Por Eduardo Nunomura

Por meio da Lei de Acesso à Informação, reportagem teve negada a solicitação por dados de prefixos de aeronaves que sobrevoaram o território indígena em fevereiro (Foto: Reprodução/Ibama)


Sob a alegação de proteger informações pessoais, a Força Aérea Brasileira (FAB) negou informar os prefixos de aeronaves que invadiram a Terra Indígena Yanomami (TIY). Por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), a reportagem da Amazônia Real acionou o Chefe do Estado-Maior da Aeronáutica para saber quais aviões sobrevoaram as áreas de garimpo ilegal ainda em fevereiro. Além da solicitação inicial, a agência teve de recorrer por duas vezes até receber, no mês passado, a negativa final de que os dados solicitados se referem “à intenção de voo de pessoas específicas” e, por isso, não podiam ser informados.

A justificativa só favorece aos invasores da TIY, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas. Em vigor desde 1º de fevereiro, a FAB criou três corredores na chamada Zona de Identificação de Defesa Aérea (Zida). Neles, todas as aeronaves que desejassem poderiam sair livremente dos garimpos ilegais, sem punição ou risco de abate. A Zida faz parte da Operação Escudo Yanomami, uma das medidas criadas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para combater a mineração criminosa que se arrasta há anos e vive agora seu momento de maior violência. Conhecer quais aeronaves decidiram, por livre iniciativa, sair permitiria criar o mapa de quem está por trás da exploração do garimpo ilegal.

A Aeronáutica afirma que esses dados solicitados pela reportagem só poderão ser divulgados “se forem objeto de investigação e a pedido da Justiça”. Porém, segundo a LAI, o órgão precisa esclarecer de forma pormenorizada os motivos para o não-cumprimento do pedido de informação. A alegação de “dados pessoais” é uma resposta genérica, que não cabe tanto pela LAI como pela Lei 13.709/2018 (a Lei Geral de Proteção de Dados).

Outra informação relevante é que ao se negar a informar dados de prefixos de aeronaves, considerando que ela revelaria “intenção de voo de pessoas específicas”, a FAB deixa de informar à sociedade quais empresas estariam operando dentro da TIY. Não existe proteção de dados para empresas que tenham invadido garimpos ilegais em qualquer parte do território nacional.

Em vez de cumprir a LAI, a Aeronáutica preferiu oferecer uma lista extensa de notas à imprensa, que mostram as ações do órgão dentro da TIY. Elas são sempre positivas para a imagem das Forças Armadas: “FAB realiza missão de ajuda humanitária em Terra Yanomami”, “Importância da Aviação de IVR na Operação Yanomami” e “Fardas doadas pela FAB transformam-se em roupas para crianças Yanomami”.

Em visita de urgência à capital Boa Vista, no último fim de semana, a ministra do Meio Ambiente e Mudanças do Clima, Marina Silva, garantiu que o governo Lula não recuaria diante da escalada da violência na TIY. Desde sábado (29), 12 garimpeiros e 1 indígena foram mortos. Marina prometeu a intensificação nas ações contra o garimpo ilegal, contando com o “suporte das Forças Armadas”, que ajudaria no “suporte logístico, toda a parte operacional para que a gente possa dar uma resposta à altura” dos crimes que vêm sendo cometidos contra o povo Yanomami.

No recurso de segunda instância, a Aeronáutica informou a este repórter que as aeronaves, segundo o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), dentro da Lei 7.565/1986, podem ser públicas (da União, dos Estados e do Distrito Federal) ou privadas. Destas, elas podem pertencer a companhias aéreas como Gol, TAM e Avianca, por exemplo, ou serem “privadas em seu sentido mais estrito da palavra (de um empresário, de um produtor, ou quem quer que seja)”. E prossegue: “Assim, fornecer os prefixos de aeronaves que tiveram autorização para circular dentro dos três corredores liberados pela Força Aérea Brasileira na chamada Zona de Identificação de Defesa Aérea (Zida), na Terra Indígena Yanomami, no período referenciado, seria o mesmo que fornecer informações sobre a movimentação de seus proprietários”.


O decreto da Zida, na prática, beneficiou os invasores da TIY. Embora fizesse menção ao artigo 303 do CBA, a Lei 7.565, que prevê o abatimento de aeronaves que não respeitem a ordem de pouso quando forem notificadas, não há informação de que tenha ocorrido esse tipo de ação. A Zida foi desativada no dia 6 de abril, o que significa que o tráfego aéreo, com exceção de aeronaves militares ou a serviço de órgãos públicos envolvidos na Operação Yanomami, voltou a ser proibido em quase metade da TIY (área vermelha).

Em junho de 2021, a Amazônia Real, em parceria com a Repórter Brasil, publicou a série Ouro do Sangue Yanomami, que mostrava como funcionava a cadeia ilegal do ouro em Roraima. Numa das reportagens, revelou que uma das formas de conter a atividade criminosa é estrangulando a logística do garimpo, baseado no tráfego aéreo. Mas, à época, o procurador da República Alisson Marugal já dizia: “Mas a fiscalização, responsabilidade da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e da FAB (Força Aérea Brasileira), é muito frágil”.

Informações públicas

Garimpo no rio Uraricoera, Terra Indígena Yanomami (Foto: Bruno Kelly/HAY)

Informações acerca de dados de deslocamento de aeronaves são públicas e disponibilizadas na internet em sites como radarbox.com e planefinder.net. No caso de aeronaves brasileiras, a Agência Nacional de Aviação (Anac) disponibiliza o Registro Aeronáutico Brasileiro, um banco de dados público e acessível, onde podem ser obtidas informações como “proprietário”, CPF/CNPJ”, “operador”, “modelo”, “número de série” das aeronaves. 

O veto a tornar pública a informação de donos de aviões que viabilizam a mineração de ouro na TIY coloca em xeque a intenção do governo federal de combater o garimpo ilegal. Desde meados de janeiro, quando o governo Lula deflagrou uma operação de ajuda humanitária aos Yanomami, os órgãos federais passaram a atuar em Roraima. A própria FAB viabilizou a construção de hospitais de campanha e a recuperação do tráfego aéreo para levar ajuda humanitária aos indígenas.

Em abril, o Ibama e a Polícia Rodoviária Federal incendiaram duas aeronaves que atuavam ilegalmente na TIY, chegando a um total de 20 aeronaves destruídas. Os aviões servem de suporte para o garimpo, levando desde insumos e pessoas para áreas isoladas dentro do território indígena demarcado. Desde a proibição no fluxo de embarcações pelos rios Uraricoera e Mucajaí, a via aérea tem sido a única forma para abastecer as instalações garimpeiras. 

A FAB, em outra manifestação para negar o acesso aos dados, informou que “em cumprimento ao Decreto nº 5.144 de 16 de julho de 2004, “mantém-se operações militares, tais como Ostium, Ágata, Javari, Yanomami, entre outras”. Foi nos últimos quatro anos, a despeito dessas operações, que o garimpo ilegal na TIY ganhou proporções desmedidas e gerou a crise humanitária entre os indígenas de Roraima.

Em 30 de janeiro, o presidente Lula lembrou que assinou “um decreto dando poderes às Forças Armadas, ao ministro da Defesa, ao Ministério da Saúde” e ainda fez promessas: “Nós vamos tomar todas as atitudes para acabar com o garimpo ilegal, tirar os garimpeiros de lá, e vamos cuidar do povo yanomami”.

Fonte: https://amazoniareal.com.br/fab-nega/

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