Manaus (AM) – Amigos, alunos e familiares se despediram, nesta sexta-feira (29), do socioambientalista, músico, luthier e professor amapaense José Rubens Ferreira Gomes, ressaltando o legado que ele deixa em defesa da floresta e dos povos da região amazônica. Rubão, como era mais conhecido, morreu na noite de quinta (28) de insuficiência cardiorrespiratória no Hospital da Unimed, em Manaus. Desde 2018, ele se recuperava de uma cirurgia de transplante pulmonar. O sepultamento do fundador e diretor executivo da Oficina Escola de Lutheria da Amazônia (OELA) aconteceu por volta das 15h30 no cemitério Parque Recanto da Paz, em Iranduba, na região metropolitana da capital amazonense.

Em razão da pandemia da Covid-19, que impõe o distanciamento físico entre as pessoas para evitar o contágio pelo novo coronavírus, os presentes à cerimônia usaram máscaras. Mais cedo, sua esposa, Jéssica Gomes, disponibilizou nas redes sociais imagens ao vivo do cortejo fúnebre, que saiu da sede da OELA, no bairro do Zumbi, na zona leste de Manaus, até o município vizinho, onde foi realizado o enterro do professor. “Rubão, Presente! A distância não irá impedir de nos despedirmos de você!”, disse o comunicado da família na rede social Facebook. O casal não tinha filhos.

Rubens Gomes nasceu na Serra do Navio, no Amapá. Filho de um seringueiro, sua infância foi marcada pelas brincadeiras na floresta até se mudar, ainda na adolescência, para a capital Macapá e, posteriormente, para Belém (PA). Estudou música na Universidade Federal do Pará (UFPA) e na Universidade de Brasília (UnB). Trabalhou como professor no Acre e no Amazonas. Ao longo dos seus 60 anos de vida, Rubão se dedicou a temas socioambientais e ao empoderamento de comunidades tradicionais da Amazônia, sendo reconhecido como um dos defensores históricos da Floresta Amazônica.

Em 1997, como professor do Centro de Artes da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), o luthier Rubens Gomes, incomodado com a violência entre jovens e adolescentes da zona Leste de Manaus, se mudou para o bairro do Zumbi dos Palmares 2. Ele queria transformar a vida dos jovens fomentando a educação e a ecologia. No ano seguinte, Rubão criou a OELA para atender estudantes de famílias de baixa renda da comunidade.

A escola tornou-se uma referência na produção de instrumentos musicais de corda, arte e informática e foi a primeira do mundo a obter a certificação do Forest Stewardship Council (FSC) de responsabilidade social e ambiental. Desde 1997, atendeu cerca de 15 mil pessoas com programas educacionais, de geração de renda e promoção da cidadania.

O socioambientalista foi presidente do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Líder Avina e Fellow Ashoka, e presidente da Rede Sustentabilidade no Amazonas, partido fundado pela ex-senadora e ambientalista Marina Silva.

Rubão ensinou os alunos a arte da lutheria na produção de violões da OELA, em Manaus (Foto: Alberto César Araújo)

Muito emocionada, a engenheira agrônoma e socioambientalista histórica na Amazônia, Muriel Saragoussi conta que conheceu Rubens Gomes no Acre, no final da década de 1980. Depois eles se reencontraram em Manaus e seguiram uma parceria firme de ativismo socioambiental. “Eu fui madrinha da primeira turma que se formou na OELA”, recorda. “Militamos juntos em causas ambientais, construímos juntos do GTA, primeiro aqui, depois nacionalmente. Cheguei a trabalhar como secretária-geral do GTA”, diz.

“O Rubens tocava as pessoas e conseguia motivá-las a assumirem as questões socioambientais. Ele foi um lutador pelo manejo florestal comunitário, pela ideia de que é possível tirar as pessoas da situação de pobreza em harmonia com a natureza pensando de maneira racional e sustentável”, disse Muriel Saragoussi, que é uma das coordenadoras do Elo Mulheres da Rede Sustentabilidade, partido que ajudou a fundar com Rubens Gomes e Marina Silva.

Amigo e também ambientalista, Carlos Durigan, diretor da organização internacional Wildlife Conservation Society (WCS), destacou que Rubens Gomes “atuou em redes, conselhos, movimentos em defesa da Amazônia e sua gente”. “Ele deixa um legado incalculável de gente formada e iniciativas que seguirão firmes, pela robustez e carinho com que foram gestadas”, disse.

Durigan contou que conheceu Rubão em 1999 quando trabalharam juntos na Rede Grupo de Trabalho Amazônia (Rede GTA), organização formada por 20 coletivos regionais em nove estados brasileiros com o envolvimento de mais de 600 entidades representativas de agricultores, seringueiros, indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, pescadores, ribeirinhos e entidades ambientalistas, de assessoria técnica, de comunicação comunitária e de direitos humanos.

“Atuamos juntos na Rede GTA e em vários processos voltados a políticas públicas socioambientais na Amazônia. Há alguns anos ele me convidou a fazer parte do Conselho da OELA, do qual faço parte até hoje”, lembra o amigo.

“Rubão sempre foi e sempre será muito querido por muita gente. Seu trabalho extrapolou a Amazônia e ganhou o mundo e, certamente, seguirá em frente, tocado por muita gente que manterá seu espírito sempre vivo e presente. Deixa um legado incalculável de gente formada e iniciativas que seguirão firmes, pela robustez e carinho com que foram gestadas”, afirma Carlos Durigan.

Em sua rede social, a ex-ministra do Meio Ambiente e presidente do partido Rede Sustentabilidade, Marina Silva, lamentou a morte de Rubens Gomes. “Não apenas a Rede Sustentabilidade, mas todas as redes, coletivos, comunidades e pessoas que amam e defendem a Amazônia lamentam a perda de Rubão”, disse em trecho de uma postagem, que lembrou quando da militância do ativista. “Conheci o Rubão ainda jovem, no final dos anos 1980, quando ele morou no Acre e trabalhou como músico e professor de música. Mais tarde nos encontramos nas lutas em defesa da floresta, no Amapá e no Amazonas, onde sua militância deixou frutos importantes, e nos movimentos que levaram à criação da Rede Sustentabilidade”, diz Marina Silva.

Estudante em atividade da OELA (Foto de divulgação)

A ex-secretária municipal de meio ambiente (2005 – 2008) de Manaus, Luciana Montenegro Valente, destacou a generosidade que Rubens Gomes tinha com as pessoas. “Tantas e tantas crianças e jovens da Zona Leste de Manaus, especialmente do Zumbi, tinham nele mais que um amigo, um professor, um protetor, um pai mesmo. Tantas lideranças comunitárias foram formadas por sua atuação. Tantas lutas socioambientais foram vencidas com sua perseverança serena e firme. O Rubão exalava confiança, calma e certeza. Uma lição de vida ambulante”, disse.

Luciana Valente recordou o bom humor do amigo e das visitas da ex-ministra Marina Silva, quando ela “andava para cima e para baixo” no carro modesto que o ambientalista tinha.

“Ele tinha um [carro] Fiat Uno velhinho, e a Marina quando vinha a Manaus, mesmo nas campanhas presidenciais, andava para cima e para baixo naquele ‘carro velho, sem ar condicionado e com as janelas abertas’, a segurança ficava nervosa”, lembra.

“Mas era o jeito dele. O Rubão não ligava para coisas materiais, mas ele tinha uma riqueza muito maior. Ele amava muito as pessoas, a natureza, de verdade”, acrescenta ela.

Rubens Gomes com comunitários no Amapá (Foto: GTA)

O músico, professor e profissional de lutheria, Wal Kilmer Souza da Silva, está há um ano na OELA. Ele ingressou na escola porque queria aprender a consertar instrumentos musicais. A vontade surgiu depois que o jovem ingressou no curso de música da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Wal não apenas aprendeu o que queria, como também ingressou no mercado de trabalho.

“Quando conheci o Rubens foi muito legal, pois só conhecia de ouvir falar. Ele facilitou as coisas para mim na OELA. Me ajudou com trabalho e, como pessoa, era incrível. Ele foi o caule da árvore genealógica dos luthiers. Através do ato louco de ensinar a arte da lutheria na sua casa e de forma gratuita, ele revolucionou a história da lutheria do Brasil e no mundo. Essa semente só gerou e ainda está gerando colheita. Ele foi aquela pessoa que a história passou por ela. Esse legado continua através da OELA e de cada um de nós”, diz o músico.

Entre as ações de apoio às populações quilombolas, Rubens coordenou a construção do Protocolos Comunitários no Arquipélago do Bailique e Beira do Amazonas, ambos no estado do Amapá.

A jornalista Bianca Andrade, que mora no Amapá, diz que conheceu Rubens Gomes em meados de 2015, quando através da Rede GTA, a Oficina Escola de Lutheria da Amazônia (Oela), promoveu um curso de formação na Comunidade do Bailique – um trabalho do Protocolo Comunitário de iniciativa da Associação das Comunidades Tradicionais do Bailique (ACTB). Ela foi indicada por um amigo em comum e ficou dez dias no local produzindo material fotográfico da ação.

“Por todo o teor, imediatamente aceitei, sendo uma experiência encantadora. A partir daí nos tornamos amigos. Rubão foi visionário, queria que a comunidade saísse da dependência e se tornasse protagonista, e assim seguiu. Não aceitava a invisibilidade agregada ali. Conseguiu mostrar que eles poderiam ir além, algo impossível de não acreditar para a melhoria daquela população tão sofrida e esquecida”, contou a jornalista.

“Rubão deixa exemplos de sonhos, representatividade, lutas e conquistas, além de sua alegria por viver, força, coragem e um rico legado de amor ao próximo, em especial, pelas populações tradicionais”, relata Bianca. “Uma honra ter tido sua amizade nesta jornada”.

A jornalista lembrou que Rubão articulou um barco-escola e uma lancha para a realização do curso. “Ele sempre se preocupou com todos os detalhes, que iam da alimentação até os materiais de segurança, pois acima de tudo, ele cuidava das pessoas. E posteriormente, foi feita a doação dos bens à Associação, o que colaborou para o deslocamento das comunidades e o escoamento da produção de açaí para outras localidades”.

A editora executiva da agência Amazônia Real, jornalista Kátia Brasil, também homenageou o amigo e fundador da OELA, Rubens Gomes. Ela disse que o socioambientalista sempre se preocupou com o bem-estar das populações tradicionais, propondo ações na educação e saúde. E, segundo ela, tinha um ativismo de combate ao desmatamento da floresta e queimadas, tanto que ficou doente no Amapá num período de grandes incêndios, que passou a denunciar. Também era crítico e incomodado com ausência de políticas públicas, além de combater as desigualdades sociais na Amazônia.

“Por defender as populações tradicionais num momento em que o Amazonas proibia o uso dos recursos naturais sem dar alternativas às famílias, como o direito ao manejo sustentável que, na ocasião ainda estava só no papel, Rubão se levantou com uma voz solitária contra os pseudoambientalistas, pessoas dissimuladas, que vêm na floresta a oportunidade do lucro. Por levantar a voz, Rubão foi atacado diversas vezes, mas não temeu. Comparo sua luta à de Chico Mendes e Dorothy Stang, que viveram lutando por uma vida mais digna aos povos da floresta, mas não eram também reconhecidos na região em que viviam. Espero que a luta de Rubão não cesse por aqui, que a nova geração de alunos da OELA e ambientalistas continuem essa história por justiça social na Amazônia”, disse Kátia Brasil.

Homenagens nas redes sociais

Rubens Gomes ouvindo moradora da RDS do Rio Negro, em 2011
(Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Ao longo do dia, o Rubens Gomes recebeu homenagens de diversas pessoas e instituições. Nara Baré, coordenadora da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia), postou uma foto de Rubens Gomes segurando um violão, seu ofício e paixão, acompanhada de um texto na rede social Instagram. “Hoje cedo faleceu Rubens Gomes do OELA, GTA, açaí do Bailique e tantos outros projetos e iniciativas de valorização e fortalecimento dos povos e comunidades indígenas, tradicionais e carentes da Amazônia. Guerreiro de muitas batalhas! Um parceiro de toda hora, incansável e persistente, mas otimista e bem humorado, sempre nos inspirando e motivando com sua alegria, criatividade e música. Vai deixar muitas saudades e inspiração para nós da Coiab e povos indígenas da Amazônia brasileira!!!! Nossos pêsames para a família. Vida longa ao eterno legado do nosso saudoso Rubão!!!!”.

O assessor técnico da Fundação Avina, que incentiva e promove ações de permacultura na Amazônia, Carlos Miller, também homenageou Rubens na sua página pessoal no Facebook. “Imagino que em alguns momentos o Poder Divino envia para a Terra seres que têm toda a força do Universo dentro de si, para que possam ajudar na evolução da Mãe Terra e dos seres humanos que habitam nesse mesmo tempo e espaço. Esses seres têm uma missão especial de atuar sobre as forças, superar resistências, mover montanhas e, também, e adubar o solo com o carinho sublime de uma mãe. Às vezes, temos o privilégio de encontrar esses seres na nossa caminhada. Muito me honra ter conhecido o Rubens Gomes, Rubão, esse ser especial com aura de guerreiro que transbordava pelas beiras do seu ser. Fazia parte dessa sua missão liderar, mover, se dispor e indispor com seu temperamento leonino, e celebrar conquistas com milhares de amigos que cativou ao longo da sua caminhada”, escreveu Miller.

ONG´s destacam o líder

Estudantes em atividade de informática na OELA (Foto de divulgação)

Diversas organizações não-governamentais e personalidades públicas fizeram homenagens a Rubens Gomes. A World Wide Fund for Nature (WWF) foi uma delas. “Sua morte significa  uma perda muito grande para o movimento socioambiental brasileiro, do qual ele foi um líder nato e em que ajudou a formar gerações de ativistas. Para aqueles que com ele conviviam, foi-se uma pessoa de imensa ternura e extremamente solidária. Um exemplo de vida.”

Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imflora), que trabalha com promoção da conservação e do uso sustentável dos recursos naturais, colocou uma nota em seu site. “Nesse momento de tanta dor e consternação, o Imaflora gostaria de lembrar alguns fatos, conquistas e contribuições desse grande líder que marcaram não só a nossa história, mas também o manejo comunitário, a certificação florestal, os povos da floresta e a Amazônia. Antes mesmo da criação da OELA em 1997, tivemos a oportunidade de conhecer o Rubens em nossas andanças pela Amazônia. Seja em encontros de manejo comunitário, realizados no Acre, ou em reuniões do FSC® – Forest Stewardship Council® onde se discutia a adaptação da certificação para comunidades tradicionais, Rubão sempre nos presenteava com sua perspectiva prática e realista dos povos da floresta”. Leia nota completa aqui.

“É com tristeza imensa que nos despedimos de Rubão. Seus feitos à frente da OELA tiveram reconhecimento internacional porque representam todo seu esforço e trabalho pelo social e também na luta pela preservação do meio ambiente. Cada prêmio conquistado por sua atuação nos dizem que precisamos nos manter firmes e atuantes nestas agendas, em respeito ao seu legado e para contribuirmos na construção de uma sociedade mais justa e sustentável”, disse o diretor-presidente do Instituto Ethos, Caio Magri, em trecho da nota.

Greenpeace destacou o importante trabalho social desenvolvido por Rubão. “Ao longo de 20 anos, a Oficina Escola de Lutheria da Amazônia criada por ele para estudantes de baixa renda, formou aproximadamente 2.300 alunos no ofício de luthier, a confecção de instrumentos musicais de corda e recebeu vários prêmios internacionais pelo reconhecimento do trabalho social e ambiental. A Oficina Escola também passou a se dedicar às causas ambientais utilizando madeiras amazônicas certificadas com o selo FSC (Forest Stewardship Council) de cadeia de custódia em suas violas e violinos”, diz trecho da nota divulgada no site da organização.

A Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Amazonas também manifestou pesar ao professor Rubens Gomes.”Ao longo de mais de 20 anos na Oela, além de formar, aproximadamente, 2.300 alunos, no ofício de luthier, passou a se dedicar as causas ambientais, transformando-se na primeira lutheria do mundo a trabalhar com madeiras amazônicas, certificadas com o selo FSC (Forest Stewardship Council) de cadeia de custódia, que acompanha todo o processo de beneficiamento da madeira”.

Rubens Gomes, o Rubão (Foto: OELA)

 

Fonte: https://amazoniareal.com.br/amigos-destacam-o-legado-de-luta-de-rubens-gomes-pelos-povos-da-amazonia/

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