionadas aos governos, que serão apresentadas durante a Conferência do Clima da ONU – COP 30, que acontece em novembro de 2025, em Belém do Pará.

Lideranças do povo Wajãpi discutem demandas relacionadas à emergência climática. (Foto: Daniel Lamarão/ Iepé/ Sama Comunicação).

Durante três dias, essas lideranças discutiram sobre os desafios ambientais que enfrentam em seus territórios, apresentaram estratégias e ações que vem realizando e fizeram propostas para as políticas públicas dos dois países. 

Do lado brasileiro, participaram lideranças indígenas dos povos do Oiapoque, Wajãpi e do Parque Indígena do Tumucumaque, além de representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Amapá e Norte do Pará (APOIANP), da Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas do Amapá (SEPI) e do Instituto Iepé, que facilitou o intercâmbio. Do lado francês, integraram a iniciativa representantes indígenas da prefeitura de Awala-Yalimapo e do Conselho dos Povos Indígenas da Guiana. O evento contou, ainda, com a presença de representante da Embaixada da França no Brasil e apoio financeiro do Institut Français.

“O Brasil faz parte de nós e a Amazônia faz parte de nós”, Felix Tiouka, Maire-Adjoint da Commune de Awala-Yalimapo

O Planalto das Guianas é uma das maiores áreas contínuas de floresta tropical do planeta ainda preservadas. Segundo Luis Donisete Grupioni, coordenador executivo do Iepé, a região “não se restringe à conservação ambiental e à sua contribuição para o equilíbrio climático, mas também abriga uma rica diversidade étnica e cultural dos povos indígenas que ali vivem, que mantém laços históricos, inclusive de parentesco, e que foram separados pelas fronteiras coloniais. Esses povos, com seus modos de vida tradicionais, contribuem diretamente para a conservação da floresta em pé e lutam pela garantia de seus direitos”, afirmou Luis.

“Estamos conversando em círculo, como um planeta de diversidades ancestrais. Todos que estão aqui são protetores da floresta”, disse Viseni Waiãpi, da Apina – Conselho das Aldeias Wajãpi, em referência aos povos presentes: Apalai, Tiriyó, Katxuyana, Wajãpi, Palikur, Galibi Marworno, Karipuna, Waiana e Galibi Kali’na, presentes no Brasil e na Guiana Francesa.

A Secretária Extraordinária dos Povos Indígenas do Amapá (SEPI), Sônia Jeanjacque, destacou que este encontro retoma intercâmbios transfronteiriços conduzidos pelo Iepé na região há mais de 15 anos. Ela reforçou o “compromisso do Estado do Amapá com a união e o diálogo para a agenda do clima, sem esquecer os povos indígenas que vivem nas Guianas”. Ao todo, a Guiana Francesa é composta por seis povos indígenas: Kali’na, Lokono, Pahikweneh, Wayãpi, Teko e Wayana, totalizando cerca de 1.700 pessoas.

Da esquerda para a direita: Sônia Jeanjacque, Luis Donisete, Michel Aloike, Alain Gipet, Felix Tiouka, Tiffanie Hariwanari e Charlène Kajirale. (Foto: Daniel Lamarão/ Iepé/ Sama Comunicação).

Demandas para a COP 30

Durante o encontro, as lideranças compartilharam relatos de transformações vividas em seus territórios, como as secas severas e os períodos de chuvas intensas, e também no ritmo de reprodução dos animais e dos frutos silvestres. Relataram a subida das marés e a perda de porções do território, bem como os fortes ventos que derrubaram árvores e impedem a mobilidade territorial. Duas questões foram classificadas como graves e urgentes nesta região transfronteiriça:

  • Erosão e Submersão: A Guiana Francesa enfrenta problemas de erosão costeira, causada pela elevação do nível do mar que tem avançado sobre o território indígena de Awala Yalimapo, derrubando coqueiros e eliminando as praias. 
  • Praga nas Roças de Mandioca: A praga da vassoura-de-bruxa atingiu roças indígenas do Amapá e do Norte do Pará, agravando a insegurança alimentar, já que a mandioca e a farinha são a base alimentar desses povos. Na Guiana Francesa, as roças de mandioca também passaram por uma situação similar.

Tiffanie Harinawari, subprefeita da comuna de Awala-Yalimapo na Guiana Francesa, apontou que as “ações de não indígenas destroem a floresta, afetam os povos que ali vivem e que acabam na linha de frente das consequências das mudanças climáticas”.

Mulheres do Complexo do Tumucumaque apresentam suas propostas para o enfrentamento à crise climática. (Foto: Daniel Lamarão/ Iepé/ Sama Comunicação).

O encontro, que incluiu uma formação sobre a agenda da COP 30, resultou em um Documento Coletivo que servirá de referência para a atuação de uma delegação indígena no debate internacional.

O documento sistematiza demandas concretas aos governos, incluindo:

  • Apoio Financeiro para Adaptação: Criação de Fundos Emergenciais para combater a praga da mandioca e os processos de erosão/submersão.
  • Segurança Alimentar: Fornecimento emergencial e contínuo de alimentos essenciais (farinha, goma de tapioca, tucupi e farinha de piracuí) enquanto durar a crise.
  • Fortalecimento Territorial: Apoio urgente para a atualização e implementação dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs), garantindo que sejam a principal ferramenta de ordenamento e adaptação climática.
  • Moratória do Petróleo: Forte oposição à exploração em áreas próximas aos territórios, exigindo, na impossibilidade de paralisação, consulta e a criação imediata de uma instância de diálogo direto com o governo e a indústria.
  • Respeito e Cocriação: Exigência de que as políticas públicas sejam cocriadas com as comunidades, respeitando os protocolos autônomos de consulta.
  • Cooperação Institucionalizada: Criação de uma agenda de diálogo permanente e um Comitê Indígena Transfronteiriço para pautar ações governamentais conjuntas.

O Diálogos Ameríndios reforça, assim, as alianças transfronteiriças com um foco claro: a vida e os saberes ancestrais devem guiar as soluções para o clima. “Espero que o indígena representante na zona azul leve esse documento para nos representar na COP30. A união faz a força. A nossa flecha vai dentro da COP 30”, disse Wyrapa’ara Waiãpi.

Leia o documento:

Doc Coletivo – Diálogos Ameríndios – Em 10.10.2025Baixar

Essa atividade faz teve apoio do Environmental Defense Fund (EDF), Rainforest Foundation Norway e Instituto Francês, no âmbito da Temporada França-Brasil 2025.

Fonte: https://institutoiepe.org.br/2025/10/dialogos-amerindios-fortalece-alianca-entre-amapa-e-guiana-francesa-pela-defesa-da-amazonia/