Decisão liminar reconhece violação de direitos e racismo ambiental; comunidade Guarani Mbyá comemora vitória judicial
A comunidade Guarani Mbyá da Tekoá Pindó Poty, localizada no bairro Lami, zona sul de Porto Alegre (RS), conquistou uma importante vitória na luta por justiça socioambiental. Após anos denunciando o desvio irregular de esgoto que atinge o território desde 2019, o Judiciário gaúcho determinou que o Supermercado Lami Ltda. e o município de Porto Alegre adotem medidas imediatas para cessar o despejo de esgoto que afeta a aldeia.
A decisão liminar foi proferida em 22 de outubro pela juíza Patrícia Antunes Laydner, da Vara Regional do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS). A medida é resultado de uma Ação Civil Pública (nº 5241281-28.2025.8.21.0001) movida pelo Conselho de Articulação do Povo Guarani do Rio Grande do Sul (CAPG/RS).
A ação foi construída com apoio da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap), do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Saju/Ufrgs), da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). As entidades denunciam o caso como racismo ambiental, já que o despejo de esgoto tem provocado contaminação da água e do solo, doenças e impactos diretos na subsistência e no modo de vida da comunidade indígena.
Decisão judicial impõe medidas urgentes
A magistrada determinou a inclusão do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) e do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) no polo passivo da ação. O Supermercado Lami Ltda. – EPP, integrante do Centro Comercial Bom Lami, foi obrigado a instalar um sistema completo de tratamento de efluentes, com fossa séptica, filtro anaeróbico e sumidouro, em até 15 dias, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.
A decisão também obriga o município de Porto Alegre e o Dmae a fiscalizar a execução das obras, monitorar a qualidade da água e do solo e comprovar, em até 72 horas, o fornecimento emergencial de água potável à comunidade. O DMLU deverá realizar a retirada imediata de resíduos sólidos acumulados nas proximidades da aldeia, com destinação ambientalmente adequada.
Caso as determinações não sejam cumpridas, o Centro Comercial Bom Lami poderá ser interditado temporariamente.
Relatórios apontam poluição e risco à saúde
De acordo com os documentos anexados à ação, o despejo irregular ocorre há pelo menos seis anos, com esgoto lançado a céu aberto e valas formadas dentro do território da aldeia. Relatórios técnicos citados na decisão descrevem odor intenso, contaminação visível do solo e da água, presença de resíduos sólidos e de um lixão irregular próximo às moradias.
Moradores relatam doenças dermatológicas e gastrointestinais, especialmente entre as crianças, além da perda de áreas de pesca e cultivo. A juíza reconheceu que “a probabilidade do direito está evidenciada na constatação inequívoca de um dano ambiental contínuo e na violação de direitos fundamentais da comunidade indígena Tekoá Pindó Poty”.
Segundo o CAPG/RS, a comunidade denunciou o problema a diferentes órgãos públicos, como o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública do Estado (DPE), a Defensoria Pública da União (DPU), o município de Porto Alegre e órgãos ambientais, sem que houvesse providências eficazes. A magistrada considerou que a omissão estatal e a falta de fiscalização configuram responsabilidade solidária do poder público, conforme prevê a legislação ambiental brasileira.
A decisão também reforça o dever de consulta livre, prévia e informada à comunidade indígena, conforme a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), destacando que a escuta deve ser feita “de forma culturalmente adequada, com a presença de lideranças, intérpretes e órgãos de apoio”.
Audiência e próximos passos
Além da liminar, foi designada audiência de conciliação para o dia 5 de dezembro de 2025, no Fórum Central II de Porto Alegre, com a presença de representantes do município, do Dmae, do DMLU, do Estado do Rio Grande do Sul, do Ministério Público Estadual (MPE), da Defensoria Pública, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e das lideranças da comunidade Pindó Poty.
Embora o processo siga em andamento, o deferimento da tutela de urgência é considerado um marco na luta por justiça socioambiental e no enfrentamento ao racismo ambiental.
Para as entidades envolvidas, a decisão reafirma que o direito ao meio ambiente equilibrado é um direito humano fundamental, e que não há justiça ambiental sem justiça social. “O caso da Tekoá Pindó Poty mostra que a luta dos povos indígenas vai além da demarcação territorial — é também uma luta pelo reconhecimento pleno de seus direitos à saúde, à dignidade e à vida em um ambiente saudável”, destacam representantes do CAPG e das organizações que acompanham o caso.
No dia 10 de outubro, o município de Porto Alegre alegou ilegitimidade para figurar no processo, sustentando que a responsabilidade caberia ao Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), autarquia encarregada do tratamento de água e esgoto na capital.
Já o estado do Rio Grande do Sul apresentou posição contrária, afirmando que a responsabilidade recai sobre o município e o supermercado envolvidos. O estado ressaltou que a atuação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) é de caráter complementar e fiscalizatório, voltada especialmente à poluição hídrica e aos impactos sobre o Arroio Lami.
“A responsabilidade primária pela infraestrutura e pelos serviços de esgotamento sanitário, drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, manejo de resíduos sólidos domiciliares e abastecimento de água é do município de Porto Alegre”, destacou a petição apresentada peloestado.
Em 15 de outubro, o Ministério Público Estadual também se manifestou, defendendo a condenação do município e do supermercado e a retirada do Estado do polo passivo da ação. O órgão ainda questionou a Prefeitura sobre a garantia de fornecimento de água potável à comunidade Tekoá Pindó Poty.
O Brasil de Fato entrou em contato com o Supermercado Lami Ltda e o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae). Não houve retorno. O espaço segue aberto para futuras manifestações.
*Com informações do Sul21.
Editado por: Marcelo Ferreira
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