Por Lucas Ferrante, Reinaldo Imbrozio Barbosa, Luiz Duczmal e Philip Martin Fearnside

A produção de monoculturas na Amazônia pode aumentar significativamente o desmatamento e, no caso de Roraima, aumentar a perda de “lavrado” (a savana de Roraima), de alta biodiversidade [1, 2]. Isso está acontecendo agora em Roraima e não é apenas uma possibilidade futura. A Amazônia é considerada uma possível fonte da próxima pandemia, uma vez que o desmatamento oferece oportunidades para os agentes de doenças do grande reservatório de zoonoses da região saltarem para a população humana [3].

A criação de animais confinados (incluindo suínos e aves conforme proposto pela Millenium Bioenergy) [4] em locais onde os animais domésticos podem entrar em contato com agentes de doenças pode gerar uma nova pandemia de proporções mundiais [5]. A probabilidade de conter esse surto é pequena, conforme sugerido pela resposta inadequada que a região teve à pandemia COVID-19 [6-8].

O risco de uma nova pandemia é aumentado pelo fato de a Amazônia ser um dos maiores reservatórios mundiais de diferentes tipos de coronavírus [9], e a possibilidade de contato desses vírus com o SARS-CoV-2 (vírus causador do COVID- 19) pode resultar em uma cepa ainda mais perigosa emergindo por meio de recombinação [10]. O Ministério Público de Contas do Estado do Amazonas (MPC-AM) solicitou formalmente à Agência de Defesa da Agropecuária e Florestal do Estado do Amazonas (ADAF) dados sobre infecções por SARS-CoV-2 em bovinos [11].

Em regiões com alta prevalência da doença SARS-CoV-2 em humanos e animais, como a América do Sul, o contato próximo entre os animais de fazenda e quaisquer humanos infectados que os cuidam pode causar infecções antropo-zoonóticas nos animais, como já tem sido descrito para espécies de animais altamente suscetíveis, como visons, felinos e cães [12]. Estudos recentes relataram que os suínos também são suscetíveis à infecção por SARS-CoV-2 [13]. Fontes oficiais atestam a suscetibilidade de animais selvagens presentes na região (como morcegos e primatas) ao SARS-CoV-2 e a sua capacidade de transmitir o vírus [14]. Isso implica na possibilidade de saltos zoonóticos, inclusive de beta coronavírus presentes na Amazônia, para animais domésticos e destes para humanos.[15]


A imagem que abre este artigo mostra criação de gado em Apuí, no sul do Amazonas, próximo aos limites da Floresta Nacional de Urupadi (Foto: Daniel Beltrá/Greenpeace)


Notas

[1] Barbosa RI, Campos C, Pinto F, Fearnside PM (2007) The “lavrados” of Roraima: Biodiversity and conservation of Brazil’s Amazonian savannasFunctional Ecosystems & Communities 1: 30-42.

[2] Ferrante L, Fearnside PM (2018) Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2018. Cana-de-Açúcar da Amazônia: Uma Ameaça à FlorestaAmazônia Real, 26 de março de 2018.

[3] Ellwanger JH, Kulmann-Leal B, Kaminski VL, Valverde-Villegas JM, da Veiga ABG, Spilki FR, Fearnside PM, Caesar L, Giatti LL, Wallau GL, Almeida SEM, Borba MR, da Hora VP, Chies JAB (2020) Beyond diversity loss and climate change: Impacts of Amazon deforestation on infectious diseases and public health. Anais da Academia Brasileira Ciência 92: art. e20191375.

[4] BrasilAgro (2019) Millenium Bioenergy vai produzir etanol a partir do milho no Amazonas.https://bityl.co/5J9l

[5] Cohen J (2020) Swine flu strain with human pandemic potential increasingly found in pigs in ChinaScience, art. abd5761.

[6] Ferrante L, Fearnside PM (2020) Proteger os povos indígenas do COVID-19Amazônia Real, 17 de abril de 2020.

[7] Ferrante L, Steinmetz WA, Almeida ACL, Leão J, Vassão RC, Tupinambás U, Fearnside PM, Duczmal LH (2020) As políticas do Brasil condenam a Amazônia a uma segunda onda de Covid-19Amazônia Real, 11 de agosto de 2020.

[8] The Lancet (2020) COVID-19 in Brazil: “So what?” The Lancet 395: 1461.

[9] Ramon P (2020) The Amazon could easily be the next source of coronaviruses, scientist warnsScience Alert.

[10] Shumei L, Caiyu L (2021). Virus more dangerous if SARS-CoV-2 merges with other coronavirus: expertGlobal Times.

[11] MPC-AM (Ministério Público de Contas do Estado do Amazonas) (2021) 7ª Procuradoria de Contas. Ofício n. 95/2021/MPC/RMAM de 10 de fevereiro de 2021. https://bityl.co/5lnw

[12] Ulrich L, Wernike K, Hoffmann D, Mettenleiter TC, Beer M (2020) . Experimental infection of cattle with SARS-CoV-2Emerging Infectious Diseases 26: 2979-2981.

[13] Pickering BS, Smith G, Pinette MM, Embury-Hyatt C, Moffat E, Marszal P, Lewis CE (2021) Susceptibility of domestic swine to experimental infection with severe acute respiratory syndrome coronavirus 2. Emerging Infectious Diseases 27: 104-112.

[14] Departamento de Saúde Animal. (2020) SARS-CoV-2 em Animais. Departamento de Saúde Animal, Campo Grande, MS, Brazil.

[15] O trabalho em inglês do qual este texto foi traduzido está disponível para livre acesso em Ferrante, L., R.I. Barbosa, L. Duczmal & P.M. Fearnside. 2021. Brazil’s planned exploitation of Amazonian indigenous lands for commercial agriculture increases risk of new pandemicsRegional Environmental Change 21, Art. 81.


Os autores

Lucas Ferrante é Biólogo formado pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), Mestre em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), e doutorando em Biologia (Ecologia) no INPA. Foi primeiro autor de notas em Science Nature Medicine sobre o impacto de COVID-19 na Amazônia, inclusive em povos indígenas, e coordenou o grupo formado a pedido do Ministério Público-AM sobre o COVID-19 em Manaus. (lucasferrante@hotmail.com).

Reinaldo Imbrozio Barbosa é Engenheiro Florestal pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Doutor em Biologia Tropical (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Possui especial interesse em estudos relacionados às mudanças climáticas, uso e ocupação da terra, dinâmica de ecossistemas e emissões de gases do efeito estufa decorrentes das atividades antrópicas na Amazônia. É Pesquisador Titular do INPA, Professor do Programa de Pós-graduação em Recursos Naturais da UFRR (Doutorado/Mestrado) e Professor colaborador nos cursos de Pós-graduação em Ecologia e Ciências Florestais do INPA (Doutorado/Mestrado). Bolsista Produtividade do CNPq entre 2009-2019. Suas publicações e métricas podem ser encontradas aqui.

Luiz Henrique Duczmal é Professor Titular do Departamento de Estatística da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É doutor em Matemática (PUC/RJ 1997), com pós-doutorado na Connecticut University (2002), Harvard University (2004), Pennsylvania State University (2006) e Universidade de Faro, Portugal (2008). Fez graduação em Matemática (UFMG 1986) e mestrado em Ciências da Computação (UFMG 1991). Bolsista do Programa Pesquisador Mineiro (Fapemig). Tem experiência na área de Estatística, com ênfase em Estatística Espacial (monitoramento ambiental, clusters espaciais irregulares, vigilância sindrômica e epidemiológica, modelos SEIR de coronavirus (COVID-19), workflow, fontes múltiplas de dados, visualização geográfica) e Estatística Computacional (algoritmos evolutivos, otimização multiobjetivo, autômatos finitos, finanças, estatística industrial, redes de comunicação, etc.).

Philip Martin Fearnside É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 700 publicações científicas e mais de 600 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br

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Fonte: https://amazoniareal.com.br/a-planejada-exploracao-de-terras-indigenas-aumenta-o-risco-de-novas-pandemias-2-riscos-epidemiologicos/

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