Por: Maria Fernanda Ribeiro 20/05/2020 às 22:57

O canto de Rondinelle Lucio, 42 anos, foi o primeiro a se calar entre os indígenas da etnia Fulni-ô pela Covid-19. Depois dele, mais três mortes foram confirmadas, outras aguardam o resultado de exames e mais 25 estão contaminadas pela doença. Espremidos em uma pequena aldeia com sete mil moradores no município de Águas Belas, em Pernambuco, localizada a 273 quilômetros da capital Recife, eles temem pela extinção do seu povo e pedem ajuda. Faltam máscaras, testes, álcool em gel e se nada for feito também faltará comida.

Acostumados a viajar pelo país para vender artesanatos, a renda secou com a pandemia com todos fechados em casa. Um cocar foi leiloado pelas redes sociais para angariar algum dinheiro. Foram arrecadados R$ 2 mil e o valor foi revertido para a compra de cestas básicas, que foram distribuídas entre algumas famílias. Também tem chegado ajuda de fora, um dinheiro aqui, uma doação ali, mas nada que supra as necessidades de todas as famílias.

Ajuda do município, segundo os relatos, não tem. Mas tem muito preconceito dos não-indígenas e também tem a seca do Nordeste, que impede o plantio de alimentos. A chuva que há cerca de três semanas cai pela região traz um respiro de esperança e também um pouco de água para tomar banho e lavar as roupas e a louça que, sem a chuva, também não teria. Na aldeia há um posto de saúde pronto há meses, mas nunca foi inaugurado. Há a promessa da prefeitura de que será ainda neste mês.

“Estamos lutando contra a pandemia com a cara e com a coragem porque não temos estrutura nenhuma. Estamos ameaçados e fragilizados, mas somos um povo guerreiro, que sobrevive à seca do Nordeste há mais de cinco séculos, resistimos à cultura do homem branco, enfrentamos um período de seis anos sem chuva e ainda mantemos vivo nosso idioma”, afirma Patrícia Pontes Siqueira, 40 anos.

Boletim da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), mostra que em Pernambuco há seis óbitos entre indígenas registrados até o momento. Segundo Alexandre Pankararu, coordenador da Apoinme, o estado abrange 12 povos, divididos em 15 territórios e o epicentro está mesmo entre os Fulni-ô. Ele afirma que um recurso será disponibilizado para que possam comprar equipamentos de proteção e também cestas básicas, mas que eles precisam de mais, muito mais.

Língua materna e os mais velhos

Povo Fulni-ô no combate a Covid (Foto: Coletivo Thul’sê Audiovisual) (22)

Os Fulni-ô são o único grupo do Nordeste que conseguiu manter viva e ativa a língua materna, o Ia-tê, muito utilizada na comunicação dos mais velhos, a maior preocupação entre eles, não só por ser o grupo mais vulnerável como também porque perder um ancião é como se uma biblioteca inteira pegasse fogo. Em entrevista para a Amazônia Real, o ex-presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio) Márcio Meira afirma que um ancião indígena que morre é uma perda para toda a humanidade, pois por se tratar de uma cultura oral vai com ele todo um conhecimento. A estimativa é de que a aldeia tenha uma média de 600 pessoas idosas.

A principal comunidade e onde está concentrada a maior parte da população fica a menos de um quilômetro da cidade de Águas Belas que, segundo o adiantamento do Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) tem uma estimativa de 9.471 domicílios ocupados por indígenas em seis diferentes localidades. O primeiro caso registrado na cidade foi entre os Fulni-ô e, segundo Salma Juliana, 35, o preconceito não demorou a aparecer.

“A população da cidade começou a dizer que tinham que construir uma barreira para impedir o nosso acesso até a cidade. Se as pessoas estudassem sobre os povos originários saberiam que nós, indígenas, somos os verdadeiros donos dessas terras”, disse Salma.

O município não tem um hospital de alta complexidade e para ter acesso à UTI e respiradores, os moradores são transferidos para Garanhuns, a 120 quilômetros. Rondinelle, por exemplo, morreu logo que deu entrada no hospital. Ele era artesão e morreu no dia 23 de abril, mas o resultado com o diagnóstico positivo para coronavírus foi divulgado pela Prefeitura de Águas Belas oito dias depois. De acordo com os relatos colhidos pela reportagem, chegou a ser anunciado na rádio da cidade de que a morte não tinha sido por coronavírus, o que fez com que muitos moradores da aldeia e até mesmo a família não tomasse as medidas necessárias para o isolamento. Alguns dias depois, veio a confirmação do teste positivo.

No site da Prefeitura de Águas Belas, um vídeo produzido antes da pandemia usa as imagens dos indígenas como uma das riquezas da cidade. Fotos e rituais culturais dos Fulni-ô aparecem durante os dois minutos do filme, junto com os atrativos naturais da região, como a Serra das Antas e os sítios arqueológicos.

“Isso é propaganda enganosa porque nada está sendo feito para preservar o nosso povo”, afirma Salma. “Não foi feito trabalho de prevenção e não há nenhuma ajuda do governo local. Mas a gente faz o que dá, de forma voluntária. A verdade é que existe um projeto de extermínio que começa lá de cima, com o presidente, mas eu não aceito e não vou aceitar que meu povo acabe assim”.

A reportagem da Amazônia Real não conseguiu contato com a Prefeitura de Águas Belas. De acordo com as informações do último boletim epidemiológico, são três óbitos registrados na cidade que, de acordo com o último Censo IBGE possui 43,4 mil pessoas. No perfil da prefeitura nas redes sociais, no dia 7 de maio, uma publicação informa a entrega de máscaras para a comunidade Fulni-ô e com informações de que esta teria sido a segunda ação realizada na aldeia na mesma semana.

Os Fulni-ô são atendidos pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Pernambuco, que contabiliza até o momento uma vítima da Covid-19. Os dados disponibilizados pela Sesai Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, tem sido alvo de críticas de entidades e associações indígenas e também da sociedade civil por não registrarem informações dos indivíduos considerados como não-aldeados, ou seja, que vivem nas cidades, o que gera uma subnotificação e transforma as estatísticas em dados irreais e sem a exata dimensão de como os povos originários estão sendo afetados pela pandemia.

Povo Fulni-ô no combate a Covid (Foto: Coletivo Thul’sê Audiovisual)

Como apoiar os Fulniô no enfrentamento da pandemia:

A vakinha virtual está disponível pelo link: https://www.vakinha.com.br/vaquinha/ajude-a-levar-comida-na-mesa-daqueles-que-mais-precisam

Ou na conta bancária para depósitos

José Rodrigo Pontes Cruz

CPF: 709.678.914-69

Banco do Brasil

Agência: 5898x

Conta Corrente: 11729-3

 

 

Fonte: https://amazoniareal.com.br/indigenas-fulni-o-resistentes-a-seca-do-sertao-pedem-socorro-na-pandemia-do-coronavirus/

Thank you for your upload