Mitore e Merlane, do Comitê Gestor do Fundo Pakará, falam de concurso que elegeu seu logotipo (Foto: reprodução vídeo/ Irison Neves – Iepé)
Apresentação da articulação de professores indígenas do território também foi um dos destaques do encontro, que reuniu lideranças das 58 aldeias do lado oeste do Tumucumaque
Texto: Angélica Queiroz
O diagnóstico produzido pela caravana do Fundo Pakará, que percorreu as Terras Indígenas do Parque do Tumucumaque e do Rio Paru d’Este para escutar as comunidades e atualizar seu plano de vida, começou a ser discutido nas instâncias máximas de deliberação do território: as assembleias de suas duas associações representativas: Associação dos Povos Indígenas Tiriyó, Katxuyana e Txikuyana (APITIKATXI) e Associação dos Povos Indígenas Wayana e Aparai (APIWA). O tema foi destaque durante a VI Assembleia Eletiva da APITIKATXI, realizada entre os dias 20 e 25 de outubro, reunindo parceiros e lideranças dos povos Tiriyó, Katxuyana e Txikïyana, das 58 aldeias do Tumucumaque Oeste, na aldeia Missão Tiriyó.
O objetivo da apresentação foi esclarecer, de forma geral, o diagnóstico a partir da coleta feita junto aos parentes durante a caravana, para que o grupo pudesse compreender o panorama completo e definir, coletivamente, as prioridades. A conversa também serviu para alinhar expectativas. Caciques presentes lembraram que o principal propósito do Fundo é garantir a implementação do que está previsto no Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA). “Essas falas ajudam a fortalecer a nossa equipe, reconhecendo que nós também estamos aprendendo”, destacou Merlane Tiriyó, integrante do Comitê.
Durante a assembleia, a APITIKATXI apresentou sua prestação de contas, reafirmando a transparência sobre as atividades realizadas e os recursos recebidos e utilizados no período de 2022 a 2025. “A mensagem para a próxima gestão é que a continuidade do trabalho é responsabilidade de todos, em diálogo com as comunidades e parceiros”, comentou Aventino Tiriyó, atual presidente da associação. A Articulação das Mulheres Indígenas Tiriyó, Kaxuyana e Txikuyana (Amitikatxi) também participou e apresentou sua prestação de contas.

Presente na assembleia, a coordenadora do Programa Tumucumaque-Wayamu (PTW), Denise Fajardo, elogiou a trajetória da APITIKATXI ao longo dos vinte anos da organização. Ela ressaltou as realizações dos últimos oito anos, sob a gestão de Aventino Tiriyó, afirmando que foram “muitas conquistas”, como a caravana Pakará, a implementação do PGTA e outros projetos novos desenvolvidos no período. “Agora é um momento de valorizar essas conquistas e continuar avançando com a nova diretoria”, concluiu.

APROITIKATXI é apresentada oficialmente
A educação foi uma das pautas prioritárias desta assembleia, não apenas com o diagnóstico do Pakará, que detalhou as principais necessidades da área por aldeia, mas também pela presença de representantes da Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEED). Na ocasião foi apresentada oficalmente a Articulação dos Professores Indígenas Tiriyó, Katxuyana e Tixikyana (APROITIKATXI), recém criada, no âmbito do projeto Educação Soberana, com apoio da Nia Tero.
“O principal objetivo da articulação é buscar a autonomia para o povo Tiriyó e fortalecer nossos professores, para resolver os problemas que têm sido enfrentados, como a falta de material e a deficiência de infraestrutura”, comentou Otávio Tiriyó, coordenador da Articulação. A comunicação com os órgãos de governo passará a ser feita pela articulação dos professores e não mais via professores individuais.
Proteção territorial e combate à praga da mandioca
A proteção territorial também esteve em pauta. O assessor do Iepé, Nacip Mahmud, lembrou que o PTW tem trabalhado em parceria com as comunidades ao longo do tempo para levantar e processar informações e encaminhá-las aos órgãos competentes. Ele ressaltou que os dados coletados pela caravana Pakará trouxeram elementos novos e cruciais, principalmente relacionados a avistamentos e episódios envolvendo invasores. Nacip destacou ainda o trabalho de formação de jovens em mapeamento, com o uso de aplicativos em línguas indígenas, o que tem permitido que as informações cheguem rapidamente ao Iepé e auxiliado no mapeamento de pistas de pouso e na análise das áreas. “A inteligência do trabalho nasce diretamente da vivência da comunidade: nas aldeias, nas roças e na floresta, a partir do que é observado”, comentou.
Ainda no tema proteção territorial, a assembleia discutiu a possibilidade de ações conjuntas com o Exército, com a presença de representantes do Primeiro Pelotão Especial de Fronteira. Em sua fala, o 2º tenente Caio Trajano de Sousa destacou a importância do trabalho de inteligência da comunidade, que, para ele, funciona como um “sensor de inteligência”. A presença do Exército na região é estratégica e justificada pela vulnerabilidade da fronteira, pelos informes de invasões e pela baixa densidade populacional. Após os levantamentos feitos pelos indígenas, com o apoio do Iepé, já está sendo realizada uma ação do Exército em Kuxaré, a primeira a ser realizada conjuntamente na região. Trajano expressou a expectativa de que este seja o primeiro passo para um trabalho mais efetivo de cooperação com outras instituições.
Outro tema debatido foi a “vassoura-de-bruxa da mandioca”, doença que tem afetado diversas lavouras do território desde 2023. “A estratégia para combater a praga combina o entendimento científico com os conhecimentos ancestrais dos povos originários sobre como ter uma planta e uma roça fortes”, ressaltou o assessor do Iepé, João Covolan, que tem atuado junto aos indígenas no enfrentamento ao problema. Ele enfatizou que o trabalho coletivo é crucial para conter a doença. “Como ela se espalha facilmente, não adianta uma pessoa cuidar apenas da sua roça se o vizinho não fizer o mesmo. É necessário que toda a comunidade una esforços, ajudando a cuidar de todas as roças de maneira coordenada”, pontuou.
Covolan detalhou uma estratégia de controle que tem se mostrado efetiva. As ações incluem cortar rapidamente as partes afetadas e queimar o material retirado, além de higienizar as ferramentas e as roupas utilizadas ao trabalhar em roças doentes. Em seguida, ele apresentou a técnica de tratamento da maniva antes do plantio em roças novas e os resultados de um plantio experimental realizado com diferentes tipos de maniva, destacando que a diversidade na roça também contribui para prevenir a praga. Ele ressaltou ainda os avanços do projeto Solo Vivo, que atualmente atua para transformar espaços subutilizados em quintais mais produtivos, com planejamento de uso a longo prazo.
Nova diretoria

Como essa foi uma assembleia eletiva, o último dia foi dedicado à votação. O novo presidente da APITIKATXI é Marcelino Tiriyó, com Ivanilce Kaxuyana como vice, Everton Tiriyó como tesoureiro, Kurawaka Tiriyó como vice-tesoureiro, Jacilene Tiriyó como secretária e Zenas Tiriyó como vice-secretário.

A assembleia foi realizada pela APITIKATXI, com o apoio técnico do Iepé, e financeiro da Nia Tero, Bezos e Embaixada da Noruega.
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