Por Amazônia Real

No episódio final da série “Ciência na Amazônia”, o doutor em antropologia revela como foi a opressão católica contra seu povo Yepamahsã e fala sobre a resistência durante o governo Bolsonaro (Foto de César Nogueira/Amazônia Real)


Manaus (AM) – Yupuri é o nome na língua do povo indígena Yepamahsã (mais conhecido como Tukano) de João Paulo Lima Barreto, filósofo, antropólogo e criador do Bahserikowi –  Centro de Medicina Indígena, em Manaus. Ele é o último personagem da série de documentários “Ciência na Amazônia” produzida pela Amazônia Real com o apoio do Instituto Serrapilheira. O episódio estreia no dia 25 de agosto no canal do Youtube da agência e, no dia 26, no programa Megafone da Rede TVT de São Paulo.

Barreto é um dos intelectuais de maior reconhecimento nas ciências sociais e humanas na atualidade, atuando como pesquisador, consultor e palestrante no Brasil e no exterior. Nascido na comunidade Ʉremiripa (Corredeira do Rouxinol, em português), região do rio Tiquié, no Alto Rio Negro, no Amazonas, o doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) faz no documentário um relato marcante das principais características de seu povo e recorda os anos de opressão religiosa imposta por missões católicas. “Meu avô me contava, quando eu era criança, que a igreja começou a perseguir essas pessoas especialistas, numa relação direta, comparando com o bruxo deles. Bruxo, na sociedade europeia, como a gente sabe, é um ser perigoso, uma pessoa perigosa, que transforma poção em magia, mata as pessoas”, lembra Barreto no documentário. 

Ele diz também que a igreja interferiu na cultura e modo de vida do seu povo. “Começaram a colocar a língua portuguesa como modelo de vida social, modelo de vida civilizada, modelo de vida intelectual. Eu nasço nesse período. Eu sou fruto dessa imposição cultural”, afirma Barreto. 

O quinto episódio da série “Ciência na Amazônia”, dirigida pela jornalista Kátia Brasil, cofundadora da Amazônia Real,  vai além da inserção de Barreto na pesquisa acadêmica. O antropólogo resgata seu processo de conscientização política, a passagem pelo movimento indígena, de sua formação acadêmica e narra a criação do Bahserikowi – Centro de Medicina Indígena, fundado por ele em 2017. O centro é resultado de uma luta que começou em 2009, quando Barreto e sua família impediram que a perna de sua sobrinha, picada por uma jararaca, fosse amputada por médicos de Manaus.

Esse fato o impulsionou a continuar os estudos da antropologia até chegar ao doutorado. Sua tese “Kumuã na kahtiroti-uruse: uma ‘teoria’ sobre o corpo e o conhecimento-prático dos especialistas indígenas do Alto Rio Negro” foi premiada pela Capes (Centro de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), em 2022.

No mesmo ano, a tese foi publicada com o título “O mundo em mim- uma teoria indígena e os cuidados sobre o corpo no Alto Rio Negro” (editado pelo IEB Mil Folhas). A obra explora o lugar que a medicina indígena e as práticas de saúde, a partir dos especialistas de seu povo, chamados de Kumu ou Kumuã, ocupam no espaço dos conhecimentos e no tratamento do corpo e da mente dos humanos. Os personagens-chaves na vida dele são os kumuã Tukano, sobretudo seu pai, Ovídio Barreto, e seus tios, Manoel Lima (do povo Tuyuka) e Durvalino Fernandes (do povo Desana).

A entrevista com João Paulo Barreto foi realizada no Centro de Medicina Indígena , em Manaus
(Foto: César Nogueira/Amazônia Real)

A série “Ciência na Amazônia” foi lançada pela agência Amazônia Real no dia 10 de dezembro com o título “O homem da natureza”, e retratou o cientista norte-americano Philip Martin Fearnside, radicado na região amazônica há 40 anos. Também participaram da série a antropóloga e linguista Ana Carla Bruno, com o episódio “Para além da resistência”; o epidemiologista Jesem Orellana, com o episódio “O epidemiologista que enfrentou o negacionismo”; e a historiadora Patrícia Melo, com o episódio “Rompendo o silêncio”.

Participam da produção da série “Ciência na Amazônia” profissionais do audiovisual do Amazonas como César Nogueira (cinematografia e montagem), Naila Fernandes (som direto), Valentina Ricardo (coloração) e Heverson Batista, o Batata, e Diego Freitas (mixagem do som); além de integrantes da equipe da agência de jornalismo: Elaíze Farias (pesquisa), Alberto César Araújo (pesquisa no acervo de imagem e fotografia); Cristina Camargo (consultora de projeto); Lívia Lemos (designer e redes sociais) e Iris Brasil (produção de conteúdo). O projeto “Ciência na Amazônia” conta com apoio do Instituto Serrapilheira para fomentar a divulgação científica no Brasil. 

Na série, os cientistas da Amazônia contam como enfrentaram o silenciamento forçado, o negacionismo, os ataques e a falta de recursos durante os quatro anos do governo Bolsonaro. Também abordam temas como o preconceito, a resistência diante das dificuldades e as perspectivas para o futuro. Os documentários foram filmados durante a campanha para as eleições presidenciais de 2022, em Manaus.

No documentário, Barreto fala também sobre o impacto do governo Bolsonaro nas pesquisas científicas e compara a dificuldade da chegada das vacinas contra a Covid para os povos indígenas às antigas estratégias de colonização.  

“O episódio do Paulinho, como chamamos ele na intimidade, é um grito, uma libertação de tudo que ele enfrentou para estudar, para chegar onde está hoje, reconhecido como um cientista dos mais conceituados na sua área de atuação. Sempre quis ter o prazer de contar sua história e consegui através do audiovisual. Me sinto realizada e quero agradecer toda nossa equipe que participou desta série e o Serrapilheira pelo apoio”, diz Kátia Brasil.   

De frentista a cientista

João Paulo Lima Barreto na região do Alto Rio Negro, no Amazonas
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Ativista indígena, filósofo, professor e consultor, João Paulo Barreto vive em Manaus e atua como pesquisador do Núcleo de Estudos da Amazônia Indígena (NEAI/UFAM). Ele é também membro do SPA (sigla em inglês para Painel Científico para a Amazônia), da Academia Brasileira de Ciência, do Comitê Científico Sou Ciência, da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), além de coordenador do Fórum Povos da Rede Unida.

O caminho até o doutorado foi cheio de obstáculos. Ele passou pelo seminário católico e, aos 16 anos, saiu da aldeia para estudar em Manaus; foi frentista de posto de combustível, professor do ensino fundamental e chegou a entrar no curso de Direito na Universidade Estadual do Amazonas (UEA), que interrompeu.

No documentário, conta por que ingressou na antropologia. Um dos motivos foi a conclusão que teve ao observar conceitos traduzidos de forma equivocada por outros estudos antropológicos sobre seu povo. Então, decidiu estudar baseando-se na própria epistemologia dos Tukano e demais povos do Alto Rio Negro.

“Estava muito inquieto com os conceitos indígenas. Termino a minha dissertação problematizando essa tradução equivocada que foi feita pela antropologia. Pego o termo Waimahsã (o outro), que foi traduzido pela antropologia, ao longo da história, como peixe-gente. Quando eu começo a estudar, não é bem isso. Waimahsã para nós é ‘o outro’, que eu não conheço mas sei que está lá. É muito além do que a antropologia traduziu ao longo dessa história”, explica Barreto.

Veja os episódios da série Ciência na Amazônia com:

 Philip Martin Fearnside;

Ana Carla Bruno;

Jesem Orellana;

e Patrícia Melo.


Serviço

Lançamento do 5º episódio da série “Ciência na Amazônia”: 

“Yupuri” –  João Paulo Lima Barreto

Onde: canal do YouTube da Amazônia Real

Data: 25 de agosto (sexta-feira)

Horário: 9h ( horário de Manaus) / 10h em Brasília

Programa Megafone da TVT São Paulo

Data: 26 de agosto (sábado)

Horário: às 20h (horário de Brasília)

Apoio financeiro: Instituto Serrapilheira

Realização: Amazônia Real

Fonte: https://amazoniareal.com.br/joao-paulo-barreto/

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