Por Fabio Pontes

 

Ambientalistas apontam como o presidente omitiu dados de seu governo para tentar transmitir uma imagem oposta de seu governo.

A fotografia acima mostra no monitor o presidente norte-americano, Joe Biden, na sala de reuniões do Palácio do Planalto, onde estão na mesa o presidente Bolsonaro e seus ministros (foto: Marcos Corrêa/PR).


Rio Branco (AC) – A participação do presidente Jair Bolsonaro na Cúpula dos Líderes sobre o Clima, nesta quinta-feira (22), foi marcada por muitas mentiras e falsas promessas. Quem afirma é o secretário-executivo da organização Observatório do Clima, Marcio Astrini; mas não só ele. Ambientalistas e outros especialistas ficaram perplexos em ver como o governo ocultou dados oficiais de sua gestão para tentar passar a imagem contrária ao que prega e faz. Quarenta chefes de Estado participaram do evento virtualmente. A Cúpula do Clima, que acontece até nesta sexta-feira (23), foi organizada pelo presidente norte-americano Joe Biden que, durante a fala de Bolsonaro, se ausentou do evento.

“Tem-se que ter muita boa vontade e inocência para acreditar no Bolsonaro. Ele é o mesmo que, enquanto estava gravando o vídeo para a Cúpula, estava editando portaria acabando com a fiscalização no Brasil. Ele é essa pessoa. Acredita quem quiser”, ironiza Astrini. “Há uma total falta de coordenação do discurso com a prática, e soa mais com uma promessa vazia”, afirma o ambientalista e diretor da organização WCS Brasil, Carlos Durigan, que mora e atua há mais de 20 anos no Amazonas.

Bolsonaro apontou, acertadamente, que o Brasil é um dos países que menos emite gases do efeito estufa e tem uma matriz energética limpa. Mas, propositalmente, omitiu o crescimento recorde do desmatamento e das queimadas na Floresta Amazônica durante os dois anos de seu governo, que tem como característica o desmonte das políticas de proteção e fiscalização ambiental (leia a checagem feita pelo Observatório do Clima)

“Determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais. Duplicando os recursos destinados às ações de fiscalização”, disse o presidente.

Desde que assumiu a Presidência, órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) enfrentam o mais grave processo de desestruturação. Tanto Ibama quanto ICMBio enfrentam cortes orçamentários sucessivos. Em sua campanha presidencial, Bolsonaro já sinalizava com um forte discurso antiambiental.

Quando não realizadas por falta de recursos, as operações passaram a ser proibidas pelo próprio ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Servidores que ousam cumprir suas missões nos órgãos são repreendidos e punidos pelo ministro ou os presidente do Ibama e ICMBio.

Para fortalecer as “medidas de comando e controle”, Bolsonaro pediu na Cúpula do Clima apoio financeiro da comunidade internacional. “Diante da magnitude dos obstáculos, inclusive financeiros, é fundamental contar com a contribuição de países, empresas, entidades e pessoas”, declarou ele. “É preciso haver justa remuneração pelos serviços ambientais prestados por nossos biomas ao planeta, como forma de reconhecer o caráter econômico das atividades de conservação.”

A fala de Bolsonaro é um reforço das cobranças recentes feitas por Salles para que o País receba verba internacional para as viabilizar as ações de combate ao desmatamento, alegando as limitações orçamentárias do país. Mas para o pesquisador do Imazon Paulo Barreto o Brasil não tem necessidade de pedir esses recursos, já que possui o Fundo Amazônia, que conta com três bilhões de reais em caixa. “O fundo está parado justamente porque o governo excluiu a participação da sociedade civil de um conselho gestor”, afirma Barreto.

“Bolsonaro passou a maior parte do tempo pedindo dinheiro, inclusive por conquistas que aconteceram no Brasil no passado e que ele está destruindo agora”, acrescenta Astrini. “E é um dinheiro que a gente já tem. Temos três bilhões de reais parados no Fundo Amazônia para fiscalização para combate ao desmatamento, e o governo não usa. O problema mesmo não é falta de grana, é falta de governo.”

Para o secretário-executivo da organização Observatório do Clima, o problema do Brasil não é a falta de recursos, mas a falta de gestão na área ambiental.

“Ele está enfraquecendo a fiscalização. O ministro dele [Ricardo Salles] anteontem estava recebendo uma queixa-crime por atrapalhar investigação da Polícia Federal. Ontem mesmo tinha uma carta de servidores do Ibama dizendo que uma portaria do governo iria paralisar toda fiscalização ambiental do Brasil”, ressalta o secretário-executivo do Observatório do Clima. Ainda de acordo com Astrini, desde outubro de 2019 os infratores ambientais estão livres de pagar as multas aplicadas por Ibama e ICMBio.

No discurso, o presidente afirmou que como uma das medidas para alcançar a meta de “neutralidade climática” pelos próximos 40 anos, seu governo trabalhará para zerar o desmatamento ilegal até 2030. De acordo com ele, apenas com o fim da devastação da floresta, o Brasil reduzirá em 50% suas emissões de gases poluentes. Para se chegar a esse objetivo, completou, será necessário reforçar as “medidas de comando e controle”.

Março do desmatamento

Mapas e gráficos do Sistema de Alerta de Desmatamento do Imazon, clique aqui para ampliar.

Na última segunda-feira (19) o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), instituição de monitoramento de desmatamento, com sede em Belém (PA), apontou que março de 2021 registrou novo volume recorde de área desmatada na região: 810 km2; no comparativo com o mesmo mês de 2020, a elevação foi de 216%. Segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Imazon, no mesmo mês do ano passado foram destruídos 256 km2 de floresta. Este crescimento aconteceu mesmo com a região Norte sendo afetada por intensas chuvas neste começo de 2021, o que parece não ter inibido os desmatadores.

Para Paulo Barreto, pesquisador do Imazon, o Brasil pode e tem condições de eliminar todo o desmatamento ilegal da Amazônia até antes de 2030, como estabelecido por Bolsonaro. “O Brasil pode produzir sem desmatar, aproveitando a área de pastagem mal usada”, diz. Barreto considera não de toda verdadeira a informação dada pelo presidente de que o país mantém preservado 84% da cobertura florestal amazônica.

“Este número se refere apenas ao desmatamento. Mas, além da área desmatada, há uma área similar degradada pela exploração predatória de madeira e incêndios”, explica.

Barreto considera falsa a fala de Bolsonaro de que o país está “na linha de frente do enfrentamento ao aquecimento global”. Para ele, o Brasil passa por um retrocesso nesta luta desde 2012, quando a situação se deteriorando nos últimos dois anos por conta do aumento de 30% das taxas de desmatamento no período.

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o total de floresta devastada em 2020 foi de 11 mil km2; a maior quantidade de área destruída desde 2008. Em 2019, primeiro ano de Bolsonaro na Presidência da República, o desmate foi de 10,1 mil km2, contra 7,5 mil km2 de 2018. Além de ter sua cobertura florestal cortada, a Amazônia também passou a ser bastante afetada pelo fogo no mesmo período.

Dados do Programa Queimadas, desenvolvido pelo Inpe, apontam que ano passado o bioma Amazônia registrou 103.161 focos de calor. Em 2019 foram 89.176. Um ano antes de Bolsonaro chegar ao governo a região teve 68.345 focos de queimadas.

Nem mesmo o envio de tropas das Forças Armadas foi capaz de conter o avanço do crime na região. Após o desmonte do Ibama e ICMBio, Bolsonaro recorreu ao Exército como forma de dar uma resposta à comunidade internacional pelas críticas contundente feitas por vários líderes mundiais contra o avanço da devastação promovida na Amazônia por seu governo.

Legado alheio

Carlos Durigan durante evento da Amazônia Real em 2015
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Para o ambientalista Carlos Durigan, o discurso do presidente da República durante a Cúpula do Clima estava destoado da realidade, além de ele ter se apropriado de muitos avanços obtidos na área ambiental em governos passados, e sempre atacados por ele.

“Ele começou mostrando os avanços da agenda ambiental no Brasil, que são fora do escopo da gestão atual. Todos os avanços citados, inclusive o próprio Código Florestal, a agenda voltada à construção de processos voltados a fortalecer a bioeconomia, a conservação de florestas, e mesmo a constituição de matrizes mais limpas de geração de energia, que também é controverso, tudo isso é fruto de gestões passadas, que por décadas vinha sendo constituída”, diz Durigan.

O ambientalista, colunista da Amazônia Real, classifica o governo Bolsonaro como o principal responsável pela atual crise vivida na Amazônia, que tem sofrido com o aumento do desmatamento, das queimadas e das invasões de terras públicas e territórios indígenas. “Há uma total falta de coordenação do discurso com a prática, e soa mais com uma promessa vazia, para manter uma possibilidade de conseguir apoio financeiro internacional para sua gestão, que pode ser ainda pior se tiver esse tipo de apoio”, afirma Durigan.

A tentativa do governo Bolsonaro de passar uma “nova roupagem” diante do presidente norte-americano, Joe Biden, que convocou a Cúpula do Clima, é vista como um gesto de sobrevivência em meio ao seu isolamento internacional. O presidente brasileiro também é duramente criticado pela forma como conduz o país nas ações de enfrentamento à pandemia da Covid-19, indo no sentido contrário ao que recomenda as principais autoridades globais.

Com a derrota de Donald Trump nas eleições americanas de 2020, Bolsonaro se viu ainda mais sozinho. O democrata Biden tem como uma de suas principais linhas de atuação frente à Casa Branca o enfrentamento às mudanças climáticas. A manutenção da Amazônia em pé é um dos pontos centrais nesta discussão.

“O discurso do governo [Bolsonaro] foi de tentar amenizar a imagem negativa, que está bastante forte fora daqui, para resolver problemas econômicos. Não estão pregando o que acreditam. Estão construindo um discurso para agradar ouvintes que querem ouvir isso deles”, comenta Durigan.

A mesma opinião tem Ângela Mendes, filha do seringueiro Chico Mendes e coordenadora do Comitê Chico Mendes. Para ela, o discurso de Bolsonaro foi um “engana Biden”.

“Como ele vai chegar a essas metas com os principais órgãos de fiscalização e controle totalmente desestruturados e normativas que impossibilitam as ações efetivas no combate ao desmatamento?”, questiona Ângela.

A força dos indígenas na proteção da floresta

Sineia do Vale na foto com Edinho Batista e Enock Taurepang, diretores do CIR, sendo observados pelo o administrador da Agência de Proteção Ambiental dos EUA , Michael S. Regan;n. (Foto reprodução YouTube)

A liderança Sineia do Vale, do povo Wapichana, de Roraima, foi a segunda brasileira a participar da Cúpula do Clima nesta quinta-feira. Havia a expectativa de que ela aproveitasse sua participação no encontro global para reforçar os ataques feitos pelo governo Jair Bolsonaro aos direitos dos povos indígenas. Desde que assumiu a Presidência, ele tem declarado que não demarcará novas terras indígenas e é defensor da mineração dentro destes territórios. A postura anti-indígena de Bolsonaro é vista como um incentivo às invasões das terras por garimpeiros, madeireiros e grileiros.

Sineia do Vale, que é membro do Conselho Indígena de Roraima (CIR), teve uma postura mais diplomática na cúpula, aproveitando os três minutos para destacar o papel das populações indígenas na defesa da Floresta Amazônica, contribuindo para a manutenção do equilíbrio do clima no mundo. Segundo ela, junto com a questão do direito de posse da terra, as mudanças do clima também estão entre as principais preocupações dos povos indígenas do Brasil.

Indagada pela Amazônia Real a respeito do fato de não ter feito críticas diretas ao governo Bolsonaro, Sineia afirmou que a “melhor estratégia” era aproveitar os três minutos disponíveis para destacar as ações que os indígenas desenvolvem já há muito tempo na preservação do meio ambiente.

“Desde sempre mantemos a floresta em pé e a gente precisa ter os direitos garantidos. Apesar de termos apenas três minutos a gente conseguiu transmitir um pouco daquilo que a gente gostaria para o mundo”, afirma.

“Nós sempre fizemos esse trabalho [de proteção da floresta], sempre fizemos isso por vidas, e não só pelos povos indígenas, mas por todo o planeta”, afirmou a liderança. De acordo com ela, a cúpula foi uma oportunidade de mostrar ao mundo a experiência desenvolvida por seu grupo em Roraima de enfrentamento às mudanças climáticas.

Brigadistas do PrevFogo do Ibama, em área de floresta derrubada e queimada em Apuí, no Amazonas (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real/2020).

 

 

Fonte: https://amazoniareal.com.br/bolsonaro-mente-e-faz-falsas-promessas-na-cupula-do-clima-dizem-ambientalistas/

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