Por Lucas Ferrante, Reinaldo Imbrozio Barbosa, Luiz Duczmal e Philip Martin Fearnside

Permitir plantações de monoculturas por não índios em terras indígenas, conforme proposto por um projeto de lei apresentado ao Congresso Nacional do Brasil pelo Presidente Jair Bolsonaro, aumentaria ainda mais a desigualdade social dentro das comunidades e aumentaria sua vulnerabilidade [1, 2]. Comunidades tradicionais que permitiam que suas terras no leste da Amazônia fossem utilizadas para a produção de dendê para a indústria de alimentos não obtinham renda suficiente nem mesmo para atender às necessidades básicas de subsistência, exigindo a intervenção do Ministério Público Federal [3] (ver também: [4]).

As terras indígenas amazônicas são muito mais bem preservadas em comparação com outros tipos de áreas protegidas [5, 6] e têm um papel significativo na manutenção da estabilidade climática global e da biodiversidade [7-11]. Surtos epidemiológicos nessas áreas representam uma ameaça para os povos indígenas, tanto porque esses povos são negligenciados pelo governo quanto pela ausência de médicos e medicamentos básicos nas comunidades [12, 13].

Os surtos epidemiológicos têm o poder de dizimar culturas indígenas inteiras, visto que o conhecimento tradicional é passado oralmente pelos idosos mais vulneráveis a esses surtos [13]. No projeto de Millenium Bioenergy em Roraima, a construção de um hospital para os indígenas foi anunciada como forma de compensação [14]. Não se espera que essa promessa seja cumprida, pois a empresa nem mesmo honrou a obrigação de realizar os estudos ambientais legalmente exigidos para a instalação de uma indústria [15]. [16]


Exército faz exames em aldeias no Mato Grosso no combate à Covid-19 (Foto: Mayke Toscano/Secom-MT)

Notas

[1] Ferrante L, Fearnside PM (2019) O novo presidente do Brasil e “ruralistas” ameaçam o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima globalAmazônia Real, 30 de julho de 2019.

[2] Lima MG, Vale, JCE, Costa GM, Santos RC, Correia Filho WLF, Gois G, Oliveira-Junior J F, Teodoro PE, Rossi FS, Silva Junior CA (2020) The forests in the indigenous lands in Brazil in peril. Land Use Policy 90: 104258,

[3] Glass V (2013) Expansão do dendê na Amazônia brasileira: Elementos para uma análise dos impactos sobre a agricultura familiar no nordeste do Pará. Repórter Brasil, São Paulo, SP. 15 p.

[4] Butler RA (2021) Amazon palm oil has not lived up to its promise of sustainability (commentary)Mongabay, 20 de maio de 2021.

[5] Ferrante L, Andrade MBT, Fearnside PM (2021) Grilagem na rodovia BR-319Amazônia Real.

[6] Nogueira EM, Yanai AM, Vasconcelos SS, Graça PMLA, Fearnside PM (2018) Carbon stocks and losses to deforestation in protected areas in Brazilian AmazoniaRegional Environmental Change 18(1): 261-270.

[7] Fa JE, Watson JEM, Leiper I, Potapov P, Evans TD, Burgess ND, Molnes Z, FernessreiLlamazares Á, Duncan T, Wang S, Austin BJ, Jonas H, Robinson CJ, Malmer P, Zander KK, Jackson MV, Ellis E, Brondizio ES, Garnett ST (2020) Importance of Indigenous peoples’ lands for the conservation of intact forest landscapesFrontiers in Ecology and Environment 18(3): 135–140.

[8] Ferrante L, Fearnside PM (2020) Os planos de biocombustíveis do Brasil impulsionam o desmatamentoAmazônia Real 13 de janeiro de 2020.

[9] Nepstad D, Schwartzman S, Bamberger B, Santilli M, Ray D, Schlesinger P, Lefebvre P, Alencar A, Prinz E, Fiske G, Rolla A (2006) Inhibition of Amazon deforestation and fire by parks and indigenous landsConservation Biology 20(1): 65–73.

[10] Nogueira EM, Yanai AM, Vasconcelos SS, Graça PMLA, Fearnside PM (2018). Brazil’s Amazonian protected areas as a bulwark against regional climate change. Regional Environmental Change 18(2): 573-579.

[11] Walker WS, Gorelik SR, Baccini A, Aragon-Osejo JL, Josse C, Meyer C, Macedo MN, Augusto C, Rios S, Katanh T, de Souza AA, Cuellar S, Llanos A, Zager I, Mirabal GD, Solvik KK, Farina MK, Moutinho P, Schwartzman S (2020) The role of forest conversion, degradation, and disturbance in the carbon dynamics of Amazon Indigenous territories and protected areasProceedings of the National Academy of Science USA 117(6): 3015–3025.

[12] Ferrante L, Fearnside PM (2020) Proteger os povos indígenas do COVID-19Amazônia Real, 17 de abril de 2020.

[13] Ferrante L, Steinmetz WA, Almeida ACL, Leão J, Vassão RC, Tupinambás U, Fearnside PM, Duczmal LH (2020) As políticas do Brasil condenam a Amazônia a uma segunda onda de Covid-19Amazônia Real, 11 de agosto de 2020.

[14] BrasilAgro (2019) Millenium Bioenergy vai produzir etanol a partir do milho no Amazonas.https://bityl.co/5J9l

[15] MPC-AM (Ministério Público de Contas do Estado do Amazonas) (2020) Representação N. 12/2020-MPC-7.ª Procuradoria.

[16] O trabalho em inglês do qual este texto foi traduzido está disponível para livre acesso em Ferrante, L., R.I. Barbosa, L. Duczmal & P.M. Fearnside. 2021. Brazil’s planned exploitation of Amazonian indigenous lands for commercial agriculture increases risk of new pandemicsRegional Environmental Change 21, Art. 81.


Leia os outros artigos da série:

A exploração de terras indígenas aumenta o risco de novas pandemias:1 – O Projeto Millenium

A planejada exploração de terras indígenas aumenta o risco de novas pandemias: 2 – Riscos epidemiológicos


Os autores

Lucas Ferrante é Biólogo formado pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), Mestre em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), e doutorando em Biologia (Ecologia) no INPA. Foi primeiro autor de notas em Science e Nature Medicine sobre o impacto de COVID-19 na Amazônia, inclusive em povos indígenas, e coordenou o grupo formado a pedido do Ministério Público-AM sobre o COVID-19 em Manaus. (lucasferrante@hotmail.com).

Reinaldo Imbrozio Barbosa é Engenheiro Florestal pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Doutor em Biologia Tropical (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Possui especial interesse em estudos relacionados às mudanças climáticas, uso e ocupação da terra, dinâmica de ecossistemas e emissões de gases do efeito estufa decorrentes das atividades antrópicas na Amazônia. É Pesquisador Titular do INPA, Professor do Programa de Pós-graduação em Recursos Naturais da UFRR (Doutorado/Mestrado) e Professor colaborador nos cursos de Pós-graduação em Ecologia e Ciências Florestais do INPA (Doutorado/Mestrado). Bolsista Produtividade do CNPq entre 2009-2019. Suas publicações e métricas podem ser encontradas aqui.

Luiz Henrique Duczmal é Professor Titular do Departamento de Estatística da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É doutor em Matemática (PUC/RJ 1997), com pós-doutorado na Connecticut University (2002), Harvard University (2004), Pennsylvania State University (2006) e Universidade de Faro, Portugal (2008). Fez graduação em Matemática (UFMG 1986) e mestrado em Ciências da Computação (UFMG 1991). Bolsista do Programa Pesquisador Mineiro (Fapemig). Tem experiência na área de Estatística, com ênfase em Estatística Espacial (monitoramento ambiental, clusters espaciais irregulares, vigilância sindrômica e epidemiológica, modelos SEIR de coronavirus (COVID-19), workflow, fontes múltiplas de dados, visualização geográfica) e Estatística Computacional (algoritmos evolutivos, otimização multiobjetivo, autômatos finitos, finanças, estatística industrial, redes de comunicação, etc.).

Philip Martin Fearnside É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 700 publicações científicas e mais de 600 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br

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A agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real é uma organização sem fins lucrativos, criada por jornalistas mulheres em 20 de outubro de 2013, em Manaus, no Amazonas, Norte do Brasil. Sua missão é fazer jornalismo ético e investigativo, pautado nas questões da Amazônia e de seu povo. A linha editorial é voltada à defesa da democratização da informação, da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e dos direitos humanos. (redacao@amazoniareal.com.br)

Fonte: https://amazoniareal.com.br/a-planejada-exploracao-de-terras-indigenas-aumenta-o-risco-de-novas-pandemias-3-impacto-da-abertura-das-terras-indigenas/

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