Manaus (AM) – O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), apresentou um plano para flexibilizar o isolamento social da população que permite a reabertura das atividades da indústria e do comércio a partir de 14 de maio. A decisão foi tomada com base em um estudo coordenado pelo economista e comentarista de emissoras de rádio, TV nacionais e internet, Samy Dana.

Embora tenham projetado o pico de óbitos em Manaus por Covid-19 entre 22 a 30 de abril, um dos autores do estudo, o matemático Alexandre Simas, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), diante da repercussão negativa do plano, ponderou quanto à retomada das atividades econômicas no estado. Ele disse à Amazônia Real que não seria recomendável flexibilizar o isolamento dia 14, embora o governador Wilson Lima continue mantendo a data (leia mais nesta matéria).

O Amazonas é um dos estados com a maior incidência da pandemia do novo coronavírus no país. Nesta terça-feira (05), a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas, divulgou que há 8.109 casos confirmados, sendo 4.804 são em Manaus. Na capital, são 459 óbitos e 190 no interior até nesta terça-feira (4). O número de mortes aumentou muito nos últimos dias, principalmente em cidades do interior do estado. Os números, contudo, não refletem o quadro real por causa da deficiência nas testagens da doença e as subnotificações de mortes. Então, os casos devem ser bem maiores.

Especialistas em infectologia entrevistados anteriormente pela Amazônia Real avaliaram com preocupação o aumento de mortes por Covid-19 e a falta de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) nos hospitais do interior do Amazonas.

Com mais de 45 anos de trabalho como médico infectologista e professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Bernardino Albuquerque considera que a pandemia no estado não saiu da fase crítica de ascensão da curva epidemiológica. “Acredito que teremos ainda duas ou três semanas (em maio) para atingir o seu patamar maior e partir daí poderá ocorrer uma visualização de decréscimo”. Ele afirma que, diante da falta de equipamentos hospitalares complexos capazes de atender a população dos municípios, a “tendência é piorar quando tiver a transmissão comunitária no interior no estado”.

A sinalização de flexibilizar o isolamento social do governador Wilson Lima vai de encontro com as declarações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que desde o início da pandemia do novo coronavírus é contra a quarentena e nega a gravidade da pandemia no Brasil. A medida também coloca o Amazonas como se fosse um experimento da crise sanitária causada pela Covid-19 na capital amazonense.

O plano de flexibilizar o isolamento social no Amazonas sinalizado por Wilson Lima vai na contramão de outros estados brasileiros, como São Paulo, que prorrogou a quarentena. O objetivo do governo de São Paulo tem sido ampliar as medidas restritivas no comércio e na indústria para desacelerar a curva epidemiológica da pandemia mantendo a população no confinamento.  Lima, por exemplo, não baixou um decreto determinando quarentena até hoje. O primeiro caso de Covid-19 no estado foi em 13 de março. Ele demorou ainda para iniciar as campanhas orientando a população a ficar em casaO sistema de saúde colapsou naquele mês.

Jair Bolsonaro e Wilson Lima (Foto reprodução Twitter)

Wilson Lima foi apresentador de TV e ganhou a eleição na esteira da popularidade do bolsonarismo. No último dia 30 de abril, ele divulgou o plano de flexibilização de Samy Dana e sua equipe na imprensa local. Uma das empresas de comunicação de Manaus, na qual Lima trabalhou como apresentador, estampou a chamada do jornal A Crítica: “Atividade econômicas no Amazonas serão retomadas dia 14 de maio”.

O plano coordenado por Samy Dana prevê a flexibilização do isolamento em quatro ciclos no Amazonas:

O primeiro, de 01 a 13 de maio, “quando estima-se confirmar o pico e estabilização de casos de Covid-19, permanece a autorização apenas para atividades essenciais”.

O segundo ciclo prevê reabertura gradual de um primeiro grupo de estabelecimentos comerciais e de serviços, que abrange “de 14 de maio a 14 de julho, o que dependerá da manutenção da capacidade de leitos de UTI´s e taxa de contaminação”.

O terceiro ciclo começará a partir de 15 de julho, início da “volta ao normal pós-pandemia”, com liberação gradual de outros blocos de segmentos econômicos, também dependendo da manutenção de capacidade de leitos e contaminação.

O quarto ciclo tem adição às atividades em funcionamento, além de creches, escolas e universidades – a partir de 06 de julho; Cinemas – a partir de 29 de junho; e casas de shows e eventos –  a partir de agosto. “Em todas essas fases, serão necessários testagem e monitoramento para confirmar a autorização para a abertura dos estabelecimentos”, disse o governo, em seu anúncio; mas a ausência de testagem é justamente o maior problema do estado.

Segundo a Prefeitura de Manaus, de 1º. a 30 de abril foram enterradas 2.182 pessoas em cemitérios públicos do município. Desse total, 160 testaram positivo para Covid-19, 324 foram casos suspeitos da doença. O mais grave é que 324 pessoas morreram em casa, sem atendimento médico e sem testagem; outras 201 pessoas, a causa da morte é desconhecida, o que aponta para uma subnotificação por falta de testagem.

“Estamos apresentando um plano para a retomada gradual das atividades comerciais, baseado num estudo que nós fizemos com especialistas, indicando que nós agora estamos no pico da doença. Mas é preciso levar em consideração que esse pico pode se manter, de acordo com o comportamento social. Estabelecemos um prazo que, a partir do dia 14 (de maio), essas atividades retomam gradualmente, mas que até lá nós estamos renovando nosso decreto que suspende serviços que não são essenciais e até lá as pessoas têm que respeitar o isolamento social”, afirmou o governador Wilson Lima.

O médico Bernardino Albuquerque considera precipitada essa flexibilização do isolamento social. “Acho que a gente deve esperar um pouco mais. Ver o comportamento, o que pode acontecer. Fazer relaxamento nesse momento é inoportuno. Vai provocar um rebote na curva. Ou seja, diminuir a infecção e depois aumentar novamente a curva”, alertou o especialista, em entrevista à Amazônia Real.

Albuquerque é presidente do Comitê Central de Combate à Covid-19 da UFAM. O efeito rebote [retorno dos altos casos da doença] tem sido periodicamente alertado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como alerta para que a flexibilização das atividades econômicas e as medidas de restrições não sejam antecipadas.

Bernardino Albuquerque não quis comentar o estudo mencionado por Wilson Lima, por não ter parâmetros, mas lembrou que há realidades distintas entre a capital e o interior do Amazonas.

“Existem vários cenários. No interior tem muitos casos, não tem UTI, e a gente vai ter aumento de casos. E se aumentar casos, vai aumentar mortes. Acho que poderia diminuir [a restrição] se o Estado tivesse feito o dever de casa e oferecido à população um atendimento mais eficiente e digno”, disse Albuquerque.

Como foi realizado o estudo

Samy Dana durante palestra (Foto: N Produções)

O estudo leva o nome da empresa Easynvest, que se descreve como “a maior plataforma de investimentos independente do Brasil”. Em dezembro de 2019, a Easynvest contratou Samy Dana, além do jornalista Dony de Nuccio, para ser um dos novos “Heads de Conteúdo”, com a missão de “revolucionar o conteúdo de educação financeira no País em 2020”.

Em entrevista à Amazônia Real, os coordenadores do estudo disseram que o modelo se aplica tão somente a Manaus, diferente do que indica os gráficos na versão em português do estudo, na qual todo o Amazonas é mencionado.

Depois de procurados pela reportagem, os autores do estudo se corrigiram. Também voltaram atrás da data do início da flexibilização.

“Fizemos com os dados do estado, porém é possível que Manaus esteja em outro ponto da curva e no final acabamos representando mais a capital”, disse Samy Dana. Segundo ele, o principal parâmetro foi o número de leitos de UTI no Amazonas tanto no sistema público privado, com base em notificações oficiais acessadas no DataSUS.

Samy Dana admitiu que obteve os dados sobre do número de UTI por meio de pesquisas no DataSUS “e outras bases” e que só agora “o governo do Amazonas vai ajudar a dar dados melhores”. No estudo, ele trabalhou com o número de 360 unidades de terapia intensiva nas redes públicas e privadas.

“Iremos passar relatórios diários aos governos que solicitarem. O monitoramento precisa ser contínuo. Estamos pegando dados do sistema funerário. Acredito que o caso do Amazonas é o mais preocupante nesse sentido”, afirmou.

“Assim que tivermos acesso aos dados do interior, pretendemos analisá-los. Temo, porém, que sejam muitos poucos dados. Como no interior não há leitos de UTI, o mais provável é que lá a mortalidade seja bastante superior à vista em Manaus”, disse Alexandre Simas, que também coordenou o estudo.

Os autores explicaram que o objetivo do estudo é de “ajudar a prever a necessidade de leitos de UTI ao longo do tempo”. Conforme o levantamento dos autores, o Amazonas possui 188 leitos no sistema público destinados a pacientes de Covid-19.

Segundo Alexandre Simas, “ainda não foram realizadas modelagens para analisar o efeito de uma saída de isolamento”, mas que este é “o próximo objetivo” da equipe.

“Por enquanto, podemos fornecer informações acerca da capacidade de UTI do estado, quantos leitos serão necessários e quantas vidas podem ser perdidas por falta de leitos suficientes. Nossa intenção não é, de forma alguma, motivar a saída prematura do isolamento. No momento o isolamento é nossa única arma eficiente contra o [sic] Covid-19”, garantiu Simas à reportagem.

Segundo o autor, “como o Covid-19 é um vírus [sic] extremamente recente, sabemos muito pouco sobre ele, e acreditamos que tudo o que for descoberto deve ser compartilhado ao máximo para ajudar na decisão das políticas públicas. Nosso estudo mede principalmente a utilização de leitos de UTI”. Ele complementou: “Assim, por exemplo, podemos indicar o número de leitos de UTI necessários para gerar algum ‘conforto’ no nível de isolamento observado”.

Indagado sobre como o estudo compensou a subnotificação dos óbitos, já que se baseou apenas nos dados oficiais, Samy Dana respondeu que nesta semana o trabalho vai “incorporar dados do sistema funerário para melhorar a estimativa”. Mas os dois autores são taxativos quanto à flexibilização do isolamento social, ventilado pelo governador.

“Nossa parte é que não dá para afrouxar ainda e que o monitoramento é necessário”, afirmou Samy Dana.

“Mesmo que o pico ocorra no final de abril, não é recomendável. A ocorrência do pico tem a ver com a baixa contaminação e esta decorre diretamente do isolamento. Não só é importante o isolamento, como é importante que as pessoas entendam a importância do distanciamento social, uso de máscaras e cuidados adicionais de higiene. O isolamento perde muito de sua eficácia se essas questões não forem observadas”, afirmou Alexandre Simas.

Para Simas, mesmo com a indicação do pico no final do mês de abril, o governo do Amazonas “não deveria reabrir o comércio”. “Acredito que deveria haver um grande esforço para conscientização da população acerca da gravidade do problema e como medidas simples como distanciamento social, utilização de máscaras e higiene, podem ajudar muito a reduzir o problema”, disse o matemático.

Estudo sem custos, diz Dana

Paciente recebe alta do Hospital de Campanha Municipal em Manaus
(Foto: Marcio James / Semcom)

À Amazônia Real, Samy Dana disse que “não recebeu um real” do governo do Amazonas e que sua equipe “está fazendo o estudo para todos os estados e para o Brasil”, versão confirmada pela assessoria de imprensa do governador. Segundo Dana, sua equipe atua com “sete especialistas voluntários”.

O estudo foi denominado “Modelagem Brasileira de Covid-19: uma abordagem bayesiana de Monte Carlo para a propagação de Covid-19 em um contexto de conjunto de dados limitados”, e pode ser acessado na internet. Ele tem versão resumida em português e uma versão maior, em inglês.

O trabalho ainda não foi avaliado por pares, que é a fase em que uma produção científica precisa ser analisada e receber a revisão de outros especialistas. Ele foi postado em uma pré-impressão (ou preprint, como é chamado no meio acadêmico) no último domingo (03). O trabalho pode passar por revisões ou atualizações até a publicação definitiva. Também assinam o estudo os médicos Bruno A Filardi, Rodrigo N Rodriguez, Leandro Lane da Costa Valiengo e Jose Gallucci-Neto.

Em outras ocasiões, como em entrevista ao programa humorístico Pânico, da rádio Jovem Pan, onde é comentarista, ele disse que não trabalha de graça. Samy Dana já foi funcionário da Rede Globo, com quem não renovou contrato, é professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), também trabalha como consultor financeiro e costuma cobrar 40 mil reais por palestra. Ele também faz análises em canais do Youtube sobre os impactos do isolamento por causa da pandemia na economia.

Repercussão negativa em momento crítico

Prefeito Arthur Virgílio no hospital de campanha com o ministro da Saúde Nelson Teich
(Foto: Alex Pazuello/Semcom)

Procurado pela Amazônia Real, o prefeito de Manaus, Arthur Neto (PSDB) disse, por meio de nota enviada pela Secretaria Municipal de Saúde (Semcom), que ele considerou o anúncio de Wilson Lima “precipitado”, apesar de ser “um projeto bem feito do ponto de vista técnico”. Segundo a Semcom, para Arthur Neto, o simples anúncio da previsão de abertura do comércio faz com que as pessoas que estão na rua e são contra o isolamento social se sintam mais fortalecidas para continuar na rua.

“Arthur defende que se intensifique o fechamento dos estabelecimentos que insistem em desafiar as restrições de comércio de serviços não-essenciais e que se renove o apelo na mídia, em termos cada vez mais duros, para que o povo de Manaus entenda que o plano A é o isolamento social. Ele é favor de se forçar o isolamento social, de não se pensar em muitas aberturas agora”, diz a nota da Semcom.

Em entrevista à reportagem, a procuradora-geral de Justiça do Amazonas, Leda Mara Albuquerque, que integra o Comitê Interinstitucional da Covid-19 no estado, avalia que o retorno das atividades econômicas em Manaus “só vai acontecer se a curva epidemiológica sofrer um achatamento da Covid-19”. Segundo a procuradora-geral, “não há menor possibilidade do MPE concordar com o retorno das atividades se isso não acontecer”.

Ela contou que se reuniu, no último dia 30, com o governador Wilson Lima, com representantes de outras instituições, como Ministério Público Federal, Tribunal de Justiça do Amazonas e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), além de empresários do comércio e da indústria, quando tomou conhecimento do plano de retorno das atividades.

“Um dos pontos abordados [na reunião] pelo governador foi esse projeto de retomada das atividades a partir do dia 14. Ouvimos atentamente a apresentação do cronograma. Se falava num retorno gradual a partir do dia 10, depois ficou para o dia 13 ou 14. Foi muito colocado não apenas pelo MPE, como por todas as instituições que estavam lá, inclusive pelo prefeito [Arthur Neto], que esse retorno só irá se dar conforme as condições objetivas do momento. No dia 13 haverá uma avaliação da situação. As autoridades sanitárias e de saúde do Estado vão se posicionar e a partir desse balizamento técnico nós vamos ter então condições de imaginar esse retorno das atividades”, disse a procuradora-geral de Justiça do Amazonas.

Leda Mara afirmou também que o projeto de retomada “revela uma preocupação do governo com empresariado local de debater a retomada das atividades laborais”. “Lamentavelmente alguns setores da nossa sociedade ainda não compreenderam a gravidade desse momento, a importância do isolamento social. Isso resultou em mais contágio.”

Ela reforçou que “o MPE só vislumbra a possibilidade de retorno se o que foi acertado na reunião for acatado. “Se não acontecer, o MPE vai insistir no isolamento social; quiçá numa medida mais gravosa. Há uma preocupação muito grande de garantir vidas, dignidade às pessoas infectadas”, afirmou a procuradora-chefe.

Estudo não tem dados do interior

São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas (Foto: Paulo Desana/Dabakuri/Amazônia Real)

Indagados pela reportagem sobre a situação do interior do Amazonas, como os municípios de Tabatinga, no Alto Rio Solimões, e São Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro, ambos de grande concentração de povos indígenas, os autores afirmam que não possuem informações e mostraram-se preocupados com a situação dos demais municípios do Amazonas.

Dana afirmou que sua equipe “não tem dados sobre isso” e que “certamente é preocupante essa informação”. “Eu adoraria fazer um trabalho só no Amazonas, estimar por região dentro do estado. Infelizmente não temos braços para isso”, afirmou ele. “Trabalhamos nisso de madrugada, além das nossas ocupações.”

Alexandre Simas complementou, reiterando que o interior do Amazonas não foi levado em consideração nos seus estudos e apontou que a situação é “gravíssima”. Ele sugeriu medidas restritivas mais rigorosas baseadas no estudioso Thomas Conti, pesquisador do Insper, como quarentena de 14 dias, regras de distanciamento, uso de termômetros disponíveis para medir a temperatura dos membros diariamente. “No primeiro sinal de febre, pode-se assumir que é covid-19 e buscar maior isolamento da pessoa por 14 dias”, diz Simas.

Afrouxamento gradual após o pico

Enterros coletivos de pessoas de baixa renda no Cemitério N.S Aparecida, em Manaus
(Foto: Fernando Crispim/La Xunga/Amazônia Real)

O estudo de Samy Dana e Alexandre Simas projeta para o Amazonas, supondo a fila de UTI´s, “mortes diárias de 16 a 67, com mediana, em 41 no pico”. “Supondo fila única, com os dados atuais o modelo estima que o pico ocorrerá entre os dias 22 a 30 de abril de 2020”, afirma trecho do estudo. O estudo informa que “após o pico de mortes, podemos ver que há uma queda acentuada na curva” e que há uma “diminuição acentuada no número de infectados”.

“Como nossa população está em isolamento social, o controle agudo da epidemia ocorreria nesse cenário. Quando o cenário muda, obviamente é esperado um aumento adicional no número de mortes. A magnitude desse aumento dependerá de quão eficaz é o isolamento no controle da doença. Depois da taxa de mortalidade atingir o pico e um afrouxamento gradual do isolamento, podemos imaginar um cenário otimista, em que o número de pacientes assintomáticos é superior ao esperado e a curva epidêmica tenderá a uma característica mais endêmica “, diz o estudo.

Os autores também estimam que após o pico da epidemia, no início de maio, “que 10% a 15% da população já estará imunizada”.

“Nosso modelo proposto deve se comportar de maneira mais consistente com a realidade, trazendo números mais realistas para o nosso país. Portanto, oferecemos um instrumento que ajuda a prever o pico de mortes pela doença e, consequentemente, a necessidade de leitos de UTI”, diz trecho do estudo.

O estudo também mostra que a tendência apresentada “é muito sensível a mudanças nas políticas públicas, comportamento público e ou avanços médicos. Portanto, em um evento como a alteração de políticas de isolamento, a previsão está comprometida”.

Segundo o governo do Amazonas, em resposta à Amazônia Real, a rede pública do estado possui 5.690 leitos. Destes, 854 leitos foram destinados a pacientes de covid, sendo que 174 são de UTI e 680 de enfermagem. Não estão incluídos os hospitais privados e o hospital de campanha da Prefeitura de Manaus, disse resposta enviada pela Secretaria Estadual de Comunicação (Secom).

No interior, segundo a Secom, há 2.376 leitos, dos quais 73 são leitos de UCI (Unidades de Cuidados Intermediários) que estão distribuídos em 27 unidades de saúde. Outros 476 leitos de sala de estabilização (Sala Rosa).

Autor fala em transparência

O presidente Jair Bolsonaro conversa com Wilson Lima, em Manaus
(Foto: Carolina Antunes/PR)

O economista e comentarista Samy Dana já sugeriu em outro momento flexibilizar o isolamento social no Amazonas. Em entrevista no dia 29 de abril para o programa Conta+, apresentado por Dony De Nuccio no canal Investnews, ele disse que “Amazonas já está no pico” e que a projeção para o estado “em um cenário de pico, morrem 41 [pessoas]”, mas ele admite que esse dado é projetado nos óbitos notificados. Também afirma que não teve acesse aos dados sobre o número de UTI´s do próprio governo que encomendou o estudo, o que significa falta de transparência.

“Isso, as mortes que se identificam. Agora tem um papo que estão enterrando sem identificar. Estou em contato com o governador para ver se dá o número de enterros. Se for diferente, o modelo não vai estimar. Não tem milagre. Mesmo no cenário melhor, já dá colapso no sistema. A gente está falando de fila única [leitos de UTI], público e privado, 360 no Estado (….). O problema de Manaus é que o sistema de saúde é muito frágil. Qualquer coisa dá colapso lá. O vírus não é qualquer coisa. A gente tem muito dificuldades, ninguém manda os dados, ninguém fala leitos disponíveis. A gente está pegando os dados públicos.  É a pior situação do país, na proporção leito-população”, diz ele no programa Conta+. Na mesma entrevista, ele estima “mais de mil mortes no total no Amazonas”.

Perguntado, então, pela Amazônia Real sobre o recorte de sua análise, Samy confirmou que a projeção era apenas para Manaus e não para o Amazonas. Na mesma entrevista dada a Dony De Nuccio, ele projetou o pico para o Brasil entre os dias 11 e 16 de maio, com mil mortes por dia.

Ao responder sobre flexibilização após o pico de óbitos na entrevista a Dony De Nuccio, Samy Dana afirmou que a medida é necessária e que pode começar a ser feita, com cautelas e gradualmente.

“Dado que no estado de São Paulo, estamos no pico (até o dia 6)… Vamos considerar a situação de São Paulo, que se aplica ao resto. Passado o pico, pode flexibilizar? Qual deve ser a atitude a ser adotada pelas autoridades no que diz respeito à flexibilização ou não da quarentena? Pode flexibilizar?”, pergunta De Nuccio.

“Pode, mas o vírus não vai embora. O pico é de mortes. Não se eliminou a doença, não tem vacina, tem que tomar cuidado. O que a gente vê [são] medidas de distanciamento social: máscaras, higiene nas mãos, jogos de futebol sem público, flexibilizar os horários. Escola é o último a voltar”, responde Dana, que afirma usar ciência de dados e modelagens para sustentar suas estimativas.

“Tem esse negócio de duas semanas, tem que projetar duas semanas para frente para saber a medida agora. Se a gente erra agora, a gente para daqui a duas semanas”, completa o economista.

Ao justificar a flexibilização, Samy Dana compara o isolamento ao programa Big Brother, da TV Globo. Ele diz o seguinte: “Até porque a população não está respeitando…Ninguém aguenta, seja por necessidade financeira, psicológica. Você vê lá o Big Brother. O cara fica lá; os caras se matam. A gente está fazendo um big brother [isolamento] não remunerado”.

Ainda assim, economista reforça que, com o retorno das atividades, é preciso que se monitore a população e recomende-se o uso de produtos como máscaras e álcool em gel.

O que diz o governo do Amazonas?

Hospital João Lúcio (Foto do Ensaio “Insulae”, de Raphael Alves)

Procurado pela Amazônia Real, o governador Wilson Lima, afirmou por meio de nota da Secom enviada à reportagem que o pico da pandemia está projetada para até 10 de maio com início de curva decrescente a partir do dia 11, cenário “que ainda será confirmado com análises que continuam sendo feitas diariamente”.

“Estamos apresentando um plano para a retomada gradual das atividades comerciais, baseado num estudo que nós fizemos com especialistas, indicando que nós agora estamos no pico da doença. Mas é preciso levar em consideração que esse pico pode se manter, de acordo com o comportamento social”, afirmou o governador Wilson Lima, no dia 30. O anúncio foi amplamente divulgado na mídia local.

A nota da Secom enviada nesta segunda-feira (04) diz que “desde o início, o Estado tem destacado que o achatamento da curva depende do respeito às medidas de isolamento social, consequentemente, a reabertura gradual das atividades econômicas não essenciais está condicionada ao registro decrescente do número de casos”.

Segundo a Secom, a “abertura gradual das atividades econômicas depende do cumprimento do decreto que prorrogou as medidas de isolamento social e, consequentemente, do achatamento da curva de casos confirmados do novo coronavírus”.

Perguntado por que não pediu um estudo a instituições como Fiocruz, Universidade Federal do Amazonas (UFAM) ou Universidade do Estado do Amazonas (UEA), a Secom disse que “o estudo não depende de entender a realidade local e, sim, do uso da ciência para avaliar dados objetivos”. “Dessa forma, não impede que outras instituições federais, como Fiocruz e Ufam, também façam projeções científicas do comportamento da pandemia no Estado”, diz a nota oficial.

A reportagem também perguntou por que, quando fez o decreto em 16 de março, o governo não especificou o isolamento social e nem determinou uma quarentena de 14 dias de confinamento da população, como fizeram os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Maranhão. A Secom disse que “o Estado adota medidas para o enfrentamento da covid-19 a partir da análise de dados monitorados diariamente e tem atuado, desde antes da confirmação dos primeiros casos de covid-19 no Amazonas, no enfrentamento da doença. Para isso, estabeleceu o Plano de Contingência Estadual para Infecção Humana pelo Covid-19. Qualquer mudança nas medidas de distanciamento social será informada amplamente em canais oficiais do governo”.

O governo do Amazonas informou ainda que, antes da pandemia, “o contrato de gestão com a Organização Social [Instituto Nacional de Desenvolvimento Social e Humano] que administra do Hospital Delphina Aziz, referência para tratamento de covid-19, cobria 132 leitos, dos quais 50 de UTI, entre outros serviços:  gestão da UPA Campos Sales, um centro de diagnóstico que atende além do hospital toda a rede pública,  centro cirúrgico, atendimento ambulatorial, entre outros serviços. Desde sábado (02/05), a capacidade máxima da unidade – 350 leitos – está em funcionamento, sendo que 1.000 desses leitos são de UTI”.

O Ministério da Saúde reafirmou em 6 de abril, no Boletim Epidemiológico Especial no. 7, que há uma preparação e resposta segundo cada intervalo epidêmico para regiões com “Aceleração” dos caso. O boletim explica as ações que devem ser seguidas pelos estados e municípios com alta da curva epidemiológica, entre elas:

● Distanciamento Social Ampliado ou bloqueio geral (lockdown) para manter a capacidade do Sistema de Saúde

● Orientação sobre o uso de máscaras para a população em geral

● Ampliação da realização de testes para profissionais de saúde e trabalhadores de serviços essenciais

A reportagem da Amazônia Real enviou perguntas à assessoria de imprensa do governador Wilson Lima para saber se ele irá tomar novas medidas sobre o Distanciamento Social Ampliado, mas não tivemos respostas até o fechamento desta reportagem.

Corpo retirado das Câmera frigorífica no cemitério N. Sra. Aparecida no Tarumã
(Foto do Ensaio Insulae de Raphael Alves)

 

 

Fonte: https://amazoniareal.com.br/coronavirus-wilson-lima-planeja-flexibilizar-isolamento-no-amazonas-com-base-em-estudo-de-comentarista-samy-dana/

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