Em entrevista exclusiva, Alice Wairimu Nderitu, do Escritório para a Prevenção do Genocídio da ONU explica por que o Brasil está no radar da instituição

Por: Bárbara D’Osualdo e Rafael Oliveira

Garimpeiros ilegais atacando indígenas Yanomami, na região de Palimiu (RR), e Munduruku, em Jacareacanga (PA). A tentativa de regularizar a mineração nas terras indígenas (TIs), sem consulta prévia aos afetados. A total paralisação dos processos de demarcação de TIs pelo Ministério da Justiça e pela Funai – que vem sistematicamente atuando contra a proteção jurídica dos territórios. A falta de ação do governo federal para proteger as populações indígenas durante a pandemia de Covid-19.

A forma como a gestão de Jair Bolsonaro lida com as populações indígenas vem chamando atenção da comunidade internacional e provocando reações de organismos de proteção aos direitos humanos. Uma denúncia contra Bolsonaro por incitar o genocídio e promover ataques sistemáticos contra os povos indígenas do Brasil está sob inédita análise preliminar do Tribunal Penal Internacional (TPI), e outras representações contra o mandatário foram apresentadas ao órgão. Paralelamente, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu uma série de medidas cautelares, solicitando que o Brasil aja para proteger diversos povos indígenas, incluindo os Yanomami e Ye’kwanaos Munduruku, além dos Guajajara e dos Awá.

Em junho, o Brasil sob Bolsonaro alcançou mais um feito inédito: pela primeira vez, o país foi citado no âmbito do Escritório para a Prevenção do Genocídio e a Responsabilidade de Proteger da Organização das Nações Unidas (ONU). A menção foi feita pela conselheira especial para a Prevenção do Genocídio, Alice Wairimu Nderitu, em seu discurso na última Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Um mês antes, outros oito relatores especiais das Nações Unidas já haviam cobrado explicações do Itamaraty sobre ataques contra povos indígenas no país.

Alice Nderitu é conselheira-especial da ONU para a prevenção do genocídio

Em sua fala perante o Conselho, a queniana destacou estar “particularmente preocupada com os povos indígenas” na região das Américas. “No Brasil, Equador e outros países, eu peço aos governos para proteger comunidades em risco e garantir justiça para crimes cometidos”, disse.

À Pública, a conselheira especial da ONU afirmou que sua equipe mantém interlocução com movimentos sociais no Brasil e que pretende visitar o país. Segundo ela, a inclusão do Brasil se deve a “processos que não asseguram o Consentimento Livre, Prévio e Informado [de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais], preocupações com a situação das terras indígenas e da demarcação, além de problemas ligados a instituições nacionais de proteção, especialmente a FUNAI”.

Em entrevista exclusiva, Wairimu Nderitu destacou a tese do “Marco Temporal” e os projetos visando à regularização da mineração em TIs como preocupações especiais, já que podem levar ao “despejo” das populações indígenas. A conselheira apontou também preocupação com o aumento do discurso de ódio contra populações vulneráveis no país e cobrou que o Brasil cumpra a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê o Consentimento Livre, Prévio e Informado.

Confira abaixo a conversa completa.

Em sua fala na 47ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos, o Brasil foi citado pela primeira vez por um membro do Escritório para a Prevenção de Genocídio da ONU. O que motivou a inclusão do Brasil em sua fala? Você recebeu alguma informação recente que a motivou?

A minha equipe já havia realizado uma visita ao Brasil em dezembro de 2018, com o objetivo de avaliar a situação no país da perspectiva do meu mandato, que é a Prevenção do Genocídio e a Responsabilidade de Proteger. A visita foi conduzida com base nos fatores de risco e indicadores que nosso escritório utiliza como parâmetro para a análise de crimes de atrocidade. Essa missão de avaliação foi motivada por relatórios iniciais que recebemos por meio de interações periódicas com representantes de comunidades vulneráveis, especialmente grupos indígenas e de afrodescendentes, além de organizações da sociedade civil e equipes da ONU no Brasil.

Meu mandato busca, antes de tudo, a identificação de comunidades vulneráveis, dos riscos aos quais elas estão expostas e a identificação de opções de como resolver essas questões. Então, em minha fala no Conselho de Direitos Humanos, eu mencionei minha preocupação com relação às populações indígenas no Brasil e em outros países da América do Sul, com base no trabalho que eu acabei de mencionar, conduzido pelo meu predecessor, além de preocupações recentes e relatos que temos recebido sobre supostos déficits no sistema de proteção dessas populações. Especificamente no caso do Brasil, essas reclamações se referem a processos que não asseguram o Consentimento Livre, Prévio e Informado [de povos indígenas e comunidades tradicionais], à situação das terras indígenas e de sua demarcação, além de problemas ligados a instituições nacionais de proteção, especialmente a Funai.

Assim como em outros países da região, meu escritório acredita que é extremamente importante que o Brasil enfrente déficits duradouros na implementação de obrigações legais nacionais e internacionais. E, mesmo que a consulta prévia [às comunidades indígenas] seja um requerimento legal em virtude de obrigações internacionais, como a Convenção 169 da OIT, eu recebi alertas de que, no Brasil, isso tem sido limitado a um pequeno número de processos.

Ao longo dos anos, meu escritório recebeu também alertas sobre o processo de demarcação de terras indígenas e sobre a aplicação da tese do Marco Temporal a todos os processos de demarcação. Eu entendo que, sob essa tese, o direito à terra é atribuído àqueles que a ocupavam no momento da adoção da Constituição Federal de 1988, não àqueles com direitos ancestrais sobre ela. Isso pode levar à expropriação legal de um número significativo de terras ancestrais de seus donos originais. Eu recebi também alertas sobre o impacto de regulamentações da extração de recursos naturais, contribuindo ainda mais para o despejo dos povos indígenas de suas terras.

Alguns desses problemas são específicos do Brasil, mas seguem padrões gerais observados na região [América do Sul]. Por exemplo, eu recebi denúncias sobre falhas nos processos de Consentimento Livre, Prévio e Informado planejados ou implementados em diversos países. Isso não é apenas contra obrigações internacionais sob a Convenção 169 da OIT, mas também contra o texto das constituições de diversos países da região, que protegem os direitos das populações indígenas.

No contexto da Covid-19, ao redor do mundo a pandemia contribuiu para tornar a situação de populações vulneráveis ainda mais vulnerável. E, em muitos lugares, comunidades minoritárias têm sido acusadas erroneamente de espalhar o vírus ou usadas como bodes expiatórios em lugares onde a resposta do governo nacional à pandemia é limitada. Isso também aumenta o discurso de ódio contra elas. Eu recebi também denúncias de que isso está acontecendo com comunidades indígenas em toda a região. Por isso, eu senti uma grande necessidade de falar sobre o Brasil no Conselho de Direitos Humanos. E eu acho que é importante que nós multipliquemos os esforços para enfrentar essas dinâmicas.

Nos últimos meses, a Suprema Corte brasileira determinou que o governo federal tomasse uma série de medidas para proteger as populações indígenas durante a pandemia de Covid-19. O governo não cumpriu boa parte delas, no entanto. Essa resistência do governo brasileiro em proteger as populações indígenas, mesmo após decisões judiciais, é também um motivo de preocupação para vocês?

Sim. Como eu mencionei na resposta anterior, minha preocupação se baseia em denúncias que o meu escritório tem recebido com muita frequência. Eu não recebi nenhum detalhe sobre as ações que têm sido tomadas em resposta às preocupações com a proteção [das populações indígenas]. Mas eu sei que propostas de lei que estão em avaliação no Congresso podem contribuir com o agravamento da situação das comunidades indígenas.

Por isso, eu gostaria de pedir ao governo e a todos no Congresso, às pessoas em posições de responsabilidade, que considerem as obrigações do Estado sob a Convenção 169 da OIT, além das obrigações internacionais de prevenção que emanam da Convenção de 1949 para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio. Todos os países, incluindo o Brasil, se comprometeram a proteger suas populações do genocídio, dos crimes de guerra, da limpeza étnica e de crimes contra a humanidade com a adoção do princípio da Responsabilidade de Proteger no documento final da Cúpula Mundial de 2005.

Durante alguns anos, o próprio Brasil conduziu os esforços para solucionar as falhas na implementação desse princípio na Líbia, na chamada iniciativa “Responsibility while Protecting” (“Responsabilidade ao Proteger”). É esse tipo de papel de liderança que eu encorajo as autoridades brasileiras a ocupar quando se trata de proteger a própria população. E eu estarei e me manterei à disposição para dar apoio a esses esforços como for necessário.

Meu escritório trabalhou muito bem no passado com o Ministério Público [Federal], que, pelo que eu sei, é um grande defensor dos direitos das populações indígenas. E eu vejo que meus predecessores também estiveram em contato com diversas organizações comunitárias de base, trabalhando continuamente para defender os direitos dos povos indígenas e pela sua proteção. Então é extremamente importante que aqueles no alto escalão não apenas repliquem os esforços que estão sendo feitos no nível local, mas também conduzam esses esforços o máximo possível.

O Brasil está oficialmente sob observação pelo seu escritório?

Eu diria que nós observamos o mundo todo. Inclusive, temos uma reunião daqui a duas horas para analisar o mundo todo com base no nosso sistema para a prevenção de atrocidades, que utiliza fatores de risco para analisar a situação dos países. Esses fatores de risco são fatores que existem em um país, região ou espaço onde um genocídio ocorreu no passado. Então nós vemos que há certos fatores recorrentes como pouca governança, lideranças autocráticas, presença de milícias armadas, planos visando populações étnicas, religiosas ou raciais específicas – esse tipo de coisa.

Então nós analisamos esses países e, com base nessas análises, decidimos em que situação esse país se encontra. E é com base nessa análise que nós decidimos que tipo de ação tomar com cada país. Então, sim… quando fazemos nossa análise, o Brasil é realmente um dos países sobre os quais temos que discutir em relação às populações indígenas e às populações vulneráveis em geral.

Você já mencionou isso rapidamente antes, mas gostaríamos de desenvolver um pouco mais a questão: há uma série de projetos de lei considerados “anti-indígenas” por especialistas tramitando no Congresso brasileiro. Eles incluem a exploração de terras indígenas, a legalização do garimpo e o enfraquecimento da demarcação de terras. Por que razão isso é um motivo de preocupação para o seu escritório?

É um motivo de preocupação porque populações indígenas no mundo todo correm risco de extinção. E parte do motivo tem a ver com leis como as que você descreveu. Leis que funcionam para separar os povos indígenas de suas terras ancestrais. Leis que se utilizam do fato de que terras ancestrais geralmente não têm documentos de posse ou qualquer tipo de papel que você consiga obter para dizer que a terra é sua, a não ser o fato de que seus ancestrais estão enterrados ali e que é onde você tem vivido.

[Além disso,] populações indígenas muitas vezes não têm o tipo de representação de que precisam para que suas vozes sejam ouvidas nos espaços que tomam decisões sobre elas. Isso significa que decisões são tomadas por elas, sobre elas, sem elas. Então é extremamente importante que nós façamos algo quanto a isso.

Operação de fechamento de um garimpo ilegal dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, entre os municípios de São Félix do Xingu e Altamira, no sudoeste do estado – Ascom Sema

Em seu discurso, você enfatiza a importância de atuar preventivamente para evitar genocídios. Você pode falar um pouco sobre isso?

Muito do trabalho que eu faço, que é feito pelo meu escritório, é focado na prevenção. Nós apagamos muitos incêndios, não esperamos que as situações se tornem genocídios. Nós trabalhamos duro para garantir que isso não aconteça. Meu maior pesadelo seria que um genocídio acontecesse sob a minha supervisão. Quando se trata de riscos, a prevenção é a melhor resposta.

Meu papel é identificar riscos com base em um conjunto de fatores e indicadores que, como eu descrevi antes, são usados na nossa análise sobre crimes de atrocidade. Esse documento específico aborda não só genocídio, mas também crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade.

A partir dessa análise, meu escritório procura dar suporte aos Estados para promover medidas de proteção. No caso do Brasil, nós faríamos o que já fizemos com vários outros países. Isso começa, logicamente, com avisos iniciais, advocacy, quando e onde há preocupação. Na minha fala no Conselho de Direitos Humanos, eu mencionei diversas situações com as quais nos preocupamos. Isso é parte do trabalho de advocacy. Como parte do meu mandato, eu faço o máximo possível para engajar Estados membros, para encorajá-los a não medir esforços para proteger aqueles que consideramos correr mais risco.

Mas advocacy é apenas o primeiro passo, e normalmente não é o suficiente. É importante que as autoridades nacionais ajam em resposta aos alertas de maneira e no tempo apropriados. Porque, afinal de contas, isso é um compromisso que todos os Estados membros, incluindo o Brasil, assinaram em 2005, quando adotaram [o princípio da] Responsabilidade de Proteger.

Eu não estou em posição de aconselhar diretamente sobre as ações específicas que podem ser tomadas no caso do Brasil, pois eu ainda não tive a oportunidade de discutir essas questões com autoridades nacionais ou de visitar o país – espero visitar o país e vou fazer esse requerimento. Mas existem linhas gerais de conselhos que são conhecidas por todos os Estados membros. Em termos de assegurar a implementação de convenções internacionais, como a 169 da OIT; em termos de fortalecer as instituições nacionais de proteção, assim como garantir que todas as comunidades vulneráveis possam opinar em assuntos que as afetam; e em termos de garantir que não haja impunidade para crimes cometidos contra elas. E, claro, todas essas [questões] são críticas, nenhuma é mais importante que a outra.

Uma questão com a qual meu escritório pode ajudar diretamente hoje é o enfrentamento dos discursos de ódio. Isso é uma preocupação no Brasil assim como em diversos outros países e que se deteriorou muito no contexto da pandemia de Covid-19. Meu escritório é um ponto focal no sistema das Nações Unidas para o enfrentamento de discursos de ódio. Não há um único genocídio – o Holocausto, qualquer crime de guerra, crime contra a humanidade – que não tenha sido precedido de discursos de ódio.

Por isso, nós trabalhamos para auxiliar na implementação da Estratégia e do Plano de Ação das Nações Unidas contra o Discurso de Ódio, que foram lançados pelo secretário-geral em 2019. Nós temos ajudado as equipes da ONU nos países a desenvolver seus próprios planos de ação para essa questão. Isso é algo que também podemos fazer no Brasil. Nós temos ajudado a sociedade civil e também agências governamentais a elaborar seus próprios planos de ação contra o discurso de ódio. É algo que podemos fazer imediatamente.

Outra coisa que podemos fazer imediatamente é trabalhar com a equipe da ONU no país para desenvolver um sistema próprio ao Brasil de análise para a prevenção de atrocidades, mapear os fatores de risco que existem no Brasil a partir de uma perspectiva brasileira.

Quais lições aprendidas ao longo de sua trajetória como pacificadora e mediadora de conflitos no Quênia e em outros países africanos podem se aplicar ao caso brasileiro?

Eu aprendi que não há muito que possa ser alcançado pela força, com proeza militar. Que usar armas não resolve um problema, que ele continua lá e não avança. É extremamente importante que os governos ouçam e que o façam com o objetivo de agir sobre o que ouviram. E sei, da perspectiva do meu mandato, da prevenção de crimes de atrocidade, que a inclusão e a promoção de vozes plurais também são fundamentais.

Em termos de sustentabilidade de qualquer ideia a ser discutida, [é preciso] incluir todos os segmentos da população – mulheres, comunidades indígenas, LGBTs, todo mundo que geralmente é excluído. Quando você os inclui na tomada de decisão, você garante a sustentabilidade das decisões que toma, porque mais pessoas a validarão. Isso é extremamente importante.

Já em termos de avaliação de situações [de risco] e análise, é importante ouvir o maior número possível de interlocutores – em diferentes ramos do governo, na capital, nas províncias, pessoas da sociedade civil, de organizações comunitárias. Todo mundo tem algo a dizer.

Da mesma forma, do ponto de vista da resposta, a prevenção constitui uma responsabilidade coletiva. E, geralmente, quanto mais amplo for o “kit de ferramentas”, maior será o número de atores em posição de agir. O que precisamos é de boa sinergia e de coordenação. Assim, o todo pode se tornar maior do que a soma de suas partes.

Outra coisa que aprendi é que a imprensa livre é extremamente crucial para o sucesso na prevenção do genocídio e de crimes de atrocidade. Como diz Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, é difícil encontrar um lugar onde haja uma imprensa livre e onde também haja fome coletiva. Se ela é de fato livre, ela é capaz de se articular, e essas preocupações são suficientes para que uma ação seja tomada. É a mesma coisa com conflitos: se você tiver uma imprensa livre, que seja livre para expressar que há algo acontecendo no país e que é extremamente importante agir, então se torna muito mais fácil resolver esses problemas.

Outra coisa que aprendi é que muitos conflitos são localizados. Na minha experiência, e em pesquisas também, se você olhar para 90% dos conflitos violentos que acontecem, eles ocorrem entre comunidades no nível local. Portanto, no cumprimento do meu mandato, pretendo colocar muita ênfase no envolvimento das comunidades de base em ações preventivas. E isso inclui apoiar grupos que representam os interesses das mulheres e promovem seus direitos para [que possamos] avançar, inclusive na prevenção de atrocidades.

Eu gostaria de concluir apenas dizendo que as lições aprendidas cresceram com a inspiração de muitas pessoas, pessoas em comunidades que fazem tudo o que podem e muitas vezes têm sucesso em causar mudanças nos lugares em que vivem. Eles realmente são os verdadeiros defensores da paz. Eu vi esse compromisso inspirador, a força de vontade de tantos jovens em todo o mundo que pensam que um mundo melhor é possível e que desejam ser agentes ativos de mudança

Eu acabei de voltar da Bósnia e Herzegovina, e o que acabei de descrever, as lições que eu aprendi, eu também vi por lá na prática. Vi comunidades que, na ausência de lideranças que se unam para reconciliar o país, se reúnem e decidem o que vão fazer dali para a frente. Então, eu realmente gostaria de encorajar as pessoas no Brasil a continuar se manifestando, a continuar nos escrevendo. Elas têm escrito muito para o nosso escritório através do e-mail disponível em nosso site, e eu as encorajo a continuar.

Alice Nderitu: “populações indígenas muitas vezes não têm o tipo de representação de que precisam para que suas vozes sejam ouvidas nos espaços que tomam decisões sobre elas”

Há uma denúncia apresentada ao Tribunal Penal Internacional contra o presidente brasileiro por genocídio contra a população indígena em análise preliminar, e outras denúncias foram apresentadas na corte. Além disso, órgãos como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos também já demonstraram preocupação com o cenário para os indígenas do Brasil. Essa é uma preocupação generalizada da comunidade internacional?

Em relação ao Tribunal Penal Internacional, é uma jurisdição completamente separada de nós. E normalmente nosso escritório não determina se situações específicas, em curso ou do passado, realmente se qualificam legalmente, seja como crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra ou crimes que podem ir para o TPI. Já existem mecanismos legais para isso, que fazem essa determinação. Portanto, o que fazemos é avaliar se existe o risco de algum desses crimes ocorrer em uma situação específica, e trabalhamos para prevenir ou parar esses crimes – caso haja suspeita de que já estejam ocorrendo. E então, é claro, por causa do nosso advocacy, outras instituições como o TPI podem pegar o caso. No entanto, devo dizer, só sei o que está acontecendo em nosso escritório. Não sei o que outras organizações estão dizendo sobre o Brasil, porque estou falando de preocupações muito específicas que foram levantadas pela avaliação que já foi realizada pelo nosso escritório.

Você mencionou que o Brasil é signatário de uma convenção sobre o genocídio. O que pode ser feito caso o governo não cumpra as obrigações que assumiu?

Depois de reunirmos informações sobre situações que despertam preocupação, a fim de avaliar o risco de crimes de atrocidade, nós realizamos missões de campo para consolidar nossa análise. Nós precisamos consolidar nossa análise para compreender situações específicas em questão, mas sem realizar investigações criminais sobre incidentes específicos. Não temos nenhum mandato para instruir, por exemplo, as pessoas sobre o que fazer.

O TPI, por exemplo, é um órgão judicial independente que não faz parte da ONU. E temos um acordo entre a ONU e o TPI, que estabelece o quadro jurídico de cooperação entre as nossas duas instituições. Mas, a partir daí, acho que seria prematuro da minha parte apontar o que poderíamos fazer. Acho que, no momento, o que precisamos fazer é obter o máximo de informações possível e, em seguida, mantê-los informados, porque posso garantir que estarei sempre disponível para falar com vocês. E para mantê-los informados sobre tudo o que nosso escritório está fazendo.

 

Fonte: https://apublica.org/2021/08/nao-ha-um-unico-genocidio-que-nao-tenha-sido-precedido-por-discursos-de-odio/

Thank you for your upload