Depois de trocar a Itália por uma casa sob palafitas à margem do Rio Jauaperi, na selva amazônica, bióloga Emanuela Evangelista trava um novo combate na floresta

Na aldeia do Xixuaú, às margens do Rio Jauaperi, em Rorainópolis (RO), divisa dos estados de Amazonas e Roraima, uma mulher italiana escolheu viver para combater o desmatamento e defender os direitos dos nativos. A história da bióloga Emanuela Evangelista, repleta de desafios, é fascinante.

Emanuela esteve pela primeira vez no Brasil em 2000. Viajou a convite do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) para sua pesquisa de graduação sobre as lontras gigantes. A espécie estava em risco de extinção por causa da demanda do mercado europeu, americano e outros países frios. A partir desse momento, a bióloga zoológica começa a viajar entre a Itália e o Brasil até que seu coração se conecte para sempre à selva e decida morar lá.

Hoje, Emanuela vive na Amazônia brasileira com o marido Francisco Nascimento. Brasileiro nativo da região, Francisco tornou-se guia profissional e ativista da Amazônia Milano Onlus, organização de pesquisa e preservação, sem fins lucrativos, da qual a italiana é presidente. Juntos, Emanuela e Francisco lutam pela defesa da floresta.

O casal, unido há sete anos, vive em uma em casa modesta erguida sob palafitas e rodeada de floresta e água, enfronhada na reserva extrativista Jauaperi. O trabalho da entidade é dos responsáveis pela criação da área de proteção, há dois anos, depois de 17 anos de luta.

Casinha com recurso o bastante para aguentar firma a temporada de seca e a de cheia

Isolamento em risco

A chegada do coronavírus na Amazônia levou mais um desafio à região. Importante para as populações pobres das áreas urbanas do Brasil, o auxílio emergencial de R$ 600 não é a solução ideal para as comunidades que vivem longe da internet – obrigatória para quem precisa se cadastrar. Ao deixar o isolamento na selva para tentar alcançar o benefício em alguma cidade, as pessoas se expõem ao risco de serem alcançadas pelo coronavírus. E levá-lo para onde não existem desinfetantes nem respiradores.

É mais uma preocupação da ONG – cuja prioridade é tocar projetos que têm como pano de fundo o combate à pobreza, o estímulo ao empreendedorismo solidário e o manejo sustentável das atividades que a região proporciona. Entre elas o turismo ecológico e social responsável, no qual Francisco especializou-se. Para isso, ajudaram na criação da Cooperativa Xixuaú – que reúne moradores de 14 comunidades ribeirinhas locais.

Há três meses, Emanuela Evangelista foi condecorada com a Ordem do Mérito da República Italiana, reconhecimento por duas décadas de ativismo na Amazônia. É difícil estabelecer, na vida dos heróis – e heroínas – da Terra, uma linha divisória entre sua vida privada e sua obra. Ambas são a razão de ser uma da outra.

“Na imaginação do homem ocidental há a Amazônia como refúgio. Não é bem assim. A vida aqui não é passageira. Estar aqui é um modo de vida”

Confira a entrevista

O que a você e a Amazônia Milano Onlus fazem no Norte do Brasil?

Há anos defendemos a floresta e os direitos dos povos indígenas, que hoje dependem cada vez mais dos centros urbanos. Por exemplo, Manaus tornou-se um meio de subsistência para eles porque é o maior centro urbano – a 400 quilômetros de nossa comunidade. Eles vão para lá (são 24 horas de barco) para vender alimentos, artesanato e, em caminho reverso, para a compra de medicamentos.

Nesta altura, em que a pandemia de coronavírus está a causar um banho de sangue no mundo, estamos atentos. Isolamo-nos a nós próprios, na nossa aldeia e nas aldeias vizinhas. Estabelecemos regras intercomunitárias para nos salvar do vírus. E este isolamento nem sempre representa a salvação: não temos alimento, nem desinfetantes, nem respiradores, caso precisemos.

A Amazônia já não tem um significado próximo de salvação?

Na imaginação do homem ocidental há a Amazônia como refúgio do ruído, da poluição; da floresta como fonte de salvação do mundo. Mas não é bem assim: a selva, nesta era de globalização, sofre com a falta de alimentos e necessidades básicas que se tornaram vitais. Não se trata de situação de passageira, mas de um modo de vida que já não é mais tão natural com já foi.

O mercado global levou destruição à floresta. E o desmatamento produz a propagação de vírus antes inexistentes. Os povos indígenas não estão prontos para isso, não têm defesas. Por isso é urgente conseguir suprimentos de equipamentos e produtos que vêm dos centros urbanos mais próximos, no nosso caso, Manaus.

A convivência com a comunidade é razão de viver (foto: PH Gianluca Colla)

Busca por recursos

Como está lidando com a pandemia de coronavírus?

Nós estabelecemos as regras. Todas as comunidades ao longo do Rio Jauaperi – somos cerca de mil pessoas – estão respeitando as restrições, mas o vírus está à porta. Já existem infecções, não temos escapatória. Esperamos nos defender. A comida, as bebidas e os medicamentos estão chegando através de nossa ONG, abrimos uma campanha de crowdfunding para levantar recursos.

A situação é dramática, enquanto o governo continua a fazer escolhas inadequadas, outras associações como a nossa e governos locais se esforçam para trazer ajuda para as terras indígenas, para as populações tradicionais. Tudo para que esse povo não precise se deslocar da floresta.

O governo planejou alguma ajuda para a Amazônia?

A renda básica emergencial de R$ 600 é boa para atender famílias mais pobres nas áreas urbanas, mas não funciona para a Amazônia rural, feita de áreas isoladas. Na verdade, a maior parte da Amazônia é composta de aldeias isoladas, de populações que não têm como acessar esse auxílio emergencial. Precisam de um cadastro através da internet, e não há internet nas aldeias isoladas da Amazônia. Então, precisamos que o cadastro seja aprovado por uma mensagem, e não há sinal de telefone nas aldeias isoladas da Amazônia.

O pior é que essa história de auxílio emergencial faz muitos nativos se deslocarem para cidades ou pequenos pontos urbanos. Ou seja, em vez de o auxílio chegar, acontece o oposto. As pessoas vão em direção às cidades fazer filas intermináveis para coletar esses reais. A Amazônia rural precisa de outro tipo de ajuda.

Valentina Barile, jornalista italiana, e autora do livro #MineViandanti, com relatos de experiências comunitárias, ambientais e geopolíticas dos locais por onde viaja.

Fonte: Rede Brasil Atual
Edição: Paulo Donizetti de Souza

 

 

Fonte: https://amazonia.org.br/2020/06/coronavirus-biologa-italiana-que-adotou-amazonia-como-modo-de-vida-enfrenta-novo-inimigo/

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