Desde o dia 22 de maio, sete indígenas morreram na Terra Indígena Xikrin do Cateté, onde há 270 casos positivos em uma população com menos de 2 mil pessoas, uma letalidade 40 vezes maior que a do Brasil

Texto: Naira Hofmeister, Fernanda Wenzel | Fotos: José Cícero da Silva | Infográficos: Larissa Fernandes

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“Nas aldeias tem choro dia e noite e as pessoas estão desesperadas.” É assim que o jovem Yan Xikrin (24 anos), filho de um dos caciques da Terra Indígena (TI) Xikrin do Cateté, descreve a situação de seu povo depois que sete óbitos por Covid-19 foram registrados nas três últimas semanas. Desde o dia 22 de maio, quando o guerreiro Bemok Xikrin (72 anos) morreu sem ar em um leito de hospital em Marabá, os Xikrin não passaram mais de sete dias sem lamentar a perda de algum parente, como eles costumam chamar os seus. A morte mais recente aconteceu na manhã do dia 10 de junho, quando o velho Topan Xikrin entrou para as estatísticas.

“Nós estamos com muito medo. Na minha família, sete pessoas já estão falecidas dessa doença”, explica Bekroti Xikrin, presidente do instituto que representa as cinco aldeias da etnia, que ocupa uma área de 439 mil hectares no sudoeste do Pará, a mais de 400 quilômetros de Marabá.

Além de Bemok, outros três guerreiros idosos faleceram: Teptap, Ikrore e Anoyre. Eram figuras importantes para a etnia, como denota o título que possuíam. Guerreiros são os que enfrentam provas de resistência e demonstram conhecimento de suas tradições culturais. Nas aldeias se fala muito pouco português e o respeito aos velhos é levado a sério: eles são os guardiões da memória indígena.

Por essas razões, a morte mais sentida até agora foi a de Bep Karoti (63 anos), cacique da aldeia Pokro e referência para toda a população da terra indígena. “Era uma liderança muito forte física e espiritualmente. Ele já reinava quando outros caciques de hoje eram crianças”, descreve Patrícia Alves Pereira, uma não indígena que assessora o instituto.

O sétimo óbito foi Irenhoti, mulher de 21 anos sobre a qual pouco se sabe.
Botxiê Xikrin, o centenário ancião e autoridade máxima da etnia, também se contaminou e foi hospitalizado. Pelo menos 270 indígenas já testaram positivo para o novo coronavírus, segundo Yan Xikrin.

Os Xikrin não são o único povo a sofrer com a pandemia. Dados da Fiocruz mostram que a população indígena é a que mais morre entre doentes que procuram hospitais: 48% contra 28% dos brancos, 36% dos pretos e 40% dos pardos. A ciência já sabe que a vulnerabilidade dos povos nativos aos vírus é alta em razão do contato mais recente. Somam-se a isso a distância que precisam percorrer para encontrar atendimento médico de média e alta complexidade e as dificuldades de estabelecer um sistema de isolamento em culturas nas quais o compartilhamento de espaço é a regra. Até o dia 14 de junho, 249 indígenas haviam morrido com o novo coronavírus no Brasil, segundo a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). Oficialmente, a Sesai, vinculada ao Ministério da Saúde, registra um número bem menor de óbitos: 103.

Larissa Fernandes/Agência Pública
Mas a TI Xikrin do Cateté tem uma condição ainda mais preocupante: lá, foi registrado o segundo maior número de mortes entre todas as 65 áreas indígenas identificadas pela Funai no Pará, embora a população total da área demarcada não chegue a 2 mil pessoas. No Brasil, apenas quatro de 78 etnias registraram mais óbitos por Covid-19 do que os Xikrin, segundo os dados mais recentes da Coiab.

Larissa Fernandes/Agência Pública
A incidência da doença entre os Xikrin é muito maior do que nos municípios ao redor da terra indígena e mais de 40 vezes maior do que no Brasil, considerando-se os dados populacionais de 2010, os últimos disponíveis, e as informações sobre contaminados no site Brasil.io em 10 de junho. Também é alta a diferença de letalidade entre quem contrai a doença dentro e quem é acometido fora da área demarcada.

 

Fonte: https://apublica.org/2020/06/uma-morte-a-cada-quatro-dias-povo-xikrin-e-o-mais-afetado-pela-covid-19-no-para/

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