Uma das mais importantes lideranças do povo Sateré-Mawé, o tuxaua Otávio dos Santos, de 67 anos, morreu de Covid-19 no hospital público do município de Maués, a 641 quilômetros da capital do Amazonas, informou nesta sexta-feira (17) a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde. Ele era liderança da aldeia São Benedito, na margem do rio Marau.

A Sesai não informou o horário do óbito na nota divulgada, mas o professor Joede Sateré-Mawé contou à Amazônia Real que o falecimento do tuxaua aconteceu por volta de 18h30 de quinta-feira (16) e o sepultamento ocorreu horas depois, no cemitério de Maués. A aldeia São Benedito, onde vivem 90 pessoas, faz parte da Terra Indígena Andirá-Marau, que fica localizada em uma área que abrange os municípios de Maués, Barreirinha e Parintins, na região do Baixo Rio Amazonas, estado do Amazonas.

O tuxaua Otávio, como era mais conhecido, também se destacava como um dos mais atuantes produtores de guaraná do território indígena em Maués, município conhecido mundialmente pelo cultivo do fruto, disse Joede Sateré-Mawé, que lamentou a morte da liderança em entrevista à Amazônia Real.

“Otávio foi uma liderança que sempre contribuiu com seu povo em reuniões, assembleias, seminário e encontros pedagógicos. Ele atuava reivindicando melhorias na educação, saúde, produção para o bem viver do nosso povo e de sua aldeia”, conta Joede, que é mestrando em Antropologia Social na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e mora em Manaus. “O guaranazal do seu Otávio fica na comunidade e servia tanto para consumo local quanto para comércio”, disse.

O Tuxaua Otávio, de braços cruzados com a camisa da seleção brasileira (Acervo CTI)

De acordo com a Sesai, o tuxaua Otávio contraiu o novo coronavírus na aldeia São Benedito. A busca realizada pela Equipe Multidisciplinar apurou que um filho da liderança apresentou sintomas de tosse. O rapaz, que reside em Salvador, na Bahia, tinha ido visitar a família há poucos dias. No dia 13 de abril, o tuxaua sentiu os primeiros sintomas da Covid-19, sendo internado no hospital de Maués. Foi submetido ao teste rápido do coronavírus, que foi positivo. Segundo a Sesai, o teste aguarda contraprova no Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen), do governo do Amazonas.

Com o óbito do tuxaua, sobe para 6 o número de indígenas mortos por Covid-19 na Amazônia, sendo ainda: um jovem Yanomami de 15 anos, em Roraima, o de um idoso Tikuna e o de uma mulher da etnia Kokama, no Amazonas. A Sesai, contudo, reconhece apenas quatro óbitos, porque os outros eram indígenas que moravam em contexto urbano: um homem de 55 anos da etnia Mura, que residia em Manaus, e uma mulher de 87 anos da etnia Borari, liderança do distrito de Alter do Chão, em Santarém, no Pará.

Joede Sateré Mawé disse que todos estão preocupados com a possível contaminação pelo coronavírus em outras comunidades da Terra Indígena Andirá-Marau. “Minha aldeia, Nova Esperança, fica perto da aldeia São Benedito. Mas o Dsei disse que está fazendo uma força-tarefa no local”, afirmou.

Equipe multidisciplinar em comunidade indígena realizando prevenção contra a Covid-19 (Foto: Dsei ARS/2020)

Em nota oficial, a Sesai diz que “todos os contatos do tuxaua Otávio estão em isolamento domiciliar e sendo monitorados permanentemente por uma equipe exclusiva”.

Os Sateré-Mawé formam uma população estimada em 13 mil pessoas e são conhecidos pela bravura e pela domesticação do guaraná, espécie endêmica na região de origem da etnia e consumida em vários países. Eles falam uma língua do tronco Tupi-Guarani e denominam seu lugar de origem de Nusoken. A Terra Indígena Andirá-Marau foi homologada em 1986, em uma área de 789 mil hectares. Ela também abrange uma parte do estado do Pará, na região dos municípios de Aveiro e Itaituba.

Uso obrigatório de máscaras

Máscaras produzidas por servidores do HC de Belém, no Pará (Foto Ascom HCGV)

A morte do tuxaua Otávio dos Santos também foi divulgada pelo prefeito de Maués, Junior Leite (PROS), na noite desta quinta-feira (16), em uma live na página no Facebook. O prefeito disse que 13 moradores do município testaram positivo para Covid-19. Os testes foram rápidos e foi necessário realizar a contraprova no Laboratório Lacen, em Manaus. Até o momento, segundo o prefeito, quatro contraprovas confirmaram os testes positivos. O prefeito também divulgou a morte de um idoso não indígena de 80 anos ocorrida nesta quinta-feira.

Junior Leite afirmou que irá baixar uma norma determinando que todos os moradores de Maués passem a usar máscaras. Serão distribuídas 20 mil delas para a população carente. Ele também reforçou que fechará a entrada de “pessoas de fora”.

“Vamos fortalecer isolamento social. O vírus não respeita fronteira, gosta de aglomeração, contato físico. É um vírus oportunista e covarde”, disse o prefeito.

Os óbitos informados pela Prefeitura de Maués e, especificamente, a morte do indígena divulgada pela Sesai, ainda não entraram no Boletim oficial da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS), do governo do Amazonas.

Em nota, o governo do Amazonas disse à Amazônia Real que “a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas informa que os óbitos notificados por Maués seguem em investigação, aguardando resultado do Laboratório Central de Saúde Pública”.

Falta alimentos em Manaus

Indígenas Sateré-Mawé viajam pelo rio Andirá (Foto: Danilo Melo/FotosAmazonas)

No boletim epidemiológico divulgado na noite desta sexta-feira (17) pela Sesai, agora são 27 os casos de Covid-19 diagnosticados em indígenas no Brasil. Desse total, 26 pessoas são do estado do Amazonas.

Três dos casos novos são de indígenas do Médio Rio Purus, no sul do Amazonas. A Amazônia Real apurou que uma das pessoas infectadas é uma mulher da etnia Apurinã, cujo território indígena fica no município de Lábrea. O primeiro caso foi registrado entre indígena Kokama, da região do Alto Solimões.

O território com maior concentração de casos do novo coronavírus, com 13 pessoas do povo Baré, é na aldeia Terra Preta, localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Puranga Conquista, no rio Cuieiras, afluente do rio Negro, em Manaus. Ela não é uma terra demarcada pela Funai, mas é reconhecida como território tradicional pelo órgão indigenista.

Segundo a Sesai, uma das pessoas Baré chegou a ser internada na Hospital Delphina Aziz, mas teve alta na última terça-feira (14). Os demais continuam isolados na comunidade Terra Preta.

A liderança Mariazinha Baré, membro da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), disse à agência que as famílias estão passando necessidade de alimentação, pois foram orientados pelo Dsei Manaus a não pescar para sua subsistência e assim evitar transmissão da doença para moradores de outras comunidades. A medida, contudo, fez com que os moradores ficassem sem comida, pois eles não estão mais recebendo cestas básicas do Dsei Manaus, segundo ela.

Mariazinha Baré disse que nesta quinta-feira (16) recebeu uma mensagem via WhatsApp (única forma de comunicação possível com a localidade, embora precariamente) de um dos caciques de Terra Preta pedindo ajuda para alimentação das famílias da comunidade.

“Ele me disse que não podem nem sair para pescar, estão proibidos pelo Dsei. Ele falou: ‘estamos isolados aqui, sem ir para canto algum, sem comida’. Então, estamos vendo, como Coiab, com os parceiros e com o próprio Dsei, como vamos fazer para ajudá-los. Nossa preocupação é como vamos entregar a alimentação. Para que as sacolas e as cestas não estejam infectadas. Estamos vendo as orientação”, afirmou Mariazinha à reportagem.

Indígena Baré trabalhando na roça (Foto: Amazônia Real/Arquivo)

Segundo Mariazinha, o cacique afirmou que são três famílias Baré que estão com sintomas da Covid-19 e que todos estão isolados. O cacique também relatou que a equipe que estava na comunidade já retornou para Manaus, ficando apenas uma agente indígena de saúde para fazer o monitoramento. “Ele disse que os técnicos do Dsei ficaram com gripe e saíram da comunidade”, afirmou Mariazinha.

Após as informações repassadas por Mariazinha Baré, Amazônia Real procurou o coordenador do Dsei Manaus, Mário Ruy de Freitas Junior. Ele admitiu a dificuldade de alimento e disse que está sendo feito um levantamento necessário para que os produtos sejam enviados para a comunidade. Conforme Mário Ruy, a preocupação é com todas as comunidades cobertas pelo Dsei Manaus. Segundo o coordenador, um técnico permanece na comunidade, realizando o monitoramento e repassando informações diárias para a equipe do Dsei, e que há medicamentos para atender aos pacientes.

“A questão do alimento, não é só uma preocupação da Terra Preta. É de todas as aldeias. A gente entende que se a gente suprir as aldeias com alimentos, dá condições para eles permanecerem sem vir para o contexto urbano. Eles podem ficar lá. No caso específico [da Terra Preta], a gente está fazendo levantamento de mais alimentos para levar e vamos mandar um profissional para dar outra monitorada para somar ao técnico que está lá”, disse Mário Ruy.

Segundo o coordenador do Dsei Manaus, quando foi notificado o primeiro caso, o órgão fez “uma contenção no local, em envio de profissionais – médicos, psicológicos e enfermeiros”. A equipe ficou até domingo passado (12). Conforme Freitas Junior, foram enviados alimentos para que os indígenas não saíssem da aldeia – que, conforme relato dos indígenas, já não tem mais.

O coordenador afirmou que os demais indígenas estão sendo monitorados, sem a necessidade de remoção para Manaus. “Mas nós temos a logística do próprio Dsei, lanchas rápidas, equipes, e se necessário um contato aéreo. Então, basicamente, todo o problema de coronavírus está localizado em uma única aldeia, esperamos que a gente resolva o problema lá”.

Indagado se foi feito o rastreamento para identificar como o coronavírus chegou em Terra Preta, ele afirmou que não se pode “afirmar de certeza absoluta”. Segundo ele, sabe-se que uma moradora indígena teria chegado na aldeia, vinda de São Paulo, após separar-se do marido. Segundo o coordenador, ela foi uma das pessoas que testaram positivo e permanece isolada.

O que é o novo coronavírus?

Funcionária do Dsei Alto Rio Solimões ensina a lavagem das mãos aos povos de Feijoal
(Foto: Dsei ARS)

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o novo coronavírus, o SARS-CoV-2, faz parte de uma família de vírus que causa infecções respiratórias e foi identificado em 31/12/19, após casos registrados na China. Ele provoca a doença Covid-19.

A contaminação pela Covid-19 se espalha de maneira semelhante à gripe, pelo ar após a tosse, coriza e a liberação de gotículas de quem está infectado.

Os sintomas são: febre, tosse, coriza e dificuldade para respirar. Procurar uma unidade de saúde é a primeira atitude a tomar neste caso.

O quadro da pessoa infectada com o coronavírus pode se agravar para uma pneumonia, o que exige a internação do paciente.

Pessoas com mais de 50 anos de idade estão mais vulneráveis, principalmente os idosos.

Quem está com o sistema imunológico debilitado e possui doenças crônicas, como as cardiovasculares, diabetes ou infecções pulmonares também pode adoecer gravemente.

Medidas como fazer uma quarentena voluntária em casa tem sido a melhor forma de combater a disseminação da doença no mundo.

 

 

 

Fonte: https://amazoniareal.com.br/grande-lideranca-satere-mawe-tuxaua-otavio-dos-santos-morre-por-covid-19-no-amazonas/

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