Por Lucas Ferrante, Reinaldo Imbrozio Barbosa, Luiz Duczmal e Philip Martin Fearnside

A expansão das monoculturas e outros tipos de aproveitamento agrícola impactaria a vegetação natural da área [1, 2], como as campinas e campinaranas (vegetação aberta em solos de areia branca) e o lavrado (savanas de Roraima), ameaçando espécies endêmicas a essas áreas (Figura 1) [1, 3, 4]. Os pesticidas aplicados às lavouras têm efeitos mutagênicos e letais na fauna da região [5]. A Millenium Bioenergia prevê instalações em três municípios: Rio Preto da Eva e Itacoatiara (que possuem as maiores áreas de campinas e campinaranas do estado do Amazonas) e Bonfim (que é cercada por lavrado no estado de Roraima)[3, 4, 6]. Uma proposta de alteração do zoneamento ecológico-econômico do Brasil permitiria o plantio de cana-de-açúcar, uma mudança legislativa que foi adiada no Congresso Nacional, mas pode ser promulgada no futuro [1].

Nenhum controle desse tipo de atividade na região amazônica possa ser esperado no ambiente político atual, onde o agronegócio brasileiro e seus representantes políticos têm instigado violações de direitos humanos e promovido desmatamento e uso de agrotóxicos que são proibidos na maioria dos países [2]. O governo desmantelou seus órgãos de controle sanitário e ambiental e evitou ações destinadas a conter o desmatamento [7-10] e evitou reprimir crimes ambientais cometidos por invasores em áreas indígenas [11, 12].

Esses riscos devem aumentar ainda mais porque projetos de lei foram recentemente apresentados ao Congresso Nacional pelo Presidente da República que enfraqueceriam ainda mais as proteções ao meio ambiente e às terras indígenas e provavelmente intensificariam os conflitos rurais (incluindo ataques aos povos indígenas), relaxando o controle de armas [13]. Diante desse cenário, não há garantias de que os produtos alimentícios comerciais de novas iniciativas de negócios em comunidades tradicionais não estejam vinculados ao desmatamento, ao surgimento de novas doenças, à disseminação de doenças de não indígenas para indígenas [14], e à violação dos direitos humanos (como o trabalho “escravo”), ou que os alimentos exportados atendam às normas sanitárias internacionais. [15]


A imagem que abre este artigo mostra plantação de cana de açúcar (Foto: Wenderson Araujo/CNA).


Notas

[1] Ferrante L, Fearnside PM (2018) Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2018. Cana-de-Açúcar da Amazônia: Uma Ameaça à Floresta. Amazônia Real, 26 de março de 2018. http://amazoniareal.com.br/cana-de-acucar-da-amazonia-uma-ameaca-floresta/

[2] Ferrante L, Fearnside PM (2020) Os planos de biocombustíveis do Brasil impulsionam o desmatamento. Amazônia Real 13 de janeiro de 2020.

[3] Barbosa RI, Campos C, Pinto F, Fearnside PM (2007) The “lavrados” of Roraima: Biodiversity and conservation of Brazil’s Amazonian savannas. Functional Ecosystems & Communities 1: 30-42.

[4] Oliveira AA Daly D C, Vicentini A, Cohn-Haft M (2001) Florestas sobre Areia: Campinaranas e Igapós. In: Oliveira AA, Daly DC (Eds.). As florestas do Rio Negro. 1ed. São Paulo SP: Companhia das Letras, p. 179-219.

[5] Ferrante L, Fearnside PM (2020) Evidence of mutagenic and lethal effects of herbicides on Amazonian frogsActa Amazônica 50: 363-366.

[6] Barbosa RI, Campos C, Pinto F, Fearnside PM (2007) The “lavrados” of Roraima: Biodiversity and conservation of Brazil’s Amazonian savannasFunctional Ecosystems & Communities 1: 30-42.

[7] Ferrante L, Fearnside PM (2019) O novo presidente do Brasil e “ruralistas” ameaçam o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima globalAmazônia Real, 30 de julho de 2019.

[8] Ferrante L, Fearnside PM (2020) Forças militares e Covid-19 como cortinas de fumaça para a destruição da Amazônia e violação dos direitos indígenas. Amazônia Real, 16 de dezembro de 2020.

[9] Gonzales J (2020) Brazil dismantles environmental laws via huge surge in executive acts: StudyMongabay, 05 de Agosto de 2020.

[10] Silva Junior CHL, Pessôa ACM, Carvalho NS, Reis JBC, Anderson LO, Aragão LEOC (2020) The Brazilian Amazon deforestation rate in 2020 is the greatest of the decadeNature Ecology and Evolution 5:144–145.

[11] Ferrante L, Fearnside PM (2020) O Brasil ameaça terras indígenasAmazônia Real, 06 de maio de 2020.

[12] HRW (Human Rights Watch) (2019) Rainforest Mafias: How Violence and Impunity Fuel Deforestation in Brazil’s Amazon. HRW, New York, EUA. 163 p.

[13] Ferrante L, Fearnside PM (2021) Reviravolta no Congresso Nacional ameaça AmazôniaAmazônia Real, 09 de março de 2021.

[14] Walker RS, Sattenspiel L, Hill KR (2015) Mortality from contact-related epidemics among indigenous populations in Greater AmazoniaScientific Reports 5: art. 14032.

[15] O trabalho em inglês do qual este texto foi traduzido está disponível para livre acesso em Ferrante, L., R.I. Barbosa, L. Duczmal & P.M. Fearnside. 2021. Brazil’s planned exploitation of Amazonian indigenous lands for commercial agriculture increases risk of new pandemics. Regional Environmental Change 21, Art. 81.


Leia os outros artigos da série:

A exploração de terras indígenas aumenta o risco de novas pandemias:1 – O Projeto Millenium

A planejada exploração de terras indígenas aumenta o risco de novas pandemias: 2 – Riscos epidemiológicos

A planejada exploração de terras indígenas aumenta o risco de novas pandemias: 3 – Impacto da abertura das terras indígenas


Os autores

Lucas Ferrante é Biólogo formado pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), Mestre em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), e doutorando em Biologia (Ecologia) no INPA. Foi primeiro autor de notas em Science e Nature Medicine sobre o impacto de COVID-19 na Amazônia, inclusive em povos indígenas, e coordenou o grupo formado a pedido do Ministério Público-AM sobre o COVID-19 em Manaus. (lucasferrante@hotmail.com).

Reinaldo Imbrozio Barbosa é Engenheiro Florestal pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Doutor em Biologia Tropical (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Possui especial interesse em estudos relacionados às mudanças climáticas, uso e ocupação da terra, dinâmica de ecossistemas e emissões de gases do efeito estufa decorrentes das atividades antrópicas na Amazônia. É Pesquisador Titular do INPA, Professor do Programa de Pós-graduação em Recursos Naturais da UFRR (Doutorado/Mestrado) e Professor colaborador nos cursos de Pós-graduação em Ecologia e Ciências Florestais do INPA (Doutorado/Mestrado). Bolsista Produtividade do CNPq entre 2009-2019. Suas publicações e métricas podem ser encontradas aqui.

Luiz Henrique Duczmal é Professor Titular do Departamento de Estatística da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É doutor em Matemática (PUC/RJ 1997), com pós-doutorado na Connecticut University (2002), Harvard University (2004), Pennsylvania State University (2006) e Universidade de Faro, Portugal (2008). Fez graduação em Matemática (UFMG 1986) e mestrado em Ciências da Computação (UFMG 1991). Bolsista do Programa Pesquisador Mineiro (Fapemig). Tem experiência na área de Estatística, com ênfase em Estatística Espacial (monitoramento ambiental, clusters espaciais irregulares, vigilância sindrômica e epidemiológica, modelos SEIR de coronavirus (COVID-19), workflow, fontes múltiplas de dados, visualização geográfica) e Estatística Computacional (algoritmos evolutivos, otimização multiobjetivo, autômatos finitos, finanças, estatística industrial, redes de comunicação, etc.).

Philip Martin Fearnside É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 700 publicações científicas e mais de 600 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br

Fonte: https://amazoniareal.com.br/a-planejada-exploracao-de-terras-indigenas-aumenta-o-risco-de-novas-pandemias-4-impactos-ambientais/

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