Por Alicia Lobato

Antes referência mundial nas questões socioambientais, o País comandado por Bolsonaro chama a atenção pelo avanço da destruição na Amazônia, alertam especialistas (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)


Manaus (AM) – De referência a preocupação global. É assim que o mundo enxergará o Brasil na próxima Conferência de Clima da ONU, a COP26, que ocorrerá em Glasgow, na Escócia. Além das queimadas, a Amazônia tem sofrido com o desmatamento, a mineração, a grilagem e o avanço da fronteira agrícola sobre áreas florestais. Soluções como a mitigação e a adaptação, investindo em conhecimentos indígenas ou de comunidades rurais, ainda que não sejam unanimidade, já são conhecidas. Mas o Brasil tem se destacado por ir na contramão desse processo. O governo de Jair Bolsonaro não esconde o descaso com os órgãos ambientais, minando a fiscalização e o combate da ilegalidade, e demonstra desprezo para com os povos originários.

Bolsonaro fugiu de um encontro com lideranças mundiais, cientistas e ativistas, optando por não ir à COP26 – ele participará do encontro do G-20, na Itália, mas diferente de outros presidentes não seguirá para o Reino Unido. O próprio vice-presidente Hamilton Mourão revelou o que aconteceria com o ex-capitão do Exército em Glasgow: “Sabe que o presidente Bolsonaro sofre uma série de críticas. Então, ele vai chegar em um lugar em que todo mundo vai jogar pedra nele. Está uma equipe robusta lá com capacidade para, vamos dizer, levar adiante a estratégia de negociação”.

“Diante do cenário que vivemos, de aumento do desmatamento, da degradação e das ameaças aos povos amazônidas, entendo que estas questões devem ser levantadas [na COP26]. A conservação das áreas naturais florestadas, como é o caso da Amazônia, é um dos temas centrais na discussão e na construção das linhas de ação de enfrentamento das mudanças no clima global”, afirmou Carlos Durigan, geógrafo, mestre em ecologia e colunista da Amazônia Real.

A COP26, marcada para ocorrer de 31 de outubro a 12 de novembro, é vista como decisiva. A pandemia da Covid-19, e sua desastrosa condução em todo o planeta, fez os cientistas questionarem como os países estão se preparando para a iminente crise climática. O relatório divulgado em agosto pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC confirma que os eventos climáticos cada vez mais intensos já não são mais naturais e ocorrem por interferência humana. Segundo os cientistas, estamos diante de um cenário irreversível. 

Organizações presentes na COP26 vão mostrar que, além da Amazônia, os biomas brasileiros têm sido drasticamente afetados por queimadas e desmatamentos, e esses assuntos precisam ser pautados nas discussões da conferência global, que envolvem representantes de países, organizações e ativistas. Para essas entidades, o Brasil de Bolsonaro não tem dado importância para as questões ambientais. 

Ainda é uma incógnita o posicionamento do Brasil na discussão com os outros países, e quais as novas propostas que serão levantadas. Na última Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), divulgada em dezembro de 2020, o governo brasileiro apenas reafirmou as metas de redução das emissões de 37% para 2025 e 43% para 2030, em relação a 2005, não trazendo nenhuma novidade de como o país pretende lidar com a crise climática. 

Para Maureen Santos, que integra a organização de direitos humanos Fase e é membro do Grupo Carta de Belém, é difícil pensar em um posicionamento positivo nas negociações se for levado em conta o caminho traçado pelo atual governo nas decisões ambientais. “O ministro do Meio Ambiente disse que ia levar um pacote que o Brasil vai apresentar, mas como ele vai fazer isso se estamos em um retrocesso tão profundo? É meio impossível pensar que vai sair alguma coisa de lá que vai nos favorecer”, disse Maureen.

Por conta da sua agenda pré-estabelecida, alguns assuntos que vão se destacar na COP26, mas a esperança é a de que assuntos pendentes entre os países se resolvam. “Você tem algumas metas de longo prazo, como o objetivo de 2050, só que não sabemos como vai chegar lá, os países precisam assumir compromissos reais de pontos de emissões e a integridade ambiental”, explicou Maureen. O ano de 2050 é a data-limite estabelecida por alguns países, como a Alemanha, para se chegar à emissão zero de carbono.

Justiça climática

Imagem aérea de queimada próximo aos limites da Floresta Nacional do Jacundá, em Rondônia . 07 de agosto de 2020. (Foto Bruno Kelly/Amazônia Real)

Segundo o estudo “Amazônia como fonte de carbono ligada ao desmatamento e mudanças climáticas” publicado pela revista Nature, a região sudeste da Amazônia não é mais um sumidouro de gás carbônico. Por causa das queimadas, em vez de a floresta absorver o dióxido de carbono, ela passou a ser fonte emissora, sendo um dos principais responsáveis pelo aquecimento global.

O desmatamento tem causado outro problema, que não só é nacional como também global, e por isso o mundo manifesta preocupação com a floresta amazônica. O regime de chuvas no Brasil sofre influência direta da umidade trazida da Amazônia para o centro-sul. Quanto mais a floresta é derrubada, mais os mananciais por todo o País sofrem, afetando a agricultura, a produção energética e o próprio abastecimento de água da população.

O IPCC mostrou que a concentração de CO2 na atmosfera é maior agora do que foi nos últimos 2 milhões de anos. Toda vez que uma árvore morre, ela emite o carbono que estava armazenado dentro dela. Quando há uma mortalidade massiva de árvores, como é o caso do desmatamento, a emissão de CO2 se eleva radicalmente. E é essa concentração de dióxido de carbono que tem elevado a temperatura global.

Para o geógrafo Durigan, as ações precisam ser mais eficazes e enérgicas para que a mitigação empreendida consiga reduzir o tamanho do estrago. Ou seja, é possível reduzir ao máximo as emissões para que o aquecimento global e seus efeitos não sejam tão severos. 

“As frentes de redução de emissão deverão ser mais incisivas na questão energética, com busca de alternativas ao uso de combustíveis fósseis e ainda na conservação e restauração de paisagens florestais”, disse Durigan. “Em paralelo, devemos desenvolver e aplicar também frentes de ações de adaptação, preparando-nos para este quadro que se avizinha e onde convivemos com maiores dificuldades.”

A desigualdade observada pela pandemia fez-se surgir outro ponto, mesmo não sendo esta uma pauta oficial. A justiça climática se tornou um assunto que tem  sido amplamente discutido por ativistas e organizações de direitos humanos. 

De acordo com o relatório do IPCC, o aquecimento global pode fazer com que a pobreza aumente, enquanto que o inverso poderia frear as desvantagens de uns sobre outros. “A limitação do aquecimento global a 1,5°C, comparado a 2°C, poderia reduzir o número de pessoas expostas ao risco climático e suscetíveis à pobreza até várias centenas de milhões até 2050”, indica o relatório. Pesquisadores incluem os povos indígenas e as comunidades ribeirinhas como as populações que tendem a sofrer mais com as consequências que o aumento da temperatura da terra trará.

O não-adiamento da COP26

A pesquisadora Tatiana Oliveira (Foto: arquivo pessoal)

Chegar em Glasgow sem acordos concretos é um risco que poderia ser evitado, ainda mais em um contexto de pandemia do novo coronavírus. A decisão pelo não adiamento da COP26 foi vista como falta de sensibilidade dos anfitriões, pois nem todos os países já avançaram na vacinação contra a Covid-19 ou se encontram com a pandemia controlada. A discussão, assim, ficará manca.

Segundo Tatiana Oliveira, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e pesquisadora associada ao Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais, o grito das ONGs não foi ouvido pelo Reino Unido ou pela UNFCCC (órgão da ONU responsável pela COP26).

“Considerando que esta é uma COP26 para finalizar o livro de regras do Acordo de Paris [de 2015], e que um dos principais itens da pauta de discussões é o financiamento climático dos países, através do artigo 6. E nós precisamos ficar atentos a esse processo, porque ele terá consequências para a definição de políticas públicas socioambientais e para a garantia dos direitos territoriais de povos indígenas e comunidades tradicionais”, esclareceu Tatiana. O artigo 6, citado pela assessora política, faz referência ao mercado de carbono, que consiste na possibilidade de os países poderem comercializar seus resultados de mitigação.

A Carta de Belém

Área de floresta derrubada e queimada na região da vicinal do Salomão, no munícipio de Apuí, sul do Amazonas (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

Esse tópico não é visto com bons olhos por instituições ambientais, preocupadas com a Amazônia, como é o grupo Carta de Belém. Na segunda-feira (18), a entidade divulgou um manifesto que contou com a participação de mais de 80 organizações da sociedade civil brasileira, movimentos sociais, sindicatos, entidades, fóruns, articulações e redes, ativistas e pesquisadores, que cobram uma postura mais incisiva das autoridades frente à crise climática. O documento questiona ainda o mercado de carbono, que, como aponta no texto, “tem demonstrado ser um mecanismo ineficaz para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, promovendo o perdão de grandes poluidores”. 

O grupo que atua na defesa dos direitos à terra e territoriais e socioambientais de povos e comunidades tradicionais, frente às crises ambiental e climática, em um dos trechos do manifesto, afirma que o “mercado de carbono é licença de poluição”. Além de enfatizar que esses “mecanismos criados para a redução das emissões de gases de efeito estufa, representam um processo histórico de reconfiguração das formas de acumulação e promovem nova reengenharia global da economia em nome do clima”.

Tatiana explica que esse modelo de mercado já foi testado em outros países e não teve nenhum resultado comprovado. Para ela, isso consiste em uma grave ameaça para a autonomia dos povos da floresta e que os territórios coletivos sofrerão ainda mais com a pressão das privatizações. “O governo já iniciou esse ataque aos territórios coletivos. E fez isso ao declarar o fim das demarcações, ao apresentar projetos de lei que possibilitam a compra de terras por estrangeiros, e ao introduzir unidades de conservação da natureza em seu programa de parcerias público-privadas”, disse a assessora política.

Para Durigan, o governo brasileiro tem construído narrativas que não levam em conta a realidade do País. “O que sei é que a participação do Brasil não foi previamente discutida com a sociedade, não envolveu nossos cientistas e nossas instituições de pesquisa, nem mobilizou nossos diversos grupos sociais e suas lideranças. A total ausência de articulação prévia entre governo e sociedade já nos leva a prever uma participação desqualificada e que deve acirrar o sentimento de preocupação global com o que vivemos atualmente no país”, acrescentou.

Em uma live promovida pela Amazônia Real, em comemoração ao aniversário de oito anos da agência, no dia 21, foi discutido o tema “Crise Climática e a COP26: O que será da Amazônia?”, que reuniu a bióloga Ana Lúcia Tourinho, o antropólogo João Paulo Barreto, indígena do povo Yepá-Mahsã/Tukano, e o próprio Durigan. João Barreto falou sobre a necessidade de incluir os povos indígenas nas discussões sobre as mudanças climáticas e enfatizou: “Muitas vezes a presença dos povos indígenas é ignorada por debates científicos e muito mais por esses indivíduos que olham a terra, a floresta, a água, como objeto de venda. Nesse sentido, é uma questão muito séria, a ciência está falando, está dizendo e os seus parentes não estão ouvindo”.

Live da Amazônia Real sobre a COP 26 (print de tela Canal do Youtube/Amazônia Real)

Fonte: https://amazoniareal.com.br/brasil-preocupacao-global-cop26/

Thank you for your upload