Manaus (AM) – A Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira, município localizado no noroeste do Amazonas, informou neste domingo (26) que notificou os dois primeiros casos de novo coronavírus em moradores da cidade: um professor indígena da etnia Baniwa, de 44 anos, e uma militar funcionária do Hospital de Guarnição do Exército Brasileiro. Segundo nota do Ministério da Defesa, o civil, como foi tratado o indígena, está hospitalizado com Síndrome Respiratória Aguda Grave por Covid-19 desde a sexta-feira (24). O estado de saúde dele é grave.

O Hospital de Guarnição de São Gabriel da Cachoeira (HGuSGS) do Exército é o único do município de maioria indígena, com 23 etnias. A agência Amazônia Real apurou que não tem Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no hospital, que conta com apenas sete respiradores para atender os pacientes.

O médico Guilherme Monção, do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) do Ministério da Saúde, disse à reportagem que o professor Baniwa deu entrada no hospital com dificuldade respiratória e precisou ser entubado. O teste rápido confirmou o novo coronavírus no paciente.

Sem a UTI, os casos graves, como o do indígena Baniwa, precisam ser encaminhados para a rede pública de saúde em Manaus. A capital do Amazonas é o epicentro da pandemia no Norte do país com 2.722 casos confirmados e 245 mortes por Covid-19.

“O paciente [indígena Baniwa ] se encontra em estado grave, em uso de ventilação mecânica, com programação de evacuação para Manaus via transporte aeromédico UTI”, disse a nota do Ministério da Defesa, que não informou a data e nem o horário da remoção.

Sobre a paciente militar, o ministério diz que ela “é residente há três anos em São Gabriel e não tem histórico de viagem recente para área de transmissão comunitária de Covid-19”. O órgão não explicou como iniciou o contágio.

A “paciente segue em isolamento domiciliar, quadro clínico estável, em progressiva melhora sintomatológica”, diz a nota, destacando que o teste que confirmou o novo coronavírus foi realizado em tempo real para SARS-CoV2 pelo Laboratório Lacen do Amazonas.

O comércio de São Gabriel da Cachoeira vazio por causa do coronavírus
(Foto: João Claudio Moreira/Amazônia Real)

O município de São Gabriel da Cachoeira tem uma população de mais de 45 mil habitantes, segundo a taxa atualizada do Censo do IBGE. Desse total, 25 mil moram nas aldeias indígenas, em territórios demarcados, segundo a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn). No entanto, na sede do município, a maioria da população também é indígena. Entre as etnias, estão Arapaso, Baniwa, Barasana, Baré, Desana, Hupda, Karapana, Kubeo, Kuripako, Makuna, Miriti-tapuya, Nadob, Pira-Tapuya, Siriano, Tariano, Tukano, Tuyuka, Wanano, Werekena e Yanomami. Esses indígenas vivem em cerca de 750 comunidades, numa área de 108 mil quilômetros quadrados denominada de Alto Rio Negro.

Por ser uma região de fronteira entre Brasil, Colômbia e Venezuela, as Forças Armadas tem grande presença militar com a 2ª Brigada de Infantaria de Selva, o Comando de Fronteira Rio Negro, o  5º Batalhão de Infantaria de Selva, entre outros destacamentos, além de aeroporto e porto fluvial.

De acordo com a prefeitura, 120 pessoas estão sendo monitoradas pela equipe de epidemiologia por suspeitas de coronavírus. Após o anúncio dos dois casos confirmados de Covid-19, o Município baixou um decreto de toque de recolher restringindo o acesso da população aos estabelecimentos comerciais, áreas de lazer e bares, no período de 26 de abril a 11 de maio, das 21h às 6h. Apenas serviços essenciais estão funcionando. Quem circular nas ruas pode pagar multa no valor de R$ 130,52. O decreto, assinado pelo prefeito Clovis Moreira Saldanha (PT), determinou também o uso de máscaras e o confinamento domiciliar obrigatório em todo o território.

Antes da confirmação dos primeiros casos de Covid-19 em São Gabriel da Cachoeira, a população indígena do Alto Rio Negro já estava realizando prevenção pela radiofonia, conforme publicou a Amazônia Real. Mais de 210 comunidades recebem informações todos dos dias sobre a doença, que causa uma pandemia no mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).

O médico Guilherme Monção, que participa do projeto da radiofonia da Foirn, explicou na reportagem que as comunidades indígenas devem receber maior atenção das autoridades públicas devido ao risco da pandemia e da necessidade de ter tratamento dos casos graves para Manaus, onde o sistema de saúde colapsou.

“Nós não vamos conseguir controlar as comunidades. Porque a gente quer saber quais delas têm o coronavírus, quais não têm, quais a gente trabalha com isolamento de comunidade ou isolamento de paciente. A nossa realidade é diferente, é de comunidade indígena. É de difícil acesso, requer toda uma logística. A gente não pode ter essa dúvida”, diz o médico, que trabalha no Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Alto Rio Negro e integra o Comitê de Enfrentamento e Combate à Covid-19, criado pela Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira.

O temor da pandemia nas aldeias

Casai em São Gabriel da Cachoeira, que atende os indígenas aldeados
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Marivelton Baré, presidente da Foirn, disse à Amazônia Real que é necessário que as autoridades públicas brasileiras viabilizem equipamento para que os atendimentos de pacientes de Covid-19 sejam realizados em São Gabriel da Cachoeira, para assim tentar evitar a transferência para Manaus.

“Aqui não tem UTI. Manaus está um caos, é mais risco ainda, pode ficar pior. É preciso uma estrutura mínima necessária ou um hospital de campanha em São Gabriel da Cachoeira”, disse a liderança, que coordena o Comitê de Enfrentamento e Combate à Covid-19 do município e que é formado por organizações indígenas, órgãos públicos municipais e federais e instituições, tais como Foirn, Funai, Sesai, Exército, Força Aérea Brasileira e Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira.

Conforme Marivelton, a preocupação e medidas com a chegada da doença a São Gabriel da Cachoeira ficarão mais intensas para impedir que a Covid-19 chegue nas aldeias indígenas. “Passamos radiofonia para os distritos, mandando mensagem para onde tem internet, para falar sobre prevenção, para que não saiam das aldeias. O Dsei realiza trabalho de prevenção, mas uma vez a doença chegando nas aldeias, será uma situação muito ameaçadora. Se chegar, vai ser mais do que um Deus nos acuda. Por isso quem está na cidade, não poderá sair, e quem está aldeia, que fique onde está”, afirma.

O presidente da Foirn também falou que ainda é preciso investigar como os dois casos de covid-19 foram transmitidos; ou seja, se o vírus está circulando de forma comunitária ou não. Daí a necessidade de mais rigor nas ações de barreiras de quem chega aos municípios do Alto Rio Negro (São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos).

“A gente vem fazendo várias barreiras. Ontem (25) mesmo vimos uma voadeira que veio de Manaus. As pessoas [da voadeira] pararam em Barcelos, almoçaram lá. Depois pararam em Santa Isabel do Rio Negro e ainda tiveram contato em um sitio próximo. Tinha uma pessoa que estava com síndromes gripais. Mas foi feito isolamento dela. Também tivemos problemas com pessoas que chegaram de aviões. Isso nos deixou bastante chateados. Por isso pedimos mais rigor”, disse.

Sesai não atende indígenas da cidade

Indígenas na confecção de máscaras no Parque das Tribos, em Manaus
(Foto Alex Pazuello/Semcom)

No país, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde, de 13 de março até este domingo (26 de abril) foram confirmados 85 casos de Covid-19 entre indígenas atendidos pelos Distritos Sanitário Especiais (Dseis), sendo 81 no Amazonas: Dsei Manaus (19 casos), Dsei Alto Solimões (42), Dsei Parintins (17) e Dsei Médio Purus (3).

Na Amazônia brasileira, a Covid-19 é responsável pelas mortes de 7 indígenas, mas apenas quatro deles é reconhecido pela Sesai porque os outros três não moravam em aldeias. Das mortes notificadas pela secretaria, três foram no Amazonas: um ancião do povo Tikuna, uma mulher Kokama e um tuxaua Sateré-Mawé.  A outra morte é de um jovem Yanomami, em Roraima.

Os indígenas que morreram por causa do coronavírus em cidades são: um do povo Mura e um indígena Baniwa, que viviam em Manaus, e uma indígena da etnia Borari, de Alter do Chão, no Pará.

O caso do professor indígena Baniwa, que está em estado grave por Covid-19, não entrou na estatística da Sesai por morar na cidade de São Gabriel e não em uma aldeia. Leia mais aqui.

O secretário da Sesai, Robson Silva, declarou em entrevista anterior à reportagem, que os indígenas do contexto urbano serão atendidos pelas unidades do SUS (Sistema Único de Saúde). Neste domingo, a Amazônia Real procurou novamente Silva para saber se, no caso de São Gabriel da Cachoeira, onde a maioria da população é indígena, haveria alguma atenção diferenciada. Ele disse que “a Sesai vai atuar sempre no que prevê a legislação” e enfatizou: “o que a legislação prever, nós faremos. Se a legislação não tiver previsão, não podemos atuar”.

Marivelton Baré discorda do secretário da Sesai. Para ele, diante de uma pandemia, é papel de todos os entes federativos atuarem conjutamente na saúde da população indígena, independente onde o doente resida.

“Aqui, 90% da cidade é indígena. O Dsei é do SUS. Tanto que mostrou um modelo diferenciado de trabalho de prevenção contra a covid-19 aqui em São Gabriel da Cachoeira. Um conjunto de instituições, juntas. Por isso passamos 37 dias combatendo para que o vírus não chegasse. Não dá para a Sesai ficar todo esse tempo com esse discurso. A maioria daqui é indígena, isso tem que contar. Ainda mais nesse momento de pandemia. O índio em contexto é indígena”, afirmou o coordenador da Foirn.

 

 

 

 

Fonte: https://amazoniareal.com.br/com-apenas-7-respiradores-sao-gabriel-da-cachoeira-confirma-dois-casos-de-covid-19/

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