Os planos de barragens na Amazônia do Brasil foram desacelerados na última década devido à percepção pelas autoridades elétricas do país de que a obtenção de licenças ambientais seria difícil quando os povos indígenas são impactados, apesar do sucesso do governo em forçar a aprovação de barragens como Belo Monte [1, 2 ], Teles Pires [3, 4] e São Manoel [5] que claramente violam os direitos desses povos conforme garantido pela Constituição do Brasil ([6], Art. 321), Leis (Decreto nº 10.088/2019 [7]; antes Lei nº 5.051 de 19 de abril de 2004 [8]) e compromissos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho [9]. Três grandes barragens que estavam paralisadas estão no estado do Pará, no rio Jamanxim, um afluente do rio Tapajós, que é um dos principais afluentes do rio Amazonas.
Um sinal claro de que essa hesitação mudou surgiu só agora, com a holding paraestatal elétrica do Brasil (ELETROBRÁS: Centrais Elétricas do Brasil) e sua subsidiária ELETRONORTE (Centrais Elétricas do Norte do Brasil, SA) solicitando (e em 24 de janeiro de 2022 obtendo) a prorrogação do prazo da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) para permitir a elaboração de estudos de viabilidade econômica para essas barragens [10, 11].
Isso mostra que o governo federal brasileiro continua se recusando a reconhecer os enormes custos ambientais e humanos das barragens na Amazônia e o fato de que o Brasil tem opções de energia muito melhores do que as barragens, não apenas em termos de impactos, mas também em termos financeiros (ver [12-15]). Mostra também que as autoridades governamentais contam com a aprovação do projeto de lei 191/2021 do presidente Jair Bolsonaro [16], que avança rapidamente no Congresso Nacional, para abrir terras indígenas para hidrelétricas, bem como para operações de mineração, extração de madeira e agronegócio por empreendedores não indígenas. O presidente Bolsonaro chegou a usar a guerra na Ucrânia como justificativa para abrir terras indígenas para mineração através da aprovação do projeto de lei 191/2021, que também as abriria para barragens [17].
As três barragens recém anunciadas (Cachoeira do Caí, Jamanxim e Cachoeira dos Patos: Tabela 1) foram objeto de estudos preliminares durante o inventário de 2008 da bacia do rio Tapajós [18]. A Barragem de Cachoeira do Caí inundaria parte da área indígena Sawré Muybu, que também seria parcialmente inundada pela planejada Barragem de São Luiz do Tapajós, no rio Tapajós (Figura 1). Todos os três reservatórios inundariam o Parque Nacional do Jamanxim, e duas das próprias barragens estariam localizadas dentro do parque (Figura 2).
A imagem que abre este artigo mostra o rio Jamanxim cortando a floresta dentre de unidade de conservação (Foto: Felipe Werneck/Ibama/2017)
Notas
[1] Fearnside, P.M. 2017. Belo Monte – Atores e argumentos. Amazônia Real.
[2] Fearnside, P.M. 2018. Belo Monte – Lições da Luta. Amazônia Real.
[3] Alarcon, D.F., B. Millikan & M. Torres (eds.). 2016. Ocekadi: hidrelétricas, conflitos socioambientais e resistência na Bacia do Tapajós. International Rivers Brasil, Brasília, DF & UFOPA, Santarém, PA. 534 p.
[4] Branford, S. & M. Torres. 2017. The end of a people: Amazon dam destroys sacred Munduruku ‘Heaven’. Mongabay, 05 de janeiro de 2017.
[5] Fearnside, P.M. 2017. São Manoel: Barragem amazônica derrota Ibama. Amazônia Real, 25 de setembro de 2017.
[6] Brasil. 1988. Constituição Federal.
[7] Brasil, PR (Presidência da República). 2019. Decreto Nº 10.088, de 5 de novembro de 2019.
[8] Brasil, PR (Presidência da República)2004: Decreto No 5.051, de 19 de abril de 2004.
[9] ILO (International Labour Organization). 1989. C169 – Indigenous and Tribal Peoples Convention (No. 169). ILO, Genebra, Suiça.
[10] Borges, A. 2022. Aneel libera estudos para instalar três megausinas na Amazônia. Estadão Conteúdo 27 de janeiro de 2022.
[11] Mathyas, A., S. Guimarães & B. Millikan. 20221. Sinais trocados: A quem interessa novas grandes hidrelétricas na Amazônia? Um Só Planeta. 02 de março de 2022.
[12] Ansar, A., B. Flyvbjerg, A. Budzier & D. Lunn. 2014. Should we build more large dams? The actual costs of hydropower megaproject development. Energy Policy 69: 43–56.
[13] Fearnside, P.M. 2020. Os preocupantes planos do Brasil para hidrelétricas na Amazônia (opinião). Mongabay, 10 de novembro de 2020.
[14] Prado, A.P., S. Athayde, J. Mossa, S. Bohlman, F. Leite & A. Oliver-Smith 2016: How much is enough? An integrated examination of energy security, economic growth and climate change related to hydropower expansion in Brazil. Renewable and Sustainable Energy Reviews 53: 1132-1136.
[15] Almeida, R.M., A.S. Fleischmann, J.P.F. Brêda, D.S. Cardoso, H. Angarita, W. Collischonn, B. Forsberg, R. García-Villacorta, S.K. Hamilton, P.M. Hannam, R. Paiva, N.L. Poff, S.A. Sethi, Q. Shi, C.P. Gomes & A.S. Flecker. 2021. Climate change may impair electricity generation and economic viability of future Amazon hydropower. Global Environmental Change 71: art. 102383.
[16] Congresso Nacional 2020. PL 191/2020. Câmara dos Deputados, Brasília, DF.
[17] Coletta, R.D. 2022. Bolsonaro usa possível falta de fertilizantes da Rússia para defender mineração em terras indígenas. Folha de S. Paulo, 02 de março de 2022.
[18] Millikan, B. 2016. Estudos de inventário :Características de uma fase inicial e decisiva do planejamento de hidrelétricas na bacia do Tapajós. p. 111-142. In: D.F. Alarcon, B. Millikan & M. Torres (eds.) Ocekadi: hidrelétricas, conflitos socioambientais e resistência na Bacia do Tapajós. International Rivers Brasil, Brasília, DF & Programa de Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, Pará. 534 p.
[19] Fearnside, P.M. 2015. Barragens do Tapajós. Amazônia Real.
[20] Fearnside, P.M. 2016. A Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós. Amazônia Real.
Artigos de Opinião ou colunas Sobre a matéria
É doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que podem ser acessados aqui. https://philip.inpa.gov.br
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