Porto Velho (RO) – O último guerreiro da etnia Juma, Aruká Juma, de 86 anos, está internado no setor de isolamento para pacientes de Covid-19 do Hospital Sentinela, em Humaitá, sul do Amazonas. O primeiro exame em 17 de janeiro deu negativo. Mas Aruká apresentou sintomas de gripe e febre no dia 22 e foi atendido pela primeira vez no Sentinela. Depois foi transferido para a Casa de Atendimento de Saúde Indígena (Casai).

No dia 26 de janeiro, o ancião passou mal na Casai e foi novamente internado no Sentinela, pois apresentou um quadro de pneumonia e problemas respiratórios. Na ocasião, o exame para o novo coronavírus foi confirmado, segundo a filha do ancião, Mandeí Juma.

Nesta sexta-feira (29) a saúde de Aruká Juma apresentou melhoras, disse Mandeí Juma à agência Amazônia Real. “Ele dormiu bem, acordou bem, tomou banho cedo e almoçou bem”, disse.

A Terra Indígena Juma fica no município de Canutama, também no sul do Amazonas, mas a 120 quilômetros de distância da cidade de Humaitá, em viagem pela rodovia BR-230, a Transamazônica. No dia 17 de janeiro, 12 familiares da etnia testaram positivo para o novo coronavírus.

Aruká foi o único familiar a apresentar sintomas com necessidade de internação hospitalar. “Eu só tenho o meu pai, já perdemos nossa mãe. O que puder fazer, eu faço por ele”, disse a filha do ancião.

Mandeí contou que testou negativo para Covid-19 e acompanha o pai no hospital porque ele não fala português. O povo Juma é falante do tronco linguístico Tupi Kawahiva.

O acompanhamento da filha no hospital, segundo ela, é previsto pelo Ministério da Saúde para populações indígenas classificadas como etnias isoladas e de recente contato com a sociedade nacional. “Também comunicamos ao Ministério Público Federal sobre a situação do meu pai”, disse.

Sobre como começou o contágio na aldeia Juma, Mandeí disse que desde o início da pandemia, em abril de 2020 na região, os indígenas estavam em quarentena voluntária e as barreiras sanitárias foram reforçadas. “Não sabemos como isso aconteceu”, disse. (Leia mais abaixo sobre a barreira sanitária)

Os Juma estavam em quarentena voluntário deste o início da pandemia
(Foto de Puré Juma Uru-Eu-Wau-Wau/Amazônia Real/2020)

O Polo Base de Saúde Humaitá, subordinado ao Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Porto Velho, confirmou que pelo menos 12 das 19 pessoas da família de Aruká Juma testaram positivo para o novo coronavírus.

Os testes foram realizados pela Fiocruz de Rondônia, mas apenas Aruká foi hospitalizado. “Estou aqui com o meu pai e o meu desejo é que ele volte para a aldeia”, disse a Mandeí Juma à agência Amazônia Real.

A enfermeira Nilcilene Jacob, coordenadora-técnica do Polo Base de Saúde Humaitá, explicou que o quadro de saúde de Aruká requer muita atenção por causa da evolução da pneumonia. “Ele está sob os cuidados de assistência médica hospital, sendo monitorado e acompanhado pela equipe de saúde indígena daqui de Humaitá”, disse a enfermeira.

A ameaça de extinção dos Juma

Aruká é o único indígena da etnia que usa o cinturão tradicional
(Foto: Odair Leal/Amazônia real/2014)

Aruká Juma é o pai também de Maitá e da cacica Boreha. Os quatro indígenas são as únicas pessoas da etnia Juma. Na metade da década de 1960, esse povo quase foi à extinção devido aos massacres que os demais parentes sofreram nas décadas anteriores de seringueiros, madeireiros e pescadores no território, que fica margeado no rio Assuã, em Canutama (AM).

Nos anos 1990, os Juma chegaram a viver em situação de vulnerabilidade sociocultural, sofrendo com o abandono dos órgãos públicos. Para evitar a extinção do grupo, casamentos interétnicos foram formalizados entres os Juma e os indígenas Uru-Eu-Wau-Wau, que são também do tronco linguístico Kawahiva, na Aldeia do Alto Jamari, em Rondônia.

Por volta do ano de 2013, às famílias dos casamentos entre Juma e Uru-Eu-Wau-Wau retornaram da Aldeia Jamary ao território Juma em Canutama, pois era um desejo do guerreiro Aruká.

Atualmente, como relatou um de seus netos, Puré Juma-Uru-Wau-Wau ao Blog Jovens Cidadãos da Amazônia, “na Aldeia Juma vivem cinco famílias. Minha mãe Boreha Juma é a cacique. Meu pai é Erowak Uru-Eu-Wau-Wau e tenho quatro irmãos, além do meu avó, minhas tias, meus tios e primos”, disse Puré.

À Amazônia Real, a fundadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Ivaneide Cardozo, disse que a internação de Aruká Juma é vista com muita preocupação neste momento em que a pandemia está em uma segunda onda com hospitais colapsados na Amazônia. “Estou super preocupado com toda a simbologia  que é Aruká para a questão indígena de um povo que sofreu todo um massacre, de um povo que foi quase exterminado. Então ele é um grande símbolo. Também estamos preocupados com o atendimento de saúde nos estados de Rondônia e Amazonas neste momento”, disse.

Barreira sanitária no entorno do território

O território Juma fica em Canutama, sul do Amazonas
(Foto: Odair Leal/Amazônia Real/2014)

Desde abril de 2020, quando surgiram os primeiros casos do novo coronavírus em Humaitá, a Fundação Nacional do Índio (Funai) montou uma barreira sanitária na ponte do Rio Assuã. O objetivo era impedir a proliferação da pandemia na Terra Indígena Juma. Mas as famílias tiveram de sair do isolamento para comprar mantimentos e receber os benefícios sociais, como relatou o jovem Purê Juma Uru-Eu-Wau-Wau.

A viagem de barco da aldeia Juma até a ponte do Assuã, em Humaitá, leva 40 minutos. Depois a viagem prossegue de caminhonete. São mais de 120 quilômetros pela Rodovia BR-230, a Transamazônica. “Desde que pediram para que todas as populações indígenas ficassem em quarentena, tudo ficou difícil para nós, porque não podemos ir para a cidade”, contou o jovem.

Em janeiro, uma equipe de saúde foi enviada à aldeia Juma após receber relatos de indígenas com sintomas de tosse e febre. De acordo com a chefe da Casai de Humaitá Marisa Ferreira, dos 19 indígenas Juma-Uru-Eu-Wau-Wau que vivem na aldeia, entre crianças, jovens e adultos, um grupo de 12 pessoas testou positivo para o novo coronavírus. Os exames foram realizados em janeiro deste ano por técnicos da Fiocruz de Rondônia. Entre eles, Maitá, filha de Aruká.

A coordenadora-técnica do Polo Base de Humaitá disse que o grupo permanece na aldeia sem a necessidade de hospitalização. “Estão sendo acompanhados por uma enfermeira  e uma técnica de enfermagem seguindo o tratamento preconizado pelo Ministério da Saúde. Para as outras pessoas (um total de sete) que não testaram positivo e apresentaram sinais e sintomas, foi realizado tratamento sob a supervisão da equipe que permaneceu na aldeia realizando testes rápidos e PCR”, disse Nilcilene Jacob.

De acordo com o boletim da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, na jurisdição do Dsei Porto Velho 1.234 indígenas foram infectados pelo novo coronavírus e 9 morreram. Foram curados 1.096 indígenas e 128 estão em tratamento de saúde.

Na região de Humaitá, de acordo com o Dsei de Porto Velho, 199 indígenas são infectados com o vírus. Foi registrada uma morte por Covid-19. O nome da etnia não foi informado pelo órgão.

Juma já têm garantidas doses da Coronavac 

Aruká, no centro, com suas filhas Boreha (blusa listrada), Maitá (de verde) e Mandeí (em pé) (Foto: Odair Leal/Amazônia Real/2014)

“As doses da vacina Coronavac já estão garantidas para os indígenas” da Terra Juma, afirmou  enfermeira Nilcilene Jacob. Mas a campanha de vacinação foi adiada por causa do quadro de saúde do grupo. “Considerando o protocolo e a nota técnica encaminhada pelo Ministério da Saúde e o Laboratório do Instituto Butantan, as pessoas que apresentaram sinais de sintomas e que foram diagnosticadas com a doença Covid-19 só poderão tomar a vacina após 30 dias. Sendo assim, a vacina Coronavac dessa população já está garantida”, afirmou a coordenadora técnica do Polo Base Humaitá.

O Dsei Porto Velho recebeu 1.426 doses da vacina contra a Covid-19, permitindo a imunização de cerca de 713 indígenas atendidos pelo Polo Base Humaitá. Além dos Juma-Uru-Eu-Wau-Wau, vivem em territórios da região os povos  Mura, Tenharim, Parintintin, Jiahui, Pirahã, Apurinã, Munduruku e Torá. (Colaborou Kátia Brasil)

 

Luciene
 Luciene Kaxinawá

É indígena do povo Huni Kuin (povo verdadeiro) da etnia Kaxinawá, que vive na região do norte do Brasil e na fronteira com o Peru. Jornalista desde 2014, iniciou na profissão aos 18 anos como repórter em um canal temático da região Norte. Em sua trajetória, além de repórter, Luciene passou pela produção de conteúdo, edição de imagens e também chegou a ser apresentadora e supervisora de imagem em uma emissora afiliada à Rede Globo em Rondônia. Em 2020 foi correspondente na Amazônia pela CNN Brasil e colaborou com a revista VOGUE Brasil em uma edição especial sobre Amazônia.

Fonte: https://amazoniareal.com.br/guerreiro-aruka-juma-luta-pela-vida-em-hospital-de-humaita/

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