Pesquisadores e lideranças indígenas ouvidas pela Amazônia Real criticam a Declaração de Belém por conta das omissões e da falta de encaminhamentos sobre o fim do desmatamento, políticas voltadas à descarbonização e alternativas energéticas que não o petróleo (Foto: Oswaldo Forte/ OTCA).
Belém (PA) – O documento final da Cúpula da Amazônia parece ter chegado pronto de Brasília, sem espaço para contribuições. Foi essa a impressão que pesquisadores, indígenas e povos tradicionais tiveram ao ler o texto. Desde sexta-feira (4), milhares de pessoas reunidas na capital paraense discutiram e apontaram soluções para as urgências da Amazônia e dos seus mais de 50 milhões de habitantes. Mas pontos cruciais discutidos nos Diálogos Amazônicos, evento oficial promovido pelo governo brasileiro e que antecedeu à cúpula, foram ignorados na Declaração de Belém.
“A postura do Brasil foi a pior possível. É um país que está, como vários outros grandes produtores de Petróleo, em plena corrida pela exploração de óleo, para abrir uma nova fronteira na margem equatorial. O Brasil está achando que vai ser o último vendedor de petróleo do planeta”, ironizou Claudio Ângelo, pesquisador do Observatório do Clima, em entrevista à Amazônia Real, na manhã seguinte ao lançamento da declaração.
O Observatório do Clima aponta que a declaração trouxe “compromissos genéricos”, que permitirão “farra do petróleo” e pouca eficácia no combate ao desmatamento – “até que o mundo queime”.
A proposta de limitar novas frentes de exploração de petróleo, defendida com veemência por Gustavo Petro, presidente da Colômbia, não foi mencionada na Declaração de Belém, tampouco no Comunicado Conjunto dos Países Florestais em Desenvolvimento, lançado no fim da manhã desta quarta-feira (9). Já a proposta brasileira de zerar o desmatamento na região amazônica até 2030 ficou de fora do documento por objeção da Bolívia.
Pouco depois do meio-dia desta quarta-feira, primeira vez em que falou à imprensa durante a Cúpula da Amazônia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cobrou investimentos dos países mais ricos, industrialmente desenvolvidos e potencialmente mais poluidores. “Não é o Brasil que precisa de dinheiro, não é a Colômbia que precisa de dinheiro, não é a Venezuela; é a natureza que o desenvolvimento industrial, ao longo de 200 anos, poluiu; [a natureza]] que está precisando que eles paguem sua parte agora para a gente recompor aquilo que foi estragado”, disse.
Lula aposta em uma espécie de desenvolvimentismo “verde” que, contraditoriamente, envolve a exploração de combustíveis fósseis. É com esse apelo que ele vai atrás de investimentos internacionais. Antes da primeira reunião da Cúpula da Amazônia, os presidentes receberam seis representantes da sociedade civil, que levaram seis relatórios produzidos com base nos painéis, mesas e discussões paralelas ocorridas antes do encontro. Em todos eles, sem exceção, incluindo o relatório dos povos indígenas, levado à plenária por Toya Manchineri, coordenador geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), tratavam de condenar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e clamavam por uma transição energética justa e participativa. Entregues a toque de caixa, as reivindicações não fizeram parte dos acordos firmados pelos países da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).
“O Brasil não só não quer ouvir falar de eliminar combustíveis fósseis, como a gente teve falas francamente negacionistas de ministros do Brasil”, afirma Cláudio Ângelo.
Ao mencionar posturas negacionistas de membros do governo, o pesquisador se refere especialmente ao ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que defende a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Silveira, minutos após o lançamento da Declaração de Belém, chegou a afirmar que o governo possui estudos que se contrapõem, “de forma clara e cristalina” ao relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (IPCC).
O relatório do IPCC, lançado este ano, aponta que para o planeta não ultrapassar a meta de aquecimento acima de 1,5ºC, os países não deveriam abrir novas frentes de exploração de petróleo, além de descontinuar – rapidamente – as já existentes.
“Nenhum cientista consegue afirmar quando essa transição estará consolidada a ponto de podermos abrir mão da necessidade de uso de algumas matrizes energéticas”, afirmou o ministro, defendendo a exploração de petróleo, quando perguntado sobre os planos do Brasil sobre sua transição energética. A transição implica na substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis.
A posição de Alexandre Silveira encontra eco em parte do Executivo federal, conforme analisa o Observatório do Clima, em nota publicada horas depois da divulgação da Declaração de Belém. “O Brasil ajudou a enterrar qualquer menção a uma eliminação gradual de combustíveis fósseis. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem insistindo em abrir uma nova fronteira de exploração de petróleo na costa amazônica, contrariando todas as recomendações”, assinalou a nota.
Transição energética
Antes de deixar o Hangar Centro de Convenções, sede da Cúpula da Amazônia, em Belém, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, falou da atuação responsável da empresa e seus projetos de sustentabilidade. “Eu acho que ainda é cedo para tratar de um assunto tão drástico”, defendeu Prates, respondendo a perguntas dos jornalistas sobre a hipótese de o Brasil deixar de explorar petróleo.
Questionado sobre os novos projetos de expansão da Petrobras na Amazônia e transição energética, Prates rebateu dizendo que a transição energética não significa “ruptura” e “não acontece do dia para a noite”. “O que nós temos que fazer é discutir como o uso do petróleo, que ainda vai durar algumas décadas, pode ajudar a financiar a transição energética”, justificou.
As declarações de um membro do alto escalão do governo Lula pesaram na atmosfera de Belém, onde ainda se encontram dezenas de participantes dos eventos dos últimos dias, muitos deles ainda em reuniões, debates e articulações em agendas privadas. “A gente sempre tem a esperança de que eles [presidentes] ouçam a sociedade civil, ainda mais no cenário em que estamos, absolutamente extraordinário de emergência climática. Mas isso não aconteceu”, resumiu Ângelo.
A exploração de petróleo na Foz do Amazonas é um tema polêmico por conta dos impactos das atividades de prospecção na região, largamente apontados pelos cientistas. Para entender a complexidade da questão é preciso ainda incluir duas variáveis: o grau de vulnerabilidade socioambiental acumulada ao longo de décadas de extrativismo predatório na região e a urgência planetária de reduzir as emissões e substituir suas matrizes energéticas.
“Ao falhar em incorporar no documento a proposta colombiana de suspender a exploração de petróleo, gás e carvão mineral, os países amazônicos se juntam a vilões climáticos tradicionais, como Arábia Saudita, Rússia e EUA, e novos, como Reino Unido”, defende o Observatório do Clima.
“A gente já esperava”
Em entrevista à Amazônia Real na manhã desta quarta-feira (9), quatro caciques e uma cacica da região do Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque, no Amapá, não se mostraram surpresos com o que viram e com as notáveis ausências no documento final.
Tristes e já em articulação para seguir defendendo seus territórios, as lideranças disseram que não houve escuta do governo aos povos indígenas a respeito da exploração de petróleo na Amazônia – uma das principais reivindicações dos mais de mil indígenas ao longo de todos esses dias de mobilizações e eventos paralelos na capital paraense, a exemplo da Cúpula dos Povos Indígenas, ocorrida no último sábado (5).
“A gente já esperava por isso, porque já tínhamos ouvido o presidente se manifestar favorável à exploração de petróleo. Nós já estamos sofrendo os impactos da exploração dessa exporação”, declarou a cacica Renata Lod, do povo Galibi Kali’na, da Terra Indígena Galibi, no Amapá. A cacica disse à reportagem, que antes da negativa do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de conceder licença à Petrobras para perfurar poços de petróleo na Foz do Amazonas, havia um grande fluxo de aeronaves sobre a Terras Indígenas Galibi Kali’na, Juminã e Uaçá.
“Era rotina os sobrevoos e eles estavam justamente em cima das aldeias. Isso estava causando pânico e medo, assustando nossos parentes. Sem contar os impactos diretos no cotidiano das aldeias. Nós temos vários relatos de pessoas que saíram para caçar e não conseguiram caçar, porque o barulho estava assustando as caças”, afirmou a cacica Renata.
Outra preocupação dos povos indígenas da região, que serão afetados caso os planos de exploração de petróleo na Foz do Amazonas sigam em frente, é o aumento populacional no município do Oiapoque e o fluxo de embarcações e as alterações das marés, considerando que as comunidades vivem cercadas por campos alagados e nas margens dos rios.
A possibilidade de ver as aldeias debaixo d’água desespera o cacique Guísel Galibi Marworno. “No verão, a maré chega até nossas comunidades indígenas e a gente teme o que pode acontecer. Se esse projeto sair, a gente vai precisar que os estudos [de impacto] sejam feitos de forma aprofundada para que a gente possa ter alguma segurança para nós e para as nossas famílias”, disse.
Fonte: https://amazoniareal.com.br/dialogos-amazonicos-ignorado/
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