“Não foi dado para nós de graça, é uma conquista. E é fruto de muita luta, de muita união entre nós para que pudéssemos estar aqui hoje nesse acampamento Terra Livre com um dia inteiro para discutir as nossas pautas”. Foi assim, que a líder indígena Sônia Guajajara apresentou a agenda dedicada às pautas das mulheres nesta sexta-feira (8) do Acampamento Terra Livre (ATL), que acontece em Brasília até o dia 14 de abril. 

Ao lado de outras 20 mulheres, no palco principal, Guajajara lembra que essa luta vai “para além do chão da aldeia”, como diz. “Nós queremos construir políticas específicas para as mulheres que sejam adequadas à nossa realidade”. Justamente por isso, um dos temas principais de todo o acampamento é “aldear a política”. 

Diante dos recentes projetos de lei que ameaçam os povos tradicionais, com destaque para o Projeto de Lei (PL) 191 que pode ser votado pela Câmara dos Deputados a qualquer momento liberando a mineração nos territórios indígenas, as lideranças estão organizando o lançamento de candidaturas indígenas, principalmente de mulheres, para concorrerem já no próximo pleito de 2022.

No Brasil vivem hoje, de acordo com o IBGE, 897 mil indígenas de 305 diferentes povos, sendo 448 mil deles mulheres. Mesmo representando metade da população originária, atualmente apenas duas indígenas atuam diretamente na política. A deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR), que foi a primeira mulher indígena a ser eleita para a Câmara e a Chirley Pankará, que é co-deputada da Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP) pelo PSOL. Diante do tamanho dessa população e da necessidade de representatividade índigena e feminina, durante as mesas e plenárias que têm acontecido no acampamento, percebe-se a importância das lideranças indígenas para os diferentes povos. 

Joênia Wapichana durante o ato. Foto: Anna Francischini/Amazônia.org.

“Cortaram meus galhos, derrubaram minhas folhas, me enterrando viva”

Uma fala que encontra todas as mulheres, indígenas e não indígenas é a violência. Para além das omissões realizadas pelo Estado, pelos conflitos pela terra, discriminação ainda há a violência que acontece no dia-a-dia. “Nós não podemos mais permitir que nós mulheres sigamos sendo violentadas, não podemos mais permitir que nossas mulheres sejam assassinadas, muitas das vezes pelos nossos próprios parentes. Muitas das vezes dentro da sua própria casa”, diz Guajajara.

No entanto, a resistência que as mulheres indígenas precisam exercer ativamente ultrapassa os muros, tapumes e palhas de cada casa. “Eu sou a resistência do meu povo. Cortaram meus galhos, derrubaram minhas folhas, me enterrando viva, mas o meu espírito está aqui com o meu povo”, conta Neusa, vice cacique da aldeia Tekoha Jevy, no Rio de Janeiro.  “Eu sou ameaçada de morte. E meu irmão foi assassinado em 2018. Mas junto com vocês eu tenho a minha força e vou seguir a minha luta. Quero que levantem comigo e gritem: Demarcação Já!”. 

Expondo uma outra face da recorrente violência, Tânia Kayapó expõe a invisibilidade e o apagamento da cultura sofridos: “as mulheres indígenas foram as primeiras pessoas a sofrerem com essa invasão, o sofrimento delas não é de hoje, já vem de muito tempo. E somos esquecidas, não somos vistas; nós contribuímos com a cultura do povo brasileiro, foi através dos nossos saberes que foi construída essa cultura do país, mesmo assim nós não somos vistas, nós não temos voz.”.

Mesa dedicada as mulheres indígenas. Acampamento Terra Indígena. Aldrey Riechel/Amazônia.org

“Esse território que sustenta o nosso corpo”

Durante o Acampamento Terra Indígena, as lideranças também aproveitam a oportunidade para cumprir agendas junto aos órgãos do governo para defender seus direitos. Guajara, esteve junto à ministra do Supremo Tribunal Cármen Lúcia para discutir sobre a votação do Marco Temporal que deve ser retomada no meio do ano. Segundo ela, a ministra foi solidária à causa indígena tendo expressado, após um agradecimento das lideranças indígenas, que “vocês não tem nada que me agradecer porque direito não agradece se implementa”. 

A votação é aguardada pelos indígenas porque definirá o futuro das demarcações. Dois ministros já concluíram os votos. Edson Fachin, relator do processo, rechaçou a tese do Marco Temporal, na qual indígenas só podem ter seus territórios reconhecidos se comprovarem ocupação na data da promulgação da Constituição da República em 1988. Nunes Marques, reconheceu a tese como legítima. 

“Realizamos em 2019 a primeira Marcha das Mulheres Indígenas que teve como tema “Território, nosso corpo, nosso espírito”, porque é exatamente esse território que sustenta o nosso corpo, que ancora o nosso espírito. Não se pode fazer uma luta separada em defesa do meio ambiente e em defesa dos povos indígenas, porque nós com a mãe terra, com a mãe natureza, nós somos uma só”, explica Guajajara. 

Sobre o ATL 
O Acampamento Terra Livre teve início nesta segunda-feira (04) e vai acontecer até o dia 14. Confira a agenda oficial da mobilização no site da APIB e acompanhe também os principais destaques do ATL por aqui.

Por: Aldrey Riechel e Anna Francischini
Fonte: Amazônia.org.br

Fonte: https://amazonia.org.br/a-luta-das-mulheres-indigenas-atl-tem-dia-dedicado-a-pauta-das-mulheres/

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