Para as feministas, que combatem a violência contra a mulher, o discurso de ódio, a valorização das armas e a retirado dos direitos humanos e sociais, aumentaram a estatística dos crimes

Por Alícia Lobato e Kátia Brasil, Manaus (AM)

Bruna Mello, de Rio Branco (AC)

Vivianny Matos, de Belém (PA)

No Dia Internacional da Mulher, neste 8 de Março não há o que comemorar. Em quatro dos nove estados da Amazônia Legal, o índice de feminicídio – crime de ódio contra a mulher motivado pela condição do gênero – está em alta, conforme as estatísticas divulgadas pelas secretarias estaduais de segurança pública para o período de 2018 e 2019: Amazonas, com um aumento de 200%; Amapá, com 75%; Roraima, com 50% e Maranhão, com 15,5%. Mas esses dados nem sempre correspondem à realidade, dizem as organizações que combatem a violência.

As estatísticas das secretarias no mesmo período apontaram para redução dos índices de feminicídios nos seguintes estados: Acre, com -27%; Mato Grosso, com -7,6%; Rondônia, com -14%; Tocantins, com -20% e Pará com -46,6%.

Já no Brasil, entre 2018 e 2019, houve um aumento nos casos de feminicídios de 7,3%: 1.225 contra 1.314, segundo os dados do Monitor da Violência, uma parceria do site G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Na Amazônia Legal, o índice de feminicídio caiu 5,4%: 195 contra 185 no mesmo período. (Veja o infográfico abaixo)

Dos nove estados consultados, apenas o Acre informou os registros dos crimes contra as mulheres que aconteceram nos meses de janeiro e fevereiro de 2020, como solicitou à agência Amazônia Real. As outras secretarias argumentaram que ainda estão levantando os registros e outras não deram explicação.

Ato do de Março em Branco, no Acre (Foto cedida por Cassiano Marquez)

Para as organizações que combatem a violência contra a mulher, a misoginia, o racismo, o preconceito, a Lgbtfobia e a desigualdade de gênero, esse sobe e desce nos números causam desconfianças. Antônia Barroso é uma das coordenadoras do Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM) e representante da Articulação das Mulheres Brasileiras (AMB). Ela diz que os dados divulgados pelos estados não correspondem à realidade da violência e do feminicídio contra a mulher. “Quem trabalha diretamente com essa questão da violência contra mulheres percebe que o número é crescente”, diz.

Um outro fato que faz com que as organizações não acreditarem na baixa da violência é a falta de estrutura dos órgãos governamentais para levantar os dados. Antonia diz que, no Amazonas, por exemplo, o FPMM faz uma peregrinação nos órgãos públicos, como Secretarias de Segurança Pública e Saúde, Ministério Público, Instituto Médico Legal, mas não obtêm retornos sobre as mortes das mulheres por feminicídio. “O que a gente constatou e ouvimos de vários representantes é que não tem estrutura ou então não é importante. Eles não levam em consideração, por exemplo, tabular esses dados, tipificar os tipos de violência, então nós não temos esses dados completos”.

A feminista Antonia Barroso é do FPMM e da AMB
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Antonia Barroso afirma que as organizações percebem que há um descaso dos órgãos públicos de não priorizar a compilação desses dados para a sociedade ter uma base real da violência contra as mulheres. “Não sei se é proposital, mas é uma forma de não implementar as políticas públicas. Porque se não é divulgado é porque não tem demanda; procura não tem, porque implementar determinados tipos de políticas públicas, isso é o que a gente costuma ouvir de alguns representantes do governo”.

Uma brutalidade sem fim

No Acre, o Departamento de Políticas para Mulheres de Rio Branco informou que registrou 03 mortes por feminicídios este ano. Porém, a responsável pelo departamento, Lidiane Cabral, explica que o número pode ser maior ou menor. Entre os anos de 2018 e 2019, segundo o Monitor da Violência, o Acre foi um dos estados com a maior taxa de feminicídios: 2,5 a cada 100 mil mulheres.

“Existe uma linha tênue porque não se sabe ao certo se os casos de violência aumentaram ou se as mulheres estão buscando mais os serviços de denúncias. Hoje, existem as redes sociais em que as mulheres podem acessar diversos serviços”, disse, destacando que na capital possuiu a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), secretarias e departamentos que desenvolvem políticas públicas de proteção à mulher.

Larissa não teve chance de se defender do ex-companheiro (Foto Arquivo da Família)

Uma das mulheres assassinadas este ano, em Rio Branco, foi a adolescente Larissa Aurélia da Costa Silva, de 17 anos. O ex-companheiro e ex-agente penitenciário Ivanhoé Oliveira, de 37 anos, a decapitou com golpes de faca e depois jogou a cabeça da jovem na porta da casa da mãe dela. O crime brutal aconteceu na madrugada do dia 21 de fevereiro. Conforme a investigação da Polícia Civil, o assassino, preso em flagrante no mesmo dia, se recusa a dizer a motivação.

Em entrevista à reportagem, Maria Francisca Silva, mãe de Larissa, contou que recorda que as duas passaram o dia juntas horas antes do crime. Ela acredita que o ex-agente penitenciário assassinou a filha depois por não aceitar o fim do relacionamento. “Ela nunca falava nada para mim, e não tinha medo dele. Mas provavelmente foi porque ela não queria mais ele”.

Depois da morte de Larissa, a família foi embora do Acre e não divulga o local exato da moradia atual por medo de represálias. Francisca disse que a família não recebeu auxílio imediato do governo ou da Prefeitura de Rio Branco. “Depois de uma semana mais ou menos eles foram atrás de mim. O Ministério Público foi na minha casa”, explica.

“É absurdo que um estado como o Acre, tão pequeno, seja o estado mais perigoso para uma mulher viver. É inadmissível que a gente viva em um estado tão pequeno, com um número de violência tão alto e tão bárbaro”, disse a ativista e uma das organizadoras do protesto pelo dia 8 de Março em Rio Branco, Maria Meirelles.

A quem pedir socorro?

Ato do Dia Internacional de Luta das Mulheres, em Belém do Pará/2019
(Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

“Eu tenho medo de morrer”, afirma a paraense Maria (nome fictício para preservar sua identidade), de 47 anos, que sofre de violência doméstica por agressões do marido dentro de casa onde mora com ele, na Região Metropolitana de Belém, no Pará. Ela relatou à reportagem da Amazônia Real que é casada há 27 anos e não conseguiu se separar, pois diz que não tem apoio de sua família e nem condições financeiras para se sustentar. Também desconhece as ações públicas de acolhimento e proteção.

Maria contou que sofre violações de todos os tipos. Ela chegou ao ponto, inclusive, de ser atendida no Hospital e Pronto Socorro Municipal Mário Pinotti, após receber socos no rosto do seu companheiro.

“O problema é quando ele ingere bebidas alcoólicas. Aí ele se transforma numa outra pessoa. Ele chegou a procurar o A.A. (Alcoólicos Anônimos), porém, só foi durante uma semana. Às vezes, quando ele está bom, nós conversamos. Ele me pede desculpas. A gente vai para o Encontro de Casais com Cristo, da igreja. E ele até passa dias, até meses sem beber. O problema é quando tem recaídas”, ela afirma.

Uma das integrantes do comando da Frente Feminista do Pará, Eunice Guedes, diz que o movimento conquistou muitos avanços no combate a violência contra a mulher no estado como a criação das delegacias, no final da década de 80, o primeiro abrigo em Belém, a implantação do Programa Aborto Legal –  que atende mulheres vítimas de violência sexual –, mas não há retorno das cobranças aos gestores públicos, em especial sobre os casos de feminicídio e das violências obstétrica e sexual. “A sociedade civil tem pautado diversas questões ao Estado. Estamos precisando é das respostas às nossas reivindicações”, diz.

A ausência da Justiça

Ato pelo 8 de Março em Rio Branco, no Acre (Foto cedida por Cassiano Marquez)

Quem espera por uma resposta também é Antônia Pinheiro, mas por justiça. Ela é mãe da policial militar Deusiane Pinheiro, assassinada aos 26 anos, em 1º de abril de 2015, com disparos de arma de fogo pelo também policial Elson dos Santos Brito, segundo a denúncia do Ministério Público do Amazonas. O acusado, que não está preso, alega que a jovem se suicidou.

O crime aconteceu dentro da Companhia Fluvial do Batalhão Ambiental, na zona oeste de Manaus. Para a família de Deusiane, o crime foi feminicídio pois ela havia terminado o relacionamento com o militar, que não aceitou.

Antônia não esquece de quando viu o corpo de sua filha: “não queriam deixar eu ver minha filha, ela estava toda roxa, dois dedos do pé quebrado, a minha filha foi torturada e morta. Eu voltei para casa sem saber o que fazer, me sentindo insegura”.

Antônia diz que já perdeu a esperança sobre o julgamento do caso e que aguarda apenas a justiça de Deus. “Não existe justiça para algumas minorias, se minha filha fosse filha de um juiz, isso já teria se resolvido, os acusados já estariam presos”, afirma.

Procurado pela reportagem, o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) disse que o processo sobre a morte de Deusiane está em fase de diligências e não informou uma data provável para o julgamento.

Quando a impunidade é mais forte

Para Marilac Moreira, o discurso de ódio e o estímulo a compra de armas aumentam a violência contra as mulheres (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Luiza de Marilac Moreira, também do Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM) e da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), analisa que a questão da impunidade nos crimes de feminicídios é outro fator que eleva a estatística da violência contra a mulher. De 2018 a 2019 foram registrados no Amazonas 16 mortes. Na capital, o índice aumentou 300% neste período (Veja o infográfico abaixo).

Ela explica que a impunidade tem raiz sociocultural. “A palavra ‘feminicídio’, quando foi usada pela antropóloga Marcela Lagarde em correlação aos desaparecimentos e às mortes violentas de mulheres em Ciudad Juárez, no México, referiu à forma mais extrema de violência contra a mulher, cuja motivação é seu próprio sexo biológico e a não conformidade aos estereótipos a ele atribuídos, além de incluir essas mortes na conjuntura de impunidade e negligência do poder público”, explica a feminista, é doutoranda pelo Programa de Pós Graduação Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Luiza afirma que a impunidade tem raiz sociocultural na relação de poder e dominação de um gênero sobre os demais. “Um exemplo, é que o poder judiciário em sua maioria é composto por homens. As juízas que ali estão foram formadas com as mesmas teorias machistas e misóginas, onde o homem pode tudo e a mulher não pode nada”.

A antropóloga destaca que essa raiz histórica ainda é muito forte e é preciso avançar no combate a este legado violento. “Então, nós vamos seguir lutando para transformar cada vez mais essa realidade, ou seja, para virar ou acabar com o feminicídio, faz-se necessário que as mulheres e homens que tenham essa sensibilidade ocupem também o poder judiciário”.

A feminista do FPMM também alerta para o fato de a luta contra a violência está mais árdua nesse momento do país, em que o governo brasileiro não valoriza a mulher.

“Aqui lembro do ataque às próprias jornalistas e às mulheres da política sempre da forma mais vulgar possível e o discurso de ódio a quem se opuser a ele, lembrando também a valorização das armas e retira os direitos humanos e sociais. A luta é árdua porque diante disso, esses números de feminicídios tendem a crescer”, finaliza Luiza de Marilac Moreira.

As jornalistas citadas pela ativista feminista são Auxiliadora Tupinambá, atacada nas redes sociais e no programa de um apresentador de TV do Amazonas, Patrícia Campos Melo e Vera Magalhães, que foram xingadas e atacadas com insinuações de que mulheres jornalistas venderiam seu corpo por notícia, inclusive, pelo próprio presidente da República Jair Bolsonaro. Leia nota da Abraji.

https://infogram.com/feminicidios-em-capitais-na-amazonia-legal-1h7g6kvgxlq04oy

Veja a galeria de fotos do ato 8 de Março, em Manaus

  • Patrícia Melo na Terceiro ato da “Virada das mulheres contra o Feminicídio” em Manaus (Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)
  • Terceiro ato da “Virada das mulheres contra o Feminicídio” em Manaus (Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)
  • Terceiro ato da “Virada das mulheres contra o Feminicídio” em Manaus (Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)
  • Terceiro ato da “Virada das mulheres contra o Feminicídio” em Manaus (Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)
  • Terceiro ato da “Virada das mulheres contra o Feminicídio” em Manaus (Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)
  • Terceiro ato da “Virada das mulheres contra o Feminicídio” em Manaus (Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)
  • Terceiro ato da “Virada das mulheres contra o Feminicídio” em Manaus (Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)
  • Terceiro ato da “Virada das mulheres contra o Feminicídio” em Manaus (Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)
  • Terceiro ato da “Virada das mulheres contra o Feminicídio” em Manaus (Foto Alberto César Araújo/Amazônia Real)

 

 

Fonte: https://amazoniareal.com.br/impunidade-descaso-e-injustica-refletem-na-alta-do-feminicidio-na-amazonia-legal/

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