Órgãos de governo se unem às associações indígenas da região em ação para apoiar as comunidades no enfrentamento à praga que ataca suas plantações
ASA Kapu Wajãpi e agrônomo Leonardo Vidal entrevistam casal da aldeia Wakowã para levantamento da situação das roças da TIW (Foto: Marate Wajãpi)
Cinco equipes formadas por agentes socioambientais indígenas e por técnicos do Iepé, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do Instituto de Desenvolvimento Rural do Amapá (Rurap) iniciaram, no dia 20 de outubro, uma ação de apoio aos agricultores wajãpi no enfrentamento da praga “vassoura-de-bruxa da mandioca”, doença causada por um fungo que vem afetando plantações em diversas regiões do Amapá e do Norte do Pará.
Até o fim do mês, as equipes devem percorrer ao menos 15 aldeias da Terra Indígena Wajãpi (TIW) para reunir-se com as comunidades, avaliar a situação das roças e orientar o manejo das áreas afetadas e o plantio de novas áreas. A ação inclui também a instalação de canteiros para reprodução de manivas em pátios de algumas aldeias, medida que busca evitar a perda de variedades de mandioca cultivadas pelos Wajãpi há gerações.
A iniciativa é parte do projeto “Fortalecendo nossos conhecimentos e práticas para melhorar nossa segurança alimentar”, desenvolvido pela Associação Wajãpi Terra, Ambiente e Cultura (Awatac) e pelo Conselho das Aldeias Wajãpi Apina, com financiamento do Programa Floresta Mais, do Ministério do Meio Ambiente/PNUD, e assessoria do Iepé.

“Em 2025, a nossa Terra Indígena foi atingida por essa praga e quase todas as roças dos Wajãpi sofreram impactos. As comunidades enfrentam um momento muito difícil, porque a doença compromete a nossa segurança alimentar e está levando à perda de variedades de manivas herdadas dos nossos antepassados. A situação é gravíssima”, afirma Paulinho Waiãpi, coordenador do projeto. “Felizmente, a nossa associação já tinha um projeto voltado ao fortalecimento da segurança alimentar e conseguimos dialogar com os financiadores, rever o planejamento e remanejar recursos para o enfrentamento da praga. Com isso, estruturamos esta ação que agora está em campo e esperamos que, com apoio dos agentes socioambientais wajãpi e dos técnicos, as comunidades consigam reduzir o impacto da vassoura de bruxa nas suas plantações”, explica.
A doença apareceu pela primeira vez no Brasil na região do Oiapoque, há mais de quatro anos. Jessinaldo Labonté é agente ambiental indígena da região e foi convidado pela Awatac para participar da ação e compartilhar os conhecimentos acumulados por seus parentes no enfrentamento da praga. Além da prática de podar e queimar as partes das plantas afetadas pela doença, Jessinaldo relatou que a retomada de cuidados tradicionais e a antecipação do plantio da mandioca vêm contribuindo para fortalecer as roças dos indígenas no Oiapoque.
O agrônomo Leonardo Vidal, consultor do Iepé, explica que o fungo causador da doença se torna mais ativo na época das chuvas. Por isso, se as raízes da mandioca já estiverem desenvolvidas nesse período, há boas chances de que os agricultores consigam aproveitá-la. Caso contrário, a doença provavelmente impedirá o desenvolvimento das plantas.

Trabalho conjunto para enfrentar o problema
Desde que o fungo foi identificado na TIW, no início deste ano, o Iepé, a Awatac e o Apina vêm trabalhando em articulação com a Funai e o Rurap para ajudar os Wajãpi a minimizar os danos causados pela doença. O Rurap contratou cinco agentes socioambientais wajãpi para atender as diferentes regiões da Terra Indígena, monitorando a evolução da doença e orientando os donos das roças para a realização de um bom manejo das plantas afetadas.
Rosivaldo Cordeiro de Araújo, extensionista do Rurap que está acompanhando uma das equipes em campo, considera que a ação é fundamental não apenas para reduzir os impactos da vassoura-de-bruxa sobre as comunidades da TIW mas também como parte de um esforço do governo do Amapá para controlar a disseminação da doença para outras regiões.

De acordo com João Vilhena, chefe do Serviço de Gestão Ambiental e Territorial (SEGAT) da Coordenação Regional da Funai, que também está participando diretamente da ação na TIW, as ações de enfrentamento da vassoura-de-bruxa da mandioca são prioritárias para o órgão indigenista. “Aqui, estamos realizando uma ação para escuta das comunidades, para entender como os Wajãpi estão enxergando a praga e que iniciativas próprias estão desenvolvendo para combatê-la. Teremos que conviver com a doença por muito tempo, porque ainda não encontramos uma forma de erradicá-la. O manejo e a prevenção são as principais formas de melhorar a produção dos indígenas e restabelecer a sua segurança alimentar, e estamos dialogando com as comunidades sobre isto”, comenta.
Praga já chegou até mesmo a lugares remotos
A Terra Indígena Wajãpi tem 607 mil hectares e está situada na floresta amazônica, nas divisas entre os municípios de Pedra Branca do Amapari, Laranjal do Jari e Mazagão, no oeste do Amapá. Os Wajãpi possuem hoje cerca de 120 pequenas aldeias dispersas por este território, sendo algumas acessíveis somente por meio de caminhadas de vários dias pela floresta. Mas, de acordo com os indígenas, a praga que vem dizimando as plantações de mandioca em vários municípios do Amapá conseguiu chegar até mesmo a estes locais mais remotos, afetando comunidades que vinham produzindo sua alimentação com fartura e qualidade.
Com apoio do helicóptero do Grupo Tático Aéreo (GTA) da Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Amapá, algumas das equipes responsáveis pela ação em andamento conseguiram chegar até essas localidades, levando informações sobre o fungo e levantando dados para ampliar o diagnóstico e monitoramento sobre a evolução da doença na TIW.
“Felizmente, embora a mandioca seja a base da alimentação dos Wajãpi, a maioria das famílias ainda mantém suas roças tradicionais, com grande variedade de batatas, cará, milho, abóbora, bananas, pupunhas e outras espécies cultivadas que contribuem para sua segurança alimentar. Além disso, entre as mais de 40 variedades de mandioca cultivadas pelos Wajãpi, algumas parecem ser resistentes ou tolerantes à vassoura-de-bruxa. Acreditamos que fortalecer essa agrobiodiversidade é fundamental para a preservação da saúde e bem estar das comunidades em momentos de crise fitossanitária como este”, afirma a coordenadora do Programa Wajãpi do Iepé, Lúcia Szmrecsányi.
A contribuição do Iepé a esta ação interinstitucional foi viabilizada com apoio da Fundação Rainforest da Noruega.
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