Em novo ataque, os garimpeiros furaram pneus do ônibus que levaria lideranças à Brasília e ameaçaram incendiar o veículo com os motoristas dentro

Na imagem acima, ônibus que levava os indígenas Munduruku à Brasília, e foi atacado em Jacareacanga, PA (Foto: reprodução redes sociais).


Cícero Pedrosa Neto e Elaíze Farias, da Amazônia Real

Belém (PA) e Manaus (AM) – Um novo ataque colocou em risco a vida de lideranças Munduruku que defendem o fim das atividades ilegais, sobretudo do garimpo, em seu território, na bacia do rio Tapajós, no Pará. Na manhã de quarta-feira (09), um ônibus que deveria transportar uma comitiva da Terra Indígena Munduruku até Brasília foi bloqueado por um grupo de garimpeiros, entre eles indígenas pró-garimpo. A comitiva pretendia se juntar aos protestos contra as pautas anti-indígenas que devem ser votadas nos próximos dias no Congresso Nacional.

O ônibus da empresa J Quaresma havia partido de Itaituba rumo à Jacareacanga, cidades do Sudoeste paraense e distantes cerca de 400 quilômetros uma da outra. O veículo buscaria os caciques e outros membros da comitiva do Alto Rio Tapajós que desde a noite do dia 8 aguardavam o embarque dos novos passageiros na aldeia Jacarezinho.

Um outro ônibus, partindo de Itaituba, conseguiu furar um eventual bloqueio dos garimpeiros e seguiu viagem com 42 lideranças do Médio Tapajós. Outras 72 lideranças (do Alto Tapajós), que embarcariam no ônibus atacado, ainda aguardam condições de segurança para sair de Jacareacanga, segundo informou a liderança Alessandra Korap Munduruku à Amazônia Real nesta sexta-feira (11).

Segundo Alessandra Korap Munduruku, os garimpeiros estavam concentrados próximos ao quilômetro 180 da rodovia BR-230 depois de receber informações de que “ia um ônibus contra garimpo lá para Brasília [e que] então era para queimar as pontes da estrada”. Por volta das 9h de quarta-feira (9), o veículo foi interceptado no trecho que dá acesso à aldeia Jacarezinho.

No veículo estavam apenas o motorista, Ederson Ferraz de Sá e o seu colega, que se alternavam na condução do veículo. No boletim de ocorrência que registrou, o motorista informou que um grupo de indígenas, afirmando serem favoráveis ao garimpo, furaram os pneus e ameaçaram atear fogo ao ônibus – com ele e outro motorista a bordo. Segundo Alessandra, o grupo de garimpeiros também era composto por não-indígenas.

Em áudios que circularam no dia 09, aos quais a Amazônia Real teve acesso, garimpeiros trocaram mensagens planejando atear fogo em pontes da cidade para impedir a viagem das lideranças.

“Tem que fechar de novo! Toca fogo numa ponte e pronto! Toca fogo nos helicópteros também!”, diz um garimpeiro. “É verdade, agora bem aí era bom tocar mesmo fogo lá na ponte, para o micro-ônibus não passar…”, diz outro.

Alessandra Korap Munduruku relatou que desde o ataque à casa da liderança Maria Leusa, os Munduruku já vinham alertando às autoridades para o avanço da violência contra os indígenas. Ela contou à Amazônia Real que na segunda-feira (07), os caciques decidiram viajar para protestar em Brasília.

“Os caciques decidiram ir para Brasília e articulamos entre as nossas organizações. Eles (garimpeiros) estavam recebendo informação no meio da estrada, no 180, onde tem muito garimpeiro, avisando que ia um ônibus de indígenas contra garimpo; que era para queimar as pontes da estrada”, disse Alessandra Munduruku, que é da região do Médio Tapajós e está na comitiva que conseguiu sair de Itaituba, sem a barreira dos garimpeiros.

Alessandra Korap Munduruku no ATL 2019 em Brasília
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Até a publicação desta reportagem, o pedido de escolta para a comitiva dos Munduruku que viajariam no ônibus atacado pelos garimpeiros ainda não tinha sido atendido. Alessandra se queixou da falta de segurança na TI Munduruku e afirmou que o objetivo dos garimpeiros é isolar Jacareacanga para impedir a circulação dos indígenas e das autoridades.

Na fronteira do Pará com o Mato Grosso, Jacareacanga virou um local dominado pelos garimpeiros. Pressionada pelos garimpeiros, a Polícia Federal junto com outras forças federais, suspendeu a Operação Mundurukânia no último dia 27 e se retirou do local.

Apesar de a Justiça Federal pedir o retorno da operação de fiscalização determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nada foi feito até agora e esse era um dos motivos do protesto em Brasília da comitiva dos Munduruku.

Protestos em Brasília

Casas incendiadas de Maria Leusa Kaba Munduruku. coordenadora da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn e de sua mãe na aldeia Fazenda Tapajós, próximo do município de Jacareacanga (PA). (Foto Reprodução Redes Sociais)

“Queremos denunciar o que estamos vivendo, estamos indo pra Brasília para denunciar todas as ameaças que estamos vivendo. Não estamos conseguindo sair. Nossos caciques estão presos no município”, diz a nota do Movimento Munduruku Ipereg Ayu, publicada na quinta (10).

O fim da operação da PF em Jacareacanga ocorreu após os policiais negociarem com a prefeitura e os garimpeiros a saída dos órgãos de fiscalização da sede do município. Na ocasião houve confronto direto com garimpeiros, que ameaçaram incendiar os helicópteros da Polícia Rodoviária Federal (PRF), do Ibama, da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Força Nacional de Segurança, que também integravam a operação.

No dia 26, véspera da retirada da PF de Jacareacanga, as casas da líder indígena Maria Leusa Kaba Munduruku e de sua mãe, a cacica Isaura Muo Munduruku, foram destruídas em um incêndio criminoso patrocinado por garimpeiros e causado por indígenas favoráveis ao garimpo. O Ministério Público Federal (MPF) e a PF investigam a participação do indígena Adonias Kabá Munduruku, que aparece em imagens gravadas durante o atentado, portando uma arma de fogo.

Em vídeo divulgado em 7 de julho, lideranças Munduruku denunciam um cenário de guerra. Maria Leusa, presidente da Associação de Mulheres Indígenas Munduruku (Wakoborũn), viu a sede da entidade ser atacada em 25 de março,  precisou fugir de Jacareacanga e se esconder. Ela é uma das figuras centrais desse conflito e teme ser morta pelos garimpeiros.

“Responsabilizamos o Estado brasileiro caso aconteça alguma coisa com todos. Não nos protegeram em situação de ameaça constante, não garantiram reforço policial no município de Jacareacanga. Nunca teve reforço policial no município e continuamos sendo atacados, mesmo informando, pedindo policiamento, pedindo apoio”, diz a nota do povo Munduruku.

Segurança dos Munduruku

Indígenas Munduruku cobram segurança das autoridades policiais em Jacareacanga aós a série de atques que sofreram (Foto: Redes sociais)

No fim da noite de quinta-feira (10), o procurador da República, Paulo de Tarso Moreira Oliveira, enviou uma requisição direta à Força Nacional de Segurança, à PF e à PRF, na qual demandava o emprego de “agentes, veículos e equipamentos em quantitativo suficiente para garantir a segurança pessoal e realizar a escolta dos indígenas que pretendam se locomover do município de Jacareacanga até o Distrito Federal”.

Além disso, o MPF enviou uma petição à Justiça Federal no município de Itaituba pedindo que seja garantida a escolta das lideranças Munduruku nas reuniões e manifestações que ocorrerão na capital federal.

No documento, o procurador lembra o episódio ocorrido em setembro de 2020, quando indígenas favoráveis às atividades ilegais no território, foram levadas até Brasília em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para uma reunião com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Adonias Munduruku, acusado de ser um dos criminosos que atacaram a aldeia de Maria Leusa Munduruku, integrou o grupo de garimpeiros que foi até o Distrito Federal às custas do governo Bolsonaro. O episódio é investigado pelo MPF, pois configura improbidade administrativa por desvio de finalidade.

O MPF pede na petição que seja executada uma multa diária de 50 mil reais contra o governo federal pelo descumprimento da ordem judicial de 29 de junho, expedida pelo juiz Ilan Presser, que ordenava o retorno das forças policiais à cidade de Jacareacanga após os ataques ocorridos durante a operação Mundurukânia, ordenada pelo STF.

Rumores indicam que um grupo de garimpeiros de Jacareacanga, dentre eles indígenas favoráveis ao garimpo, tem reunião marcada para o próximo dia 15 com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Nela, os garimpeiros ilegais pretendem questionar as operações que têm ocorrido na região e pedir a liberação da lavra mineral em Terras Indígenas.

A audiência ocorreria contra a opinião dos caciques Munduruku. Eles condenam o PL 191/2020, que busca regulamentar a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em Terras Indígenas. Segundo a líder Alessandra Korap Munduruku, esse é um dos motivos que levaram os Mundurukus a ir até Brasília.

“Tem grupo de garimpeiros querendo fazer uma audiência dia 15, só que os caciques não aceitam a audiência dia 15 chamando o presidente, porque somos contra o PL 191 e tem muitos invasores dentro do nosso território”, resumiu Alessandra.

Marco temporal 

Indígenas já estão em Brasília desde o dia 08 para acompanharem a votação do PL do marco temporal (Foto: MNI)

Nas próximas semanas, o Congresso Nacional deve abrir votação de alguns projetos contrários aos interesses dos povos indígenas. Entre eles, um dos mais controversos de todos, e apoiado pela bancada ruralista, é o PL 490/2007, de autoria do já falecido deputado Homero Pereira (PR-MT), que ameaça Terras Indígenas já demarcadas e vai de encontro às decisões já proferidas pelo STF acerca do tema – além ferir a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Segundo nota técnica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), de 25 de maio, a proposta é inconstitucional.

O projeto, cujo relator é o deputado Arthur Maia (DEM-BA), prevê o fim da demarcação de Terras Indígenas, afixando o “marco temporal” de 5 de outubro de 1988 – data solene em que foi promulgada a atual Constituição Federal – como fator determinante para o reconhecimento ou não dos territórios originários. Ou seja, de acordo com o PL que tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal, presidida pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), os indígenas só teriam direito de ter demarcadas as terras que estivessem em sua posse até aquele período. A previsão era de que o projeto fosse votado ainda nesta semana, mas foi adiado para a próxima.

“Como sabemos, os povos indígenas dependem da sua terra demarcada, protegida, assegurada. A própria Constituição fala isso. O objetivo é manter os povos indígenas, a sua sobrevivência física e cultural. Ameaçar esse direito, essa possibilidade de retrocesso é colocar em risco a vida dos povos indígenas”, defendeu a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), primeira mulher indígena a ser eleita deputada.

A tese do “marco temporal” também está em julgamento no STF. A votação estava prevista para ser iniciada nesta sexta-feira (11), mas foi interrompida após pedido de destaque feito pelo ministro Alexandre de Moraes.

Inicialmente, os ministros teriam até o dia 18 para julgar uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng. Segundo a Articução dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a reintegração ameaça estabelecer um clima generalizado de fragilização do direito originário de usufruto exclusivo dos povos indígenas, garantido pela Constituição.

Após o pedido de vista, segundo a APIB, cabe ao presidente do STF, o ministro Luiz Fux, recolocar o processo em pauta. Não há prazo definido e nem previsão para o retorno do tema à pauta de votação da Corte

Conforme a organização, a decisão do STF servirá de base para todos os julgamentos futuros a respeito de demarcações de TIs no país. A TI Ibirama-Laklãnõ abriga ainda indígenas dos povos Guarani e Kaingang.

A Associação Nacional dos Procuradores da República já se pronunciou em defesa dos direitos territoriais indígenas no Brasil. “A tentativa de aplicar a tese do marco temporal a outras terras indígenas, visando exigir a presença física de indígenas em 5 de outubro de 1988, já foi rechaçada pelo próprio STF no julgamento de embargos de declaração do Caso Raposa Serra do Sol (Pet 3.388/RR) e viola longa e sólida jurisprudência da Corte, que jamais legitimou atos de violência e esbulho”, diz a nota.

Os procuradores dizem ainda que os ministros têm um “encontro marcado com a história” e que devem garantir, a despeito de todas as violações históricas de direitos sofridas pelos indígenas, assegurar-lhes o direito fundamental da demarcação de seus territórios.

Indígenas em frente ao STF (Foto:MNI)

 

Fonte: https://amazoniareal.com.br/garimpeiros-impedem-indigenas-munduruku-de-irem-a-brasilia/

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