Em 18 de novembro, a FUNAI anunciou na Green Zone da COP30 a homologação de quatro Terras Indígenas. Participaram lideranças indígenas e autoridades como Joenia Wapichana, Sonia Guajajara, Weibe Tapeba e Mauro Pires (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/2025).
Sobe para 20 o total de terras indígenas homologadas durante o governo Lula desde 2023. Muitas delas aguardavam há dez anos, desde que foram declaradas como terras indígenas. Outras, contudo, ficaram de fora, como a TI Sawré Muybu, dos Munduruku.
Por Nicoly Ambrosio da Amazônia Real
Belém (PA) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) homologou quatro das 70 Terras Indígenas (TIs) que estão na lista da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) esperando o reconhecimento oficial de territórios pelo Estado brasileiro. As homologações foram publicadas na edição desta segunda (17) no Diário Oficial da União, mas anunciadas nesta terça-feira (18) pela presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, em evento na Zona Verde da COP30.
O anúncio de homologação das TIs Kaxuyana-Tunayana, localizada nos estados do Pará e Amazonas; e Manoki, Uirapuru e Estação Parecis, no estado de Mato Grosso, emocionou as lideranças de diversos povos indígenas que acompanharam o anúncio. A lista já vinha circulando deste ontem nos bastidores, e havia expectativa que seria confirmado nesta terça. No evento da Funai estavam também presentes a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e lideranças como Mariazinha Baré, coordenadora executiva da Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam).
Com essas quatro terras indígenas sobe para 20 o total de homologações decretadas pelo governo Lula, que incluiu como uma das promessas da campanha eleitoral em 2022 acelerar as demarcações em seu mandato. No mês passado, a Apib divulgou uma lista na qual havia 70 terras indígenas aguardando homologação. Pela Lista da Apib, 66 terras indígenas ainda aguardam a regularização dos territórios no Brasil
Desde 2023, o presidente da República homologou apenas 20 terras indígenas, incluindo as últimas. As terras homologadas anteriormente são: Arara do Rio Amônia (AC), Acapuri de Cima (AM), Rio Gregório (AC), Kariri-Xocó (AL), Uneiuxi (AM), Rio dos Índios (RS), Tremembé da Barra do Mundaú (CE), Avá-Canoeiro (GO), Aldeia Velha (BA), Cacique Fontoura (MT), Potiguara de Monte-Mor (PB), Morro dos Cavalos (SC), Toldo Imbu (SC), Pitaguary (CE), Lagoa da Encantada (CE) e Tremembé de Queimadas (CE).
A liderança Ângela Kaxuyana, que carrega em seu sobrenome a identificação de seu território, conta que sua história pessoal se confunde com a luta pela homologação de seu território. Desde o nascimento, em 9 de agosto de 1983, ela diz carregar essa resistência como destino e compromisso ancestral.
“Eu estou na campanha desde o dia do meu nascimento. Foi o dia que iniciou a minha resistência, a minha luta, a minha campanha para retornar ao meu território”, afirmou Angela, que faz parte da diretoria da Coordenação das Organizações da Amazônia Brasileira (Coiab).

Pertencente ao povo Kahyana, ela explicou que a violência sofrida pelo seu povo durante a ditadura militar (1964-1988) marcou gerações. O Estado brasileiro os arrancou de sua terra, interrompendo modos de vida e tradições. Parte da comunidade permaneceu no território, vivendo hoje em isolamento voluntário. A TI Kaxuyana-Tunayana, em Oriximiná (PA), foi declarada em 2018 e aguardava há sete anos pela homologação. O território tem uma área de mais de 2,1 milhões de hectares, abrangendo também os municípios de Faro (PA) e Nhamundá (AM). A homologação consolida a posse tradicional dos povos indígenas Kaxuyana, Tunayana, Kahyana, Katuena, Mawayana, Tikiyana, Xereu-Hixkaryana e Xereu-Katuena, além de grupos isolados.
Enquanto se fala oficialmente em 20 povos isolados, Ângela afirmou, emocionada, que apenas na TI Kaxuyana-Tunayana esse número já chega a 20, o que ampliaria o total para mais de 40. Para Angela, a homologação significa reparação histórica e o direito de retorno.
“A homologação nos dá direito de voltar para casa. A gente volta para casa com dignidade e com o direito de ser quem somos. O Estado brasileiro arrancou, interrompeu nossas vidas. É isso que está por trás dessa homologação”, manifestou a liderança.
As demais terras indígenas homologadas são todas no Mato Grosso e vivem sob pressão intensa do agronegócio e dos fazendeiros. A TI Manoki é uma das mais pressionadas. Pertencente ao povo Irántxe, o território abrange uma área de 250,5 mil hectares no município de Brasnorte (MT).
A TI Uirapuru tem quase 21,6 mil hectares e é território de ocupação tradicional do povo Paresí. O território contribui de forma significativa para a proteção hídrica, isso porque a área preserva matas ciliares de rios formadores da bacia do Rio Juruena, no bioma Cerrado.
A TI Estação Parecis, localizada em Diamantino e Nortelândia (MT), pertence ao povo Paresí e possui 2.170 hectares. A homologação descreve que o perímetro do território inicia na divisa com a Fazenda Espigão e segue por estradas vicinais que cortam diferentes trechos da propriedade. A linha de demarcação avança ao longo das fazendas SamPaulo – Parcela 01 e Brasilusa, acompanhando estradas vicinais e limites ideais das áreas vizinhas.
Parte do território também é contornada pelas fazendas Beira do Rio Chapéu e Colorado, incluindo trechos ao longo da faixa de domínio da BR-364. O traçado cruza trevos e acessos internos, passa nas proximidades da Aldeia Parecis e alcança o Córrego do Cágado, ponto que marca o retorno ao início, próximo à Fazenda Espigão.
A liderança William Nazokemai, do povo Paresi, disse que o ato de homologação tem um peso histórico profundo para o povo. “É uma luta de muito tempo e muitas pessoas que já participaram dessa luta não estão aqui. Em memória deles, a gente celebra essa conquista hoje, porque esses espaços foram e são locais importantes e sagrados para nós, são locais de memória dos nossos antepassados, dos nossos ancestrais”.

Ele lembra que a vitória da homologação só foi possível pela força coletiva. Mulheres e lideranças estiveram na linha de frente por décadas, sustentando a luta pela demarcação como condição para existir na TI Estação Parecis em equilíbrio com a natureza e com seu modo de vida.
“É um dia histórico não só para o povo Paresí, mas para todos os povos que tiveram suas terras demarcadas. A nossa luta é sempre coletiva, e hoje os povos indígenas comemoram este ato assinado pelo governo Lula”, declarou.
Além das homologações, o Ministério da Justiça também publicou nesta segunda-feira (17), dez novas portarias declaratórias de demarcação, conforme prometido pela ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, durante a COP30. A lista inclui: TI Vista Alegre (AM – Mura); TI Tupinambá de Olivença (BA – Tupinambá); TI Comexatibá (BA – Pataxó); TI Ypoí Triunfo (MS – Guarani); TI Sawré Ba’pim (PA – Munduruku); TI Pankará da Serra do Arapuá (PE – Pankara); TI Sambaqui (PR – Guarani); TI Ka’aguy Hovy (SP – Guarani); TI Pakurity (SP – Guarani) e TI Ka’aguy Mirim (SP – Guarani).
Terras ameaçadas ficaram de fora
Apesar do clima de comemoração pelas quatro terras homologadas, muitos outros territórios ainda vão ter que esperar. Entre os territórios que aguardam a homologação, há aqueles que há anos sofrem com invasões de garimpeiros e desmatamento ilegal, como as áreas dos indígenas Munduruku, no Pará.
Uma delas é Sawré Muybu, que após mais de 10 anos de espera, foi declarada em 2024 como terra indígena, em assinatura do ministro da Justiça, Ricardo Lewandovski, com 178.173 hectares. Sawré Muybu, no Pará, é um dos territórios mais ameaçados do país por garimpo e desmatamento. Mas para ser homologada, ela precisa passar por demarcação física, com logística de instalação de placas e equipe técnica.
“A Funai diz que não tem recurso para fazer a demarcação física. Então a gente está procurando parceiros para ver se eles dão esse apoio. A gente está cansado de ver a água poluída pelos garimpeiros. Os peixes estão se acabando. Os rios ficando sujos. Não tem mais igarapé limpo”, disse o cacique Juarez Munduruku, à Amazônia Real, nesta terça-feira (18).

A reportagem apurou que os Munduruku de Sawré Muybu estão em uma mobilização para fazer a demarcação física por conta própria, buscando recursos junto a aliados da causa indígena, para assim agilizar a homologação.
O cacique Juarez Munduruku estava em sua aldeia quando soube pela Amazônia Real sobre as quatro homologações. Ele disse que havia sido informado apenas sobre as 10 terras declaradas, divulgadas nesta segunda-feira (17). Ao saber que seu território não foi homologado, ficou preocupado e triste, mas lembrou que Sawré Muybu sempre foi terra indígena, independente da assinatura das autoridades. Para Juarez, porém, o território só passará a ter paz quando for reconhecido pelo Estado brasileiro.
“Enquanto não for homologada, os invasores vão continuar achando que ainda não é área indígena e que eles podem invadir. Só vão respeitar quando o governo homologar. Não para mim, mas para meus netos, para o futuro. A assinatura é importante para isso”, afirmou.
Juarez Munduruku disse esperar que “a consciência chegue no presidente Lula para a urgência da homologação” para que haja segurança no território. Ele afirmou que, nos últimos tempos, tem aumentado o aliciamento de jovens Munduruku por garimpeiros, causando mais uma preocupação nas lideranças.
“A gente sabe que tem jovem se envolvendo também, entrando pros garimpos. Os brancos fazem a cabeça dos jovens para trabalhar com eles para dizer que estão ajudando os indígenas. Essa é a estratégia deles. Estão usando os jovens só pra dizer que os indígenas estão do lado deles [dos garimpeiros]”.

Quase 30 TIs no Amazonas estão em fase de estudo. Uma delas é a TI Lago do Soares e Urucurituba, do povo Mura, localizada no município de Autazes no Amazonas e que está sob pressão de exploração de potássio, com apoio de políticos do Estado.
Indagada sobre essas questões, a presidente da Funai, Joenia Wapichana, explicou que cada etapa do processo de demarcação segue um fluxo próprio e que a homologação não encerra o trabalho do órgão indigenista.
“A homologação é uma coisa, a demarcação física é outra, e é feita pela Funai depois que sai a portaria declaratória. Cada terra indígena é um caso. Às vezes há ações judiciais que suspendem o processo, às vezes a portaria acabou de sair”, disse em entrevista à Amazônia Real.
No caso de TI Lago do Soares e Urucurituba, Joenia explicou que o grupo de trabalho ainda está em campo realizando estudos e elaborando relatórios, etapa necessária antes da declaração oficial.
Sobre a TI Sawré Muybu, território do povo Munduruku, no Pará, Joenia afirmou que a portaria declaratória, publicada em setembro de 2024, permite o avanço das próximas fases.

Em nota, a Coiab disse que “celebra as declarações de Vista Alegre (AM) e Sawre Ba’pim (PA), mas cobra avanço nas outras 29 Terras Indígenas já declaradas que aguardam as próximas etapas da demarcação”. Sobre as terras homologadas, a organização apenas fez um informe sobre a medida e que “segue firme na luta pela regularização de todas as Terras Indígenas da Amazônia”
“Demarcar é uma política climática. Cada etapa concluída representa uma floresta viva, que armazena carbono, regula o clima e sustenta o futuro”, afirma Toya Manchineri, coordenador geral da Coiab.
Em suas redes sociais, o diretor da APIB, Kleber Karipuna fez uma postagem onde diz que recebe “com alegria a decisão do Governo Federal sobre a nova demarcação de terras indígenas no Brasil”.
“Cada território reconhecido é um passo concreto na reparação histórica que lutamos há séculos. Porém, seguimos alerta — porque ainda há muitos povos esperando pelo que é seu por direito: suas terras, sua dignidade, sua liberdade de existir”.
Entenda o processo de demarcação de terras indígenas
As fases do procedimento demarcatório das terras tradicionalmente ocupadas são definidas pelo decreto 1.775/1996. O processo só é finalizado com a homologação e registro da área em nome da União com usufruto exclusivo dos povos indígenas.
Confira as etapas:
Em estudo: fase na qual são realizados os estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais, que fundamentam a identificação e a delimitação da área indígena.
Delimitadas: fase na qual há a conclusão dos estudos e que estes foram aprovados pela presidência da Funai através de publicação no Diário Oficial da União (DOU) e do Estado em que se localiza o objeto sob processo de demarcação.
Declaradas: fase em que o processo é submetido à apreciação do ministro da Justiça, que decidirá sobre o tema e, caso entenda cabível, declarará os limites e determinará a demarcação física da referida área objeto do procedimento demarcatório, mediante portaria publicada no DOU.
Homologadas: fase em que há a publicação dos limites materializados e georreferenciados da área por meio de Decreto Presidencial, passando a ser constituída como terra indígena.
Regularizadas: fase em que a Funai auxilia a Secretaria de Patrimônio da União (SPU), como órgão imobiliário da União, a fazer o registro cartorário da área homologada.
Além das fases mencionadas, pode haver, em alguns casos, o estabelecimento de restrições de uso e ingresso de terceiros para a proteção de indígenas isolados, mediante publicação de portaria pela presidência da Funai, ocasião em que há a interdição de áreas nos termos do artigo 7º do Decreto 1.775/96. (Colaborou Elaíze Farias)
Fonte: https://amazoniareal.com.br/lula-homologa-4-terras-indigenas-mas-faltam-66-pela-conta-da-apib/
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