A Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) aprovou, nesta segunda-feira (20), por maioria com 13 votos, um pedido de intervenção federal na Saúde do Estado, que enfrenta há mais de 1 mês a maior crise no sistema público e privado no atendimento de pacientes infectados pelo novo coronavírus. O pedido ao Presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), quer a nomeação de um interventor “urgente” porque, segundo o requerimento, “existe um colapso na saúde e as unidades estão com dificuldade de atender à população infectada”.

Os deputados estaduais, inclusive de partidos da oposição como PT e PSB, dizem no pedido de intervenção enviado a Brasília que o planejamento e execução da gestão da saúde no governo de Wilson Lima (PSC) “ocorre de forma desordenada e ineficiente”.

Durante a votação, o presidente da Casa, deputado Josué Neto (PRTB), justificou no pedido de intervenção a falta de transparência com a aplicação de recursos no governo estadual na ordem de R$ 30 milhões. O parlamentar disse que o valor é de emendas encaminhadas às ações de combate ao coronavírus. “Foram comprados o quê? Se até agora só foram utilizados R$ 3 milhões pelo Governo do Estado para a compra de equipamentos”, questionou ele.

O governador Wilson Lima não se manifestou com relação ao pedido de intervenção na saúde do Amazonas.

O primeiro caso de Covid-19 no Amazonas foi registrado em 13 de março. Até o momento, são 2.160 pessoas infectadas na pandemia e 185 mortes registradas no estado, que é classificado pelo Ministério da Saúde com a capacidade de atendimento hospitalar próximo ao limite. O estado é o quinto em número de casos da doença, atrás de São Paulo (14.580), Rio de Janeiro (4.899), Ceará (3.482) e Pernambuco (2.690).

O pedido de intervenção ao Presidente da República segue na forma dos artigos 34 e 84 da Constituição Federal e será analisado com urgência. Cabe a Jair Bolsonaro aceitar ou não. Ele é contra o isolamento social da população no país, demitiu o ministro Luiz Henrique Mandetta no ápice da pandemia e, no domingo (19), fez um discurso a manifestantes anti-confinamento que pediam intervenção militar e fechamento do Congresso Nacional, o que provocou uma repercussão internacional. 

Caso Bolsonaro aceite a intervenção na saúde do Amazonas, ele deve assinar um decreto publicado no Diário Oficial da União. Em seguida, um interventor será nomeado e toda a cúpula da saúde responderá ao Governo Federal, como aconteceu no Rio de Janeiro, quando esteve sob intervenção na Segurança Pública. Lá, o interventor foi o general Braga Netto, que hoje é ministro da Casa Civil.

Para presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) seccional do Amazonas, Marco Aurélio Choy, o pedido de intervenção “em que pese estar fundamentado na afronta à ordem pública, específica para o Amazonas, pode reverberar em todo o Brasil”. 

“É preciso entender que, a despeito dos números do Amazonas, a pandemia está presente em todo o país e no mundo. O pedido feito pelos deputados estaduais é genérico, apesar de ser motivado pelo impacto da pandemia do novo coronavírus na área da saúde do Estado, mas pode abrir precedente para o bloqueio do processo legislativo no Governo Federal”, explica Choy.

Racha na base aliada de Bolsonaro

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(Foto: Ascom PC PA)

O pedido intervenção na saúde não só expõe as fissuras abertas na crise da pandemia, mas também o racha na base aliada de Jair Bolsonaro no Amazonas, que é comandada pelo governador Wilson Lima (PSC) e o presidente da Aleam, deputado estadual Josué Neto (PRTB). Ele é pré-candidato às eleições municipais pelo partido do vice-presidente da República, general Hamilton Mourão.

Josué e Lima se enfrentam desde que o vice-governador Carlos Almeida Filho, que também é pré-candidato ao pleito municipal, deixou o PRTB após a filiação de Neto. Almeida foi para PTB, mas continua candidato.

Antes de entrar no PRTB, Josué Neto foi o representante do partido Aliança do Brasil, criado por Bolsonaro. O novo partido não atingiu o número de assinaturas necessárias para a criação da legenda, como exige o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em março, Josué foi o principal articulador da manifestação que convocou milhares de militantes da direita às ruas. O Amazonas já estava sob o efeito da pandemia. O protesto foi cancelado. “A pedido do Presidente Jair Bolsonaro (…)”, justificou o deputado.

Também em sua conta na rede social, o presidente da Aleam xingou o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta de “desonesto e trapaceiro”.

A agência Amazônia Real procurou o deputado Josué Neto para repercutir o pedido de intervenção e a repercussão com a OAB, mas ele não atendeu às ligações em seu telefone, nem respondeu às mensagens via Whatsapp.

Mourão no comando do Exército

Governador Wilson Lima e o deputado Josué Neto (Foto: Alberto César Araújo/Aleam)

O vice-presidente Hamilton Mourão esteve em Manaus nesta segunda-feira (20) e se reuniu com Lima e o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB) para tratar da situação de emergência na saúde do estado. O local do encontro foi o Comando Militar da Amazônia (CMA), a base do Exército no Norte do país.

“Ele (Mourão) ouviu todas as cobras e todos os lagartos que eu tinha para soltar contra o abandono do Amazonas, contra todos os personagens que mais atrapalham do que ajudam. Depois conversamos tecnicamente com os secretários de saúde do Amazonas e de Manaus e com meu secretário de finanças”, disse Virgílio Neto.

O prefeito de Manaus disse em live na internet que, até agora, “não houve melhora nenhuma, só houve piora” no cenário da pandemia na cidade. O Amazonas está pedindo socorro, socorro! Não adianta querer tapar o sol com a peneira! Estamos mal! Essa questão da Covid-19 é um perigo. Não quero que ele [o general Hamilton Mourão] leve nada para ninguém, quero que ele resolva”.

A votação online

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(Foto Alex Pazuello/Semcom)

O deputado Josué Neto não compareceu ao encontro com o general Mourão, justificando que foi infectado pela Covid-19. Mas, via reunião online, ele comandou a sessão plenária que votou o pedido de intervenção na saúde do Amazonas.

Dos 24 deputados, 13 votaram a favor da intervenção, além do presidente da Casa, os deputados Abdala Fraxe (Podemos), Adjuto Afonso (PDT), Belarmino Lins (PP), Delegado Péricles (PSL), Dermilson Chagas (PP), Felipe Souza (Patriota), Fausto Júnior (PV), João Luiz (Republicanos), Mayara Pinheiro (PP), Serafim Corrêa (PSB), Sinésio Campos (PT) e Wilker Barreto (Podemos).

A líder do governo Joana Darc (PR) se absteve e Saullo Vianna (PPS), também da base de Wilson Lima, votou contra a intervenção. A Aleam disponibilizou a votação no Youtube.

“O momento é de pedir sim ajuda e reforço do Governo Federal, mas pedir intervenção federal neste momento é estarmos politizando algo que pode ser feito de forma positiva”, disse Joana Darc, que chegou a pedir vistas ao requerimento, mas foi negado pela maioria dos deputados.

Durante a votação na Assembleia Legislativa do Amazonas online, os deputados a favor da intervenção elencaram, entre os problemas no estado no enfrentamento da pandemia, a explosão do número de casos do novo coronavírus, falta de leitos nas UTI´s e de transparência no aluguel do Hospital Nilton Lins, que seria de campanha, por R$2,6 milhões para três meses, além da falta de diálogo do governador Wilson Lima com o Poder Legislativo.

Os deputados destacaram ainda a precariedade no sistema de saúde, dizendo que “os principais prontos-socorros da cidade de Manaus estão funcionando para atender pacientes de Covid-19, mas atendem também pacientes de urgência e emergência com problemas vasculares e cardíacos, motivo pelo qual ocorre transmissão do novo coronavírus, agravando o quadro de muitos pacientes e levando-os à óbito”, diz o documento, que expõe as notícias de corpos de vítimas da pandemia em leitos com pacientes nos hospitais e a falta de assistência de inúmeras pessoas nas portas das unidades básicas de saúde.

A secretária que não quer falar

Enterro no cemitério Parque Taruma de vitma do Covid 19 em Manaus
(Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

Antes do pedido de intervenção na Aleam, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Amazonas (MP/AM) acionaram a Justiça Federal para garantir a transparência das informações relativas às medidas adotadas pelo governo estadual no enfrentamento da pandemia de Covid-19. Uma ação civil pública pediu que o estado do Amazonas e a Fundação de Vigilância Sanitária (FVS) sejam condenados a publicar informações claras e atualizadas, no site na internet, sobre verbas federais já recebidas e a receber e sobre o repasse, pelo Ministério da Saúde, de respiradores, equipamentos de proteção individual (EPIs) e testes.

Em entrevista à reportagem, o deputado Wilker Barreto (PHS), que votou pela intervenção na saúde do Amazonas, disse que o governador Wilson Lima perdeu a capacidade de gestão na pandemia. “O governo não criou um protocolo de atendimento, não organizou as unidades de saúde. O Hospital Universitário Getúlio Vargas, que poderia ser usado na retaguarda para assistência a outras doenças, não foi preparado para isso. A pandemia não espera. Não tomar essas medidas e agir contra o povo do Amazonas”.

Outro deputado estadual que votou a favor da intervenção federal na saúde do Amazonas foi Serafim Corrêa (PSB). Ele disse que não há “coordenação, planejamento, articulação e diálogo na gestão da saúde do Amazonas e, por esse caminho, não vamos chegar a lugar nenhum senão no cemitério”. O deputado reclama que o governador Wilson Lima não responde aos pedidos de informação feitos pela Assembleia Legislativa, não atende aos pedidos do Ministério Público “e todo dia morre mais gente”.

“O governo não explica qual o planejamento de enfrentamento à pandemia, quais medidas vai tomar. A nova secretária de saúde foi convocada e foi à Justiça para não comparecer à Assembleia. Ela pensa que é o que? ”, contesta.

Simone Papaiz (Foto: Secom AM)

A nova secretária de Saúde do Amazonas é Simone Papaiz. Ela substituiu o ex-secretário Rodrigo Tobias, pesquisador da Fiocruz na Amazônia, que foi demitido por Wilson Lima após pedir apoio ao ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Tobias foi a primeira pessoa a declarar que o sistema de saúde do estado iria colapsar e deu um prazo de uma semana, isso no início de abril. O primeiro secretário de saúde no governo foi o vice-governador, Carlos Almeida Filho, que deixou o cargo após problemas na Saúde do estado, como o atraso de pagamentos de cooperativas e empresas médicas que atuam nos hospitais do Amazonas.

Simone Papaiz foi convocada pela Assembleia Legislativa, mas entrou com um mandado de segurança na Justiça para não prestar esclarecimento aos deputados. “Nunca vi isso na história da Assembleia Legislativa. Não pedimos para ela fazer outra coisa senão apresentar as estratégias dela para o combate à pandemia”, disse Serafim Correa.

Ex-prefeito de Manaus (2004-2008), o deputado Serafim Correa fez um desabafo: “o povo está morrendo, e o governo não paga os profissionais da saúde que estão na linha de frente. Onde nós vamos parar? A população de Manaus vai em massa para as ruas, como tem ido nos últimos fins de semana, e o governo contempla isso. Não toma uma atitude, não faz uma ação educativa explicando que as pessoas não podem sair, tem que ficar em casa, e não explica as condições em que devem sair”.

Serafim Correa criticou ainda a decisão do governador Wilson Lima em inaugurar o Hospital Nilton Lins sem estrutura de UTI’s. “Duas horas depois o MPE, a Devisa e CRM verificaram que aquilo [o hospital] foi uma brincadeira, uma resposta de marketing, o que isso? Por isso, estamos pedindo uma intervenção na saúde, não no Estado. Eu não apoio o presidente Jair Bolsonaro e repudio as atitudes dele ao negar a gravidade da pandemia, mas, neste momento, temos que ver o Governo Federal como um todo, e não apenas como presidente”, afirmou o deputado. (Colaborou Kátia Brasil)

 

 

 

Fonte: https://amazoniareal.com.br/coronavirus-legislativo-do-amazonas-pede-a-bolsonaro-intervencao-na-saude/

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