Manaus (AM) – Os indígenas Waimiri Atroari decidiram aceitar a proposta de compensação ambiental feita pelo governo federal para a construção do Linhão de Tucuruí, que liga Manaus a Boa Vista (RR) por meio de mais 715 km de rede de transmissão de energia elétrica. Desse total, 425 km ficarão em Roraima e 122 km atravessarão o território indígena, causando danos ambientais considerados irreversíveis, conforme consta em um Plano Ambiental do Componente Indígena (PBA-CI), de 2021. A linha de transmissão é um empreendimento do consórcio Transnorte Energia (TNE), formado pelas empresas Alupar e Eletronorte, e vai interligar o estado de Roraima à rede nacional de transmissão de energia.

O advogado Harilson Araújo, da Associação Waimiri-Atroari, afirmou nesta quinta-feira (5) que, após dois dias de reuniões com as lideranças de todas aldeias, 450 indígenas aprovaram a contraproposta apresentada pelo governo federal e pelo consórcio.

Mas, segundo o advogado, os valores “divulgados pela imprensa e pelo governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), não condizem com os apresentados na contraproposta do governo federal e do consórcio”. Araújo não informou à reportagem o valor da compensação, por não estar autorizado pelas lideranças indígenas. 

A proposta de compensação apresentada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) atende a uma determinação judicial. Em dezembro de 2021, a Justiça Federal do Amazonas condicionou a continuidade do licenciamento para o linhão à aceitação da proposta de compensação oferecida pela Associação Waimiri-Atroari (ACWA). Na decisão, a juíza Jaiza Fraxe acatou pleito dos Waimiri Atroari e determinou um valor de R$ 133 milhões para compensar os prejuízos que a obra vai causar no território indígena e nos seus modos de vida e cultura. 

“É claro e inequívoco que o empreendimento já está causando ao povo Kinja (Waimiri Atroari) prejuízo patrimonial e restrição de uso de recursos naturais e impactos irreversíveis – como impossibilidade de ritualizar em alguns locais sagrados e destinados a manutenção de cultura e tradição”, diz trecho da decisão da Justiça.

Os Waimiri Atroari foram pressionados durante mais de uma década pelo governo federal para autorizar o empreendimento. A pressão começou na gestão da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) e seguiu nos governos de Michel Temer (MDB) e de Jair Bolsonaro (PL). A obra junta-se a outros empreendimentos que impactam a vida dos Kinja, como eles se autodenominam, desde ao menos a década de 70, levando-os à quase extinção. Entre os empreendimentos estão a BR-174, a Usina de Balbina e a Mineradora Taboca. Todos estes projetos foram construídos dentro do território dos Kinja, causando sérios danos à existência deste povo.

Na terça-feira (3), o governo de Roraima informou em nota oficial que serão repassados como compensação aos Waimiri Atroari R$ 90 milhões pelo governo federal e R$ 43 milhões pelo consórcio de empresas que vai executar a obra. 

Procurado, o Ministério de Minas e Energia, em nota, disse à Amazônia Real que o governo federal autorizou “o reembolso para a concessionária de energia atender ao pleito da comunidade indígena Waimiri Atroari quanto às compensações ambientais irreversível, limitados a cerca de R$ 90 milhões”.

Segundo o MME, os recursos são do Programa de Redução Estrutural de Custos de Geração de Energia na Amazônia Legal. A autorização consta no Decreto 11.059, de 3 de maio de 2022, publicado no Diário Oficial da União. O MME não mencionou os valores da contrapartida da concessionária. Diz apenas que “os demais itens serão atendidos pela empresa” e que “a forma de pagamento será objeto de tratativas entre comunidade e empresa, sendo esta última ressarcida pelo Comitê Gestor do Programa”.

Bancada de Roraima e Antônio Denarium com Bolsonar, na reunião que tratou sobre o Linhão de Tucuruí, no Palácio do Planalto
(Foto: Alan Santos/PR)

O governador de Roraima, Antonio Denarium (Progressistas), celebrou o decreto presidencial nas redes sociais. “Hoje (anteontem, dia 03) participei de um dos momentos mais importantes do nosso governo. Junto ao presidente Bolsonaro assinamos o decreto que garante a compensação financeira às comunidades indígenas da reserva Wamiri-Atroari, o que permitirá a retomada das obras e o início de um novo tempo em nossa história”, disse. 

Segundo o advogado dos Waimiri Atroari, Harilson Araújo, as obras só vão começar com o cumprimento do acordo. “Se tudo for cumprido conforme apresentado nessa contraproposta, aí sim o empreendimento poderá se iniciar”, disse Harilson Araújo.

“Os próximos passos serão a redução a termo de compromissos que devem ser cumpridos com base na proposta que foi apresentada pelo consórcio e pelo governo federal. E também compromisso de cumprimento da integralidade das condicionantes apresentadas no Plano Básico Ambiental-Componente Indígena”, completou o advogado dos indígenas.

Para viabilizar a passagem do Linhão de Tucuruí pelo território dos Waimiri Atroari, o Senado aprovou nesta quarta-feira (4) projeto de lei complementar, de autoria do senador Chico Rodrigues (União Brasil-RR), que declara a passagem de linhas de transmissão de energia elétrica por terras indígenas “de relevante interesse público da União”. A votação visava, especialmente, facilitar a aprovação da passagemdas linhas de transmissão de energia dentro do território Waimiri Atroari. O projeto prevê indenização para comunidades indígenas afetadas e agora segue para votação na Câmara dos Deputados. 

Amazônia Real procurou o diretor técnico da TNE, Raul Ferreira, para saber a contrapartida da empresa e mais informações a respeito da obra, mas ele não respondeu. À imprensa de Boa Vista, ele informou em 2021, que as obras começariam em março de 2022, com entrada de operação em 2024.

Repasse para compensação e obras

Os Waimiri Atroari em frente de uma mydy taha (casa grande), na aldeia Mynawa
(Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

O valor da compensação para os Waimiri Atroari era apontado como o último entrave para a construção do Linhão. No dia 6 de outubro de 2021, o presidente da Funai, Marcelo Xavier, deu aval ao Instituto Nacional de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para liberar a licença ambiental das obras do Linhão de Tucuruí na Terra Indígena Waimiri-Atroari. A medida ocorreu com base na emenda jabuti apresentada pelo senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) na Lei 14.182/2021, que trata da privatização da Eletrobras.

A autorização dos Waimiri Atroari para que a obra do Linhão do Tucuruí atravesse seu território ocorre após mais de dez anos de impasses, conversas, pressão política e judicialização do caso. O maior temor dos indígenas é com o futuro do território, já devastado por outros empreendimentos, e com o impacto em uma população que, em um passado recente, quase foi dizimada.

Desde 2015, quando a Funai deu aval para que o Ibame liberasse o licenciamento ambiental, os Waimiri Atroari intensificaram a mobilização contra as obras das linhas de transmissão. Na ocasião, o Ibama havia dado a licença prévia para a Transnorte Energia S/A (formada por consórcio entre a Alupar e Eletronorte) iniciar as obras. No mesmo ano, o Ministério Público Federal entrou com uma ação civil pedindo a anulação da licença prévia, o que deu origem à decisão da Justiça que condicionou o licenciamento ambiental ao pagamento da compensação. 

 “(…). Não somos contra a luz chegar em Roraima, só não entendemos de o porquê da Linha ter de ser dentro da nossa terra, trazendo de volta um passado que gostaríamos que não tivesse acontecido, no qual nossos parentes foram mortos e não tínhamos o direito de ter opinião”, disse, na época, o líder Mário Paruwe Atroari, em uma carta enviada à então presidente do Ibama, Marilene Ramos.

Durante os anos de impasse, os Waimiri Atroari ressaltaram o percurso das torres de eletricidade passará próximo a aldeias, roças, rios e lagos, lugares que são considerados sagrados. Além disso, há o temor de ameaça aos Pirititi, indígenas isolados e que vivem em território ainda não demarcado, nos limites da TI Waimiri Atroari.

Fonte: https://amazoniareal.com.br/indigenas-waimiri-atroari-aceitam-compensacao-para-que-obra-do-linhao-atravesse-seu-territorio/

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