O ano de 2019 é lembrado por grandes tragédias como o rompimento da barragem em Brumadinho (MG), o alto número de queimadas na região Amazônica, e o óleo nas praias do nordeste. Também foi o primeiro ano do governo Bolsonaro no poder, marcado por grandes polêmicas e na qual a quantidade de conflitos rurais se consagrou a maior dos últimos cinco anos.

Em 2019 foram 1.833 casos de conflitos no campo, 23% a mais comparado ao ano de 2018, desses, 32 resultaram em mortes. Os dados são da 34º edição do Conflitos do Campo 2019, divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) ontem, dia 17, data que celebra a conscientização da luta camponesa.

Foi na Amazônia brasileira onde ocorreu mais da metade dos conflitos e 84% dos assassinatos. A região é reconhecida não apenas como a maior reserva de recursos naturais do planeta, mas também como um local em constante disputa política, econômica, ambiental e social. Há, na floresta, constantes problemas com garimpo, desmatamento, expansão agropecuária e invasão de terras indígenas.

“É um quadro impressionante como a violência no campo se concentra profundamente e especificamente na Amazônia. É onde o governo quer que o capital assuma o controle em áreas indígenas e em áreas de preservação ambiental”, analisa Antônio Canuto, jornalista e colaborador da CPT.

Os povos indígenas são considerados grandes vítimas da violência agrária, os grupos econômicos que têm interesse por suas terras e pelos recursos naturais nelas existentes, enxergam os índios como empecilhos ao desenvolvimento econômico do país, pelo simples fato de não aceitarem se submeter à exploração injusta do mercado capitalista, uma vez que são de culturas igualitárias e não cumulativistas. Dessa visão resulta todo o tipo de perseguição e violência, principalmente contra suas lideranças que atuam na defesa de seus direitos.

Dos 32 assassinatos registrados, nove são indígenas, um dos maiores números dos últimos anos segundo a CPT, a cada três famílias em conflitos por terra uma é indígena, 67% dos indígenas sofreram algum tipo de invasão em suas terras e das 201 ameaças de mortes, 39 são contra lideranças indígenas.

Um dos casos que mais recebeu repercussão foi o do líder indígena Paulo Guajajara morto em novembro com um tiro no rosto durante emboscada feita por madeireiros ao grupo dos Guardiões da Floresta, no interior da Terra Indígena Araribóia, no Maranhão. Diante da morosidade do Estado, os indígenas assumiram a responsabilidade por defender com a própria vida a integridade de seu território, continuamente invadido por madeireiros e grileiros. Isso os deixa suscetíveis a inúmeras ameaças de morte por parte dos invasores. Paulo Paulino era um dos ameaçados. Desde o mês de setembro estava incluído no Programa Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.

Paulo Paulino Guajajara

Abaixo os assassinatos que ocorreram na Amazônia durante o ano de 2019.

AMAPÁ

Pedra Branca do Amapari – T. I. Waiãpi/Aldeia Mariry – 22/07/2019 – Emyra Waiãpi – 69 anos – Liderança Indígena Assassinado a facadas, perto da Aldeia Mariry, no contexto da invasão da T. I. Waiãpi, por parte de garimpeiros. O corpo da vítima foi encontrado dentro de um rio com marcas de perfurações e cortes na região pélvica e nos olhos. Aikyry Waiãpi diz que seu pai morreu em confronto com os invasores. Porém, a Polícia Federal fez pronunciamento dizendo que não encontrou indícios de invasão no local. Os indígenas discordam. Trata-se de uma área muito cobiçada por garimpeiros e mineradoras. Existem dois processos minerários na região (tântalo e ouro). Consta que o MPF instaurou procedimento para apurar as circunstâncias do assassinato.

AMAZONAS

Manaus – Cemitério dos Índios – 13/06/2019 – Cacique Willames Machado Alencar – 42 anos – Liderança Indígena Assassinado a tiros por pessoa ligada ao tráfico de drogas. Segundo relato de testemunhas, o homicídio foi ordenado por integrantes de uma facção do tráfico local que pretendem obter domínio da região, e, para tal, se apropriar das terras pertencentes aos indígenas.

Manaus – Cemitério dos Índios – 06/08/2019 – Carlos Alberto Oliveira de Souza, “Mackpak” – 44 anos – Liderança Indígena Assassinado a tiros por homens encapuzados, quando saiu para comprar pão. Familiares da vítima relatam que Carlos recebia ameaças de morte, por causa da atuação em defesa do território Cemitério dos Índios contra facções do crime organizado. Aliás, consta que no dia 03/08/2019 a vítima recebeu visitas de homens desconhecidos, porém não se encontrava em casa. Informação veiculada pela imprensa local relata que Carlos não tinha envolvimento com o tráfico de drogas.

Manaus – Comunidade Urucaia – 27/02/2019 – Cacique Francisco de Souza Pereira – 53 anos – Liderança Indígena Assassinado a tiros, por três homens encapuzados, diante da esposa e da filha, na comunidade Urucaia, local em que morava. A esposa da vítima relata que ele tinha recebido ameaças de morte por telefone. Francisco era responsável por 42 comunidades indígenas. Informações preliminares dão conta que a polícia trabalha com duas linhas de investigação: uma está ligada a conflito relacionado à distribuição de terras; outra é que o Cacique combatia o tráfico de drogas nas comunidades indígenas.

Lábrea – Seringal São Domingos – 30/03/2019 – Nemis Machado de Oliveira – 50 anos – Liderança Assassinado a tiros durante investida de pistoleiros, sob ordens de grileiros, no Ramal da Torre/Seringal São Domingos, local em que 140 famílias de posseiros residem desde o ano de 2016. Nemis teve parte do corpo queimado. Na ação, as famílias tiveram casas e pertences destruídos. Trata-se de terra da União reivindicada pelas famílias que resistem contra ataques de grileiros, fazendeiros e madeireiros que atuam na região. Conforme os camponeses do Seringal São Domingos existe uma lista de pessoas marcadas para morrer na região.

Lábrea – Seringal São Domingos – 02/11/2019 – Denis – 38 anos – Posseiro Assassinado por pistoleiros na região do Seringal São Domingos, terra da União onde residem 140 famílias de posseiros, que desde o ano de 2016 a disputa com fazendeiros, madeireiros e grileiros. Denis estava na lista dos marcados para morrer. O corpo dele foi encontrado distante de casa (Seringal São Domingos). Estava amarrado e com várias perfurações a bala.

Tabatinga – T. I. Vale do Javari – 06/09/2019 – Maxciel Pereira dos Santos – 31 anos – Funcionário Público Assassinado a tiros, no centro de Tabatinga, diante da família (esposa e enteada). Atuava há mais de 12 anos junto à Funai e aos indígenas da região, na proteção da T. I. Vale do Javari, contra invasões do território para exploração ilegal da caça, pesca, madeira e do ouro. Desde o ano passado, as equipes de vigilância da referida área sofreram vários ataques, os quais foram denunciados à Polícia Federal e ao MPF, com solicitação de proteção do território, porém ninguém foi responsabilizado. Membros da Associação de Servidores da Funai, em nota, afirmam que há indícios de que o crime ocorreu em represália à atuação de Maxciel contra os invasores. Crime com característica de pistolagem.

MARANHÃO

Zé Doca – Povoado Centro do Totó – 18/12/2019 – Francisco Sales Costa de Sousa – 60 anos – Liderança Assassinado a tiros em sua residência. Crime com característica de pistolagem. Liderava a defesa de mais de 300 hectares da Mata São Pedro, parte de mata fechada da Floresta Amazônica. Denunciava nas redes sociais, irregularidades nas administrações municipais de Zé Doca e Araguanã. Apresentava-se como lavrador e sempre se posicionava pela preservação do meio ambiente e pelo direito de cada agricultor ter um pedaço de terra para o seu auto-sustento.

Bom Jesus das Selvas – T. I. Araraboia/92 Aldeias/Etnias Guajajara, Gavião e Guajá – 01/11/2019 – Paulo Paulino Guajajara – 26 anos – Liderança Indígena Assassinado com um tiro no rosto durante emboscada feita por madeireiros ao grupo dos Guardiões da Floresta, no interior da T. I. Araribóia. No ataque, Laércio Souza Silva Guajajara também foi baleado no braço e nas costas. Ficou gravemente ferido; felizmente não veio a óbito. Diante da morosidade do Estado, os indígenas assumiram defender com a própria vida a integridade de seu território, continuamente invadido por madeireiros e grileiros. Isso os deixa suscetíveis a inúmeras ameaças de morte por parte dos invasores. Paulo Paulino era um dos ameaçados. Desde o mês de setembro estava incluído no Programa Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.

Jenipapo dos Vieiras – T. I. Cana Brava/Aldeias Coquinho/Coquinho II/Ilha de São Pedro/Silvino/Mussun/Nova Vitoriano – 07/12/2019 – Cacique Firmino Prexede Guajajara – 45 anos – Liderança Indígena e Raimundo Benício Guajajara – 38 anos – Liderança Indígena Os caciques Firmino Prexede Guajajara, da Aldeia Silvino/TI Cana Brava e Raimundo Benício Guajajara, da Aldeia Decente/TI Lagoa Comprida, são assassinados a tiros mediante emboscada na BR-226, município de Jenipapo dos Vieiras, quando retornavam de uma reunião na Aldeia Coquinho, a fim de definirem sobre compensações relacionadas aos impactos causados por obras de linhas de transmissão de energia existentes no território Guajajara. Além dos assassinatos, dois indígenas ficam gravemente feridos (Neucy Cabral Vieira e Nico Alfredo); felizmente não vieram a óbito.

MATO GROSSO

Colniza – Faz. Bauru/Magali/Acamp. Gleba União – 05/01/2019 – Elizeu Queres de Jesus – 38 anos – Posseiro Assassinado a tiros durante ataque realizado por seguranças privados que prestam serviço aos grileiros de terras públicas na região. A vítima morreu no local e outros nove posseiros ficaram feridos, três deles gravemente. De acordo com as primeiras diligências da polícia, os indícios apontam para uma tentativa de massacre no local, já que não há evidência de reação das vítimas. Quatro seguranças foram autuados em flagrante e presos na cadeia pública de Colniza, por 1 homicídio consumado e 9 tentativas. Em novembro de 2018, organizações que acompanham o problema agrário na região denunciaram, em nota pública, o risco de grave conflito na área.

Chapada dos Guimarães – Gleba/Assent. Jangada Roncador – 19/04/2019 – Edmar Valdinei Rodrigues Branco – 59 anos – Assentado Assassinado a tiros no Assentamento Jangada Roncador, local em que morava e foi pioneiro, ao organizar as famílias, em 1995, para reivindicar a área. O corpo foi encontrado em avançado estado de decomposição, próximo à sua terra, cinco dias após o desaparecimento, ocorrido em 19/04/2019. Ele foi alvejado com tiros no tórax e na cabeça; teve um braço quebrado. As Polícias Civil e Técnico-Científica iniciaram os procedimentos investigatórios, mas ainda não há informações sobre suspeitos. Familiares e amigos relataram à imprensa que a vítima recebia ameaças de uma mineradora. De acordo com a CPT/MT, a região é historicamente conflagrada pela violência da “disputa de terras, mineração e caça predatória”.

Cotriguaçu – P. A. Juruena – 01/08/2019 – Sr. Gilberto* – Liderança Assassinado por pistoleiros dentro do P. A. Juruena, local em que morava. Era membro da Associação dos Pequenos Produtores Rurais do referido local. Pessoas da localidade informaram à CPT/MT que a vítima sofria ameaças de morte, por parte de jagunços a serviço de fazendeiros da região. Nesse contexto, saiu um tempo do assentamento. Ao voltar para a área foi executado.

PARÁ

Rio Maria – Assassinato de Carlos Cabral Pereira – 11/06/2019 – Carlos Cabral Pereira – 58 anos – Sindicalista – Presidente do STTR de Rio Maria Assassinado a tiros, na cidade de Rio Maria, por dois homens em uma motocicleta, que dispararam quatro vezes contra o sindicalista. Encaminhado ao Hospital Municipal da cidade, não resistiu aos ferimentos e faleceu logo em seguida. O corpo foi enviado a Marabá para a perícia criminal. Cabral dedicou sua vida à luta em defesa dos trabalhadores rurais. Há anos era ameaçado de morte e sofreu uma tentativa de assassinato em 1991, quando foi baleado em uma emboscada. Ele foi genro do também sindicalista João Canuto, assassinado na década de 1980.

Ourilândia do Norte – Fazenda Mil e Duzentos – 19/10/2019 – Alexandre Coelho Furtado Neto – Liderança Sem-Terra Liderança na ocupação da Fazenda Mil e Duzentos, local em que estava acampado. Assassinado com um tiro de espingarda no peito, ao ser emboscado, à noite, quando retornava para seu barraco. Ele lutava pelo assentamento das famílias no local desde o início da ocupação, em 2006. Em 2019, os ataques contra as famílias se agravaram, com episódios de pistolagem, ameaças, tentativa de assassinato e, agora, a execução de um trabalhador.

Baião – Fazenda na Vicinal da Martins – 24/03/2019 – Raimundo de Jesus Ferreira, Marlete da Silva Oliveira e Venilson da Silva Santos – Trabalhadores Rurais Raimundo, Marlete e Venilson eram funcionários de uma fazenda localizada na Vicinal da Martins, município de Baião. Foram assassinados e carbonizados. Suspeita-se que a chacina foi executada por quatro homens, pelo fato de um fazendeiro querer evitar que as vítimas movessem um processo na Justiça do Trabalho contra ele. Além disso, o fazendeiro receava que os trabalhadores denunciassem a construção de uma pista de pouso clandestina na propriedade, destinada ao tráfico de drogas.

Conceição do Araguaia – Fazenda Safita/Acamp. Vitória da União – 26/09/2019 – José Araújo dos Santos – Sem – Terra. Assassinado com disparo de arma de fogo próximo à sua residência, no acampamento Vitória da União. Nenhum suspeito foi apontado. Porém, de acordo com as famílias acampadas, as ameaças contra elas, promovidas pelo grileiro da área, se intensificaram nos últimos meses. Elas denunciam omissão e conivência dos órgãos públicos responsáveis pela resolução do conflito.

Anapu – Gl. Bacajá/Lote 44/Faz. Sta. Maria – 04/12/2019 – Márcio Rodrigues dos Reis – 33 anos – Liderança Sem-Terra Assassinado com um golpe de faca no pescoço quanto transportava um passageiro para a zona rural, pois atualmente trabalhava como mototaxista. Em 2016, Márcio foi uma das lideranças da ocupação do Lote 44/ Gleba Bacajá/Fazenda Santa Maria, em Anapu, terra pública grilada, a qual a Justiça Federal de Altamira determinou a imissão de posse ao Incra, mas houve interposição de recurso e o caso aguarda julgamento no Tribunal Regional Federal da 1ª Região-TRF1, em Brasília-DF. A morte de Márcio interfere no processo contra o Pe. Amaro, pois ele era a principal testemunha da defesa. Márcio sofria ameaças de morte desde 2016.

Anapu – Gl. Bacajá/Lote 44/Faz. Sta. Maria – 09/12/2019 – Paulo Anacleto – Aliado Suspeita-se que a execução de Paulo esteja diretamente relacionada ao assassinato da liderança sem-terra Márcio Rodrigues dos Reis, ocorrida no último dia 04/12. De acordo com uma liderança camponesa da região, ameaçada de morte, horas antes do assassinato de Márcio, Paulo recebeu uma ligação telefônica, cujo autor teria sido um conhecido fazendeiro da região, que perguntava sobre a morte de Márcio. Segundo outras testemunhas, nessa ocasião Paulo teria dito que o autor da ligação poderia ser o mandante do crime.

Anapu – Gl. Bacajá/P. A. Pilão Poente II/Lote-69-71-73/Mata Preta – 20/02/2019 – Marciano dos Santos Fosalusa – Liderança Sem -Terra Assassinado a tiros. Liderança na luta pela terra na localidade Mata Preta, Marciano despertou o ódio de pistoleiros que agem sob ordens de fazendeiros na região. Um destes pistoleiros, atualmente preso, falou da raiva que sentia do pessoal da Mata Preta, pelo fato de ter sido a única “limpeza” que não conseguiu realizar, já que a comunidade se organizou em uma associação e não respondeu a violência à altura.

Baião – P. A. Salvador Allende Piratininga – 22/03/2019 – Dilma Ferreira Silva – 45 anos – Liderança; Claudionor Amaro Costa da Silva – 42 anos – Assentado e Milton Lopes – 38 anos – Assentado. Dilma era coordenadora regional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), em Tucuruí. Assassinada a golpes de arma branca em sua residência, no P. A. Salvador Allende Piratininga, município de Baião. Juntamente com ela foram mortos seu esposo, Claudionor Amaro Costa da Silva, 42, e Milton Lopes, 38, assentado amigo do casal. As vítimas foram amarradas, amordaçadas e esfaqueadas. Dilma teve a garganta cortada e seu corpo apresentava sinais de tortura. Investigações iniciais apontaram que o massacre foi encomendado por um fazendeiro que quer grilar parte das terras ocupadas pelas vítimas e também evitar a presença de membros de movimentos sociais próximo às suas terras, onde foi construída uma pista de pouso clandestina para servir ao tráfico de drogas.

RONDÔNIA

Corumbiara – Acamp. Manoel Ribeiro/Faz. ZC/Gl. Corumbiara/Lote 100/Linha 155/Setor 110 – 11/01/2019 – Gustavo José Simoura – 30 anos – Sem – terra Assassinado a tiros. Camponeses do Acampamento Manoel Ribeiro acreditam que Gustavo foi assassinado por pistoleiros, a mando de latifundiários da região. Consta que horas antes do crime Gustavo foi parado numa estrada próxima ao Acampamento Manoel Ribeiro, por pessoas que estavam em uma caminhonete preta que possui as mesmas características de um veículo que circula na sede da fazenda ZC. Em dezembro de 2018, a fazenda ZC por ocupada por 50 famílias que reivindicam a área para a reforma agrária. Os camponeses afirmam que se trata de área pública grilada por fazendeiros.

Por: Nicole Matos
Fonte: Amazônia.org.br

 

 

 

Fonte: https://amazonia.org.br/2020/04/regiao-amazonica-concentra-60-dos-casos-de-conflitos-no-campo/

Thank you for your upload