Caravana percorreu as Terras Indígenas do Parque do Tumucumaque e do Rio Paru d’Este para escuta das comunidades que vai subsidiar a atualização do plano de vida dos povos da região

Texto: Angélica Queiroz

Em agosto, a caravana passou pela aldeia Matawaré, no lado leste (Foto: Pedro Ribas – Iepé)

O Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) é fruto de um processo coletivo, guiado pelas visões e aspirações de futuro dos povos que o constroem. Trata-se de um documento vivo, que precisa ser revisitado periodicamente para que continue fazendo sentido. Lançado em 2015, o PGTA das Terras Indígenas Parque do Tumucumaque e Rio Paru d’Este já previa sua atualização, que está começando a ser feita agora, no ano em que ele completa dez anos.

Ao elaborar seu plano de vida, lideranças e caciques também pensaram em garantir meios para sua execução, propondo a criação de reservas financeiras próprias. Dessa ideia nasceu o Fundo Pakará, que, após um processo de estruturação, passou a operar oficialmente em março de 2025. Entre as primeiras iniciativas de seu Comitê Gestor esteve a realização de uma caravana por todas as aldeias do território, ouvindo de perto as demandas das comunidades. Essas contribuições serão a base da atualização do PGTA.

O Comitê Gestor do Fundo Pakará é composto por seis indígenas, escolhidos em assembleias das duas associações do território: Associação dos Povos Indígenas Tiriyó, Katxuyana e Txikuyana (APITIKATXI), que representa o lado oeste do território, e Associação dos Povos Indígenas Wayana e Aparai (APIWA), que representa lado leste e rio Paru d’Este. Entre julho e setembro, os membros do Comitê se dividiram em grupos e, acompanhados por assessores do Iepé, da Funai,  representantes das associações e de parentes, que ofereceram apoio logístico, visitaram as 83 aldeias da região.

De barco, membros do Comitê, junto a assessores e parentes, percorreram as aldeias do lado oeste em julho (Foto:Irison Neves – Iepé)

“Nosso território é muito grande”

Um dos membros do Comitê Gestor do Pakará, Panape Apalai Waiana nasceu na aldeia Ananapiaré, no lado leste do Tumucumaque. Para ele, participar da caravana foi também uma oportunidade de ver o tamanho do território. “A cada nova aldeia que a gente passava eu me sentia emocionado porque eu só conhecia a minha região, abaixo do rio Paru. Nosso território é muito grande”, contou. “Conhecer a realidade de cada aldeia, o que tem e o que não tem, o que avançou e o que não avançou, vai ajudar muito no trabalho do Pakará”, completou. 

Panape apresenta Fundo em aldeia Kumakahpano, no lado leste (Foto: Pedro Ribas – Iepé)

Para além de aumentar o conhecimento dos membros do Comitê Gestor sobre a situação e demandas das comunidades, a caravana também ajudou a rememorar e atualizar informações para todos os moradores do território sobre o próprio Fundo e seus objetivos. “Nas aldeias que não tinham participado da reunião de planejamento, fizemos uma apresentação porque pra gente é importante que todos tenham esse conhecimento”, lembrou Panapé. “São muitas demandas, mas algumas, como a solarização, são parecidas. Agora nós vamos poder comparar e juntar em um só documento quais são as prioridades para aprovar nas assembleias dos dois lados”, completou.

Por onde passou, a caravana aplicou o que chamou de “questionário do bem-viver”, com perguntas para as aldeias avaliarem o desenvolvimento das ações de eixos como governança, saúde, educação, cultura, território e manejo ambiental nas aldeias. Também foram abordados assuntos como mudanças climáticas e benfeitorias necessárias para as comunidades. Além do questionário, o grupo aproveitou para fazer registros narrativos, fotográficos e georeferenciais das aldeias. 

As respostas devem subsidiar a construção da política de priorização do fundo indígena, que será discutida nas assembleias das duas associações representativas do território (APIWA e APITIKATXI) — instâncias máximas de deliberação, responsáveis por validar as demandas levantadas nas comunidades e definir quais serão priorizadas pelo Fundo no próximo ano. A próxima assembleia da APITIKATXI acontece em outubro, na aldeia Missão Tiriyó, e a da APIWA, em novembro, na aldeia Bona.

Caravana reuniu moradores das aldeias para ouvir demandas e sugestões (Foto:Irison Neves – Iepé)

Uma visão ampla das necessidades

A assessora do Iepé, Mariana Bachiega, participou da caravana juntamente com os membros do Comitê Gestor. “A ida do Comitê Gestor a todas as aldeias e a disposição para ouvir as demandas voltadas ao futuro são passos importantes na gestão do território”, afirmou. “A caravana permitiu ter uma visão ampla das necessidades, tanto as comuns quanto as específicas”, completou.

Sanari, vice-cacique da aldeia Maxipurimo, enviando o questionário com o auxílio de assessora do Iepé (Foto: Pedro Ribas – Iepé)

Essa caravana integra as atividades previstas no Contrato de Parceria do Fundo Pakará, firmado com a Embaixada da Noruega para um período de um ano e meio, a partir do segundo semestre de 2025. Trata-se da primeira conquista do Fundo, destinada a custos operacionais e ações formativas, mas, sobretudo, ao processo de atualização do PGTA e à definição, nas assembleias, da política de priorização das demandas que serão atendidas com esse primeiro recurso captado pela equipe do Comitê Gestor.

Kristian Bengtson, Gerente de Programas Sênior da Embaixada da Noruega, lembra que o Programa Norueguês de Apoio aos Povos Indígenas, que atua no Brasil desde 1983, tem como um dos eixos principais da estratégia atual apoiar a criação e o funcionamento de fundos indígenas. “Na nossa visão, a criação de um ecossistema de mecanismos financeiros com gestão indígena é algo fundamental para que um volume maior de recursos possa ser captado da cooperação internacional, ou via mecanismos de compensação, ou como pagamento por serviços ambientais. O contrato firmado entre a Embaixada e o Iepé, para a criação e consolidação do Fundo Pakará, em parceria com as associações APITIKATXI e APIWA, é um passo importante para uma maior autonomia na gestão territorial dos povos do Tumucumaque”, comenta Kristian.

Desde a sua concepção, o Fundo Pakará possui fomento da Nia Tero e assessoria do Iepé. A partir deste ano, com o Fundo dando seus primeiros passos, os financiamentos para a implementação do PGTA do Tumucumaque que a Nia Tero direciona para o território desde 2020, por meio do Iepé, passarão a ser executados gradativamente por seu Comitê Gestor. “Reconhecemos que a gestão territorial e ambiental dos povos indígenas é fundamental para garantir um planeta saudável e habitável para todos”, afirma Nara Baré, diretora da Nia Tero Brasil. 

“Ao apoiá-los diretamente, em parceria com as associações APIWA e APITIKATXI, via Iepé, ajudamos a fortalecer suas organizações, na proteção dos territórios e comunidades, e fomentar a mobilização de recursos essenciais para a implementação de seus planos de vida valorizando tradições e saberes únicos, cujas contribuições são vitais para toda a humanidade”, ressalta Nara. “Reafirmamos nosso compromisso de caminhar juntos com os povos indígenas do Tumucumaque, do Fundo Indígena Pakará, expandindo essa rede de apoio, para que os povos indígenas continuem fortalecidos e protagonistas na construção de um futuro coletivo e sustentável”, completa a diretora da Nia Tero Brasil.

A caravana foi realizada pelo Fundo Pakará com o apoio do Iepé, da Nia Tero e da Embaixada da Noruega.

Fonte: https://institutoiepe.org.br/2025/10/de-aldeia-em-aldeia-fundo-pakara-da-inicio-a-renovacao-do-plano-de-vida-do-tumucumaque/