Uma ação inusitada assustou os moradores da pequena cidade de Iracema, em Roraima, próximo da fronteira com a Venezuela. O piloto de um helicóptero, ligado ao garimpo ilegal, pousou nesta quarta-feira (10) na Agrovila do Projeto de Assentamento Campos Novos e deixou no local, em uma área desabitada, os corpos dos quatro brasileiros assassinados em uma terra indígena, não identificada, região do Cerro Delgado Chalbaud, no estado venezuelano de Amazonas.
O Instituto Médico Legal (IML) de Boa Vista informou, nesta quinta-feira (11), que os corpos dos brasileiros foram resgatados e passam por exame de necropsia com auxílio de médicos legistas e odontologistas para realização da identificação das pessoas. O resultado da necropsia não tem prazo para ser divulgado, disse um funcionário do órgão.
À agência Amazônia Real, o minerador José Altino Machado, fundador da União Sindical dos Garimpeiros da Amazônia Legal (Usagal), disse que este tipo de ação, o resgate dos corpos, aponta que os garimpeiros brasileiros se anteciparam para fazer o translado antes da chegada da comissão do Ministério Público da Venezuela, que se deslocou na terça-feira (9) de Caracas para investigar as mortes no Cerro Delgado Chalbaud.
“A atividade garimpeira não deixa ninguém para trás, ela busca até morto. Não é [o translado] coisa ruim o que eles fizeram, Pelo contrário, deram a demonstração que sempre existiu na classe garimpeira: os companheiros a gente busca, os bandidos e ladrões é que não conseguem sobreviver”, disse Machado.
Imagens feitas por garimpeiros na região do Cerro Delgado Chalbaud mostram um helicóptero decolando, ontem (10) de uma área de garimpo, com uma corda amarrada em uma rede, como se fosse um puçá de salvamento, na qual foram acomodados os quatro corpos dos brasileiros: três homens e uma mulher, que seria a cozinheira do garimpo. Em outro vídeo, o mesmo helicóptero aparece deixando os corpos na área de lavrado, desabitada, da Agrovila Campos Novos, que fica a 93 quilômetros de distância de Boa Vista, a capital roraimense. O município de Iracema tem pouco mais de 10 mil habitantes.
Além dos quatro brasileiros, mais um venezuelano foi morto na chacina que aconteceu entre os dias 6 e 7 de agosto. Uma das vítimas seria o garimpeiro “Branquinho”, dono do maquinário para o garimpo ilegal no país vizinho.
Em vídeo, um indígena acusa supostamente militares da Guarda Nacional da Venezuela nos crimes. “Foi a Guarda, foi a Guarda que mataram cinco trabalhadores, garimpeiros, e a cozinheira”, diz o indígena, que mostrou os cartuchos de munição. O vídeo mostra apenas as mãos do indígena, que não identificou sua etnia e nem o território.
Uma fonte ligada à Guarda Nacional da Venezuela disse à Amazônia Real que a munição que aparece no vídeo, mostrado pelo indígena, não pertence a armamentos usados pelos militares.
Na terça-feira (9), o Ministério do Interior e Justiça da Venezuela anunciou a abertura de uma investigação sobre as mortes em Cerro Delgado Chalbaud, que fica no rio Orinoco, região também conhecida como Parima B. Segundo o órgão, uma equipe se deslocou de avião de Caracas à Puerto Ayacucho. Depois andaria mais cinco horas de caminhada pela floresta para chegar à terra indígena. Nesta quinta-feira (11), o ministério não se pronunciou sobre o resgate dos corpos.
A Polícia Federal, em Roraima, e o Ministério das Relações Exteriores, também não comentaram o assunto.
Em nota enviada à reportagem, a assessoria de imprensa da Polícia Civil de Roraima disse que o crime ocorreu na Venezuela. “A responsabilidade quanto à investigação é da polícia do país vizinho”.
Segundo José Altino Machado, na região do Parima B estariam trabalhando cerca de 30 mil garimpeiros. O minerador disse que o resgate dos corpos dos brasileiros no Cerro Delgado Chalbaud foi uma solução extra diplomacia do governo Bolsonaro.
“Quem iria esperar mais? Conversar com quem? Não tem embaixada da Venezuela no Brasil. O governo brasileiro sabia que tinha morrido. Qual foi a missão do governo brasileiro? Qual foi o interesse do governo brasileiro? Teve alguém do governo que quis ir atrás dos corpos? Não teve. Não teve uma interlocução do governo com os venezuelanos”, disse.
O presidente Jair Bolsonaro é um incentivador da exploração mineral em terras indígenas. Desde que assumiu o governo em 2019, aumentou a invasão de garimpeiros nos territórios Yanomami, em Roraima, Munduruku, no Pará, e no Vale do Javari, no Amazonas. Além da poluição das águas com o mercúrio, os garimpeiros destroem florestas nativas e levam doença às populações tradicionais, como malária e o novo coronavírus. Leia a série de reportagens Sangue do Ouro Yanomami.
Kátia Brasil é co-fundadora e editora executiva da agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real, com sede em Manaus (AM). Formada pela Faculdade Hélio Alonso, no Rio de Janeiro, é radicada na Amazônia desde os anos 1990, onde trabalhou na TV Cultura e jornais O Globo, A Gazeta de Roraima, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Entre os prêmios que ganhou estão o Esso Regional Norte 1991 e Women Journo Heroes (#JournoHeroes), da International Women’s Media Foundation (IWMF), em 2019. Ganhou o Prêmio Abraji de 2020 e o Comunique-se em 2021. Está na segunda posição dos +Premiados da Imprensa Brasileira 2021. É conselheira da Artigo 19, da Énois escola de jornalismo e do projeto Tornavoz. Integra o forbiddenstories.org (katia@amazoniareal.com.br)
Fonte: https://amazoniareal.com.br/corpos-de-mortos-na-venezuela-sao-resgatados-por-garimpeiros/
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