Réus acusados pelo crime serão ouvidos remotamente, de presídios federais. A audiência também trará depoimentos de testemunhas do caso (Foto:© Chris J Ratcliffe / Greenpeace)


Belém (PA) – A audiência de instrução dos réus acusados dos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips começou nesta segunda-feira (20) na Vara da Justiça Federal do município de Tabatinga, no Alto Solimões, no Amazonas. No banco dos réus, estão Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como “Pelado”; Oseney da Costa Oliveira, o “Dos Santos”, irmão de “Pelado”; e Jefferson da Silva Lima, o “Pelado da Dinha”. Além dos réus, que falarão remotamente de presídios federais, para onde foram transferidos, 13 testemunhas de defesa e de acusação também darão depoimentos, de forma presencial. Ao final desta frase processual, o juiz Fabiano Verli, decidirá se o caso vai para júri popular. As audiências acontecem até a próxima quarta-feira (22).

Bruno Pereira e Dom Phillips foram assassinados no dia 5 de junho de 2022, nas proximidades da comunidade ribeirinha Cachoeira, na divisa da Terra Indígena Vale do Javari, fronteira com Peru. No início de 2023, a Polícia Federal acusou formalmente Ruben da Silva Villar, mais conhecido como “Colômbia”, como mandante do crime. “Colômbia”, que está preso, não faz parte do processo que demandou as audiências de instrução que começaram hoje (20).

Amarildo da Costa Oliveira, Oseney da Costa Oliveira e Jefferson da Silva Lima são acusados de duplo homicídio qualificado, ocultação de cadáver e associação criminosa para pesca ilegal dentro da TI Vale do Javari.

As audiências estavam marcadas para acontecer em janeiro deste ano, mas precisaram ser adiadas para que a justiça pensasse uma estratégia para ouvir os acusados de forma remota. Isso porque os réus encontram-se presos em outros estados, em presídios de segurança máxima, e o município de Tabatinga – onde o processo tramita – dispõe de estrutura precária de internet, conforme justificou a Justiça Federal.

A audiência desta segunda-feira, que deveria começar às 8h (horário local), precisou ser transferida para às 13h (também horário local/15h de Brasília), por motivos de oscilação de sinal de internet em Catanduva, São Paulo, onde encontra-se detido um dos réus. Devido ao atraso, possivelmente a data das audiências pode se estender por mais um dia.

Testemunhas

  • Manoel Vitor Sabino da Costa, o Churrasco (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)
  • Alzenira, esposa do Manoel Vitor Sabino da Costa, o Churrasco (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)
  • Orlando Possuelo, indigenista e consultor (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)

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Os três primeiros a prestar depoimento, ainda nesta segunda-feira, são Orlando Possuelo, indigenista da União dos Povos do Vale do Javari (Univaja), que trabalhava diretamente com Bruno Pereira no monitoramento do território indígena, compondo a Equipe de Vigilância da Univaja (EVU); Francisco Figueira Ferreira e Alzenira do Nascimento Gomes.

Alzenira foi uma das últimas pessoas a verem Bruno e Dom com vida na comunidade São Rafael, onde ela vive com o marido, Manoel Vitor Sabino da Costa, mais conhecido como “Churrasco” e tio de “Pelado”. Conforme apurou a Amazônia Real quando esteve na comunidade São Rafael, em junho do ano passado, Alzenira teria recebido a dupla em sua casa por volta das 7h da manhã do dia 5 de junho, minutos antes da emboscada que os vitimou. 

Bruno procurava por “Churrasco” para apresentar-lhe um projeto de cobertura de internet da comunidade e de um plano de manejo que ele estava desenvolvendo junto aos pescadores, com apoio da prefeitura de Atalaia do Norte.

“Ele encostou o barco ali no porto da escola e perguntou se tinha café. ‘Café não tem, mas tem Nescau’, eu disse. Aí ele disse: ‘esse que é bom mesmo’”, declarou Alzenira à Amazônia Real, na ocasião, ao referir-se à sua versão sobre o contato com o indigenista naquela manhã do dia 5 de junho .

Na mesma reportagem, Alzenira contou que “Churrasco” teria saído cedo para pescar, frustrando a reunião que Bruno teria com ele. Apressado e dizendo que tinha um compromisso na Polícia Federal (PF), em Tabatinga, Bruno partiu com Dom. Antes de sair, Bruno deixou seu contato telefônico escrito em uma folha de caderno para que Alzenira desse à “Churrasco”, pedindo para que ele o telefonasse.

Pouco tempo depois, o Ministério Público Federal (MPF) reiterou o que antecipou a Amazônia Real: que Bruno e Dom foram vítimas de emboscada por parte de “Pelado”, “Dos Santos” e “Pelado da Dinha”. À reportagem, “Churrasco” negou qualquer envolvimento com o crime. Ele chegou a ser detido ainda no mês de junho de 2022, mas liberado em seguida pela investigação.  

Testemunha com escolta

Comunidade São Rafael, última parada de Bruno Pereira e Dom Phillips, antes de sofrerem a emboscada que os vitimou (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Integram ainda a lista de testemunhas nas audiências de instrução lideranças indígenas, servidores da Funai, servidores da Univaja, ribeirinhos e pescadores das comunidades adjacentes de onde ocorreram os crimes.

Uma das testemunhas esteve com Bruno e Dom durante todos os momentos da expedição que antecedeu os crimes. Ele testemunhou, inclusive, uma ameaça feita por “Pelado” e “Pelado da Dinha”, à dupla e aos indígenas da EVU, enquanto a equipe se deslocava até a base da Funai no rio Ituí, na TI Vale do Javari. 

Eles iam denunciar a presença de “Pelado” e outros pescadores ilegais nas imediações do Lago Jaburu, já nos limites da terra indígena, flagrada na tarde do dia anterior. A pedido de Bruno, segundo esta testemunha à reportagem, Dom teria feito imagens com o celular que portava da ação de “Pelado”. 

Escoltada pela PF na manhã de hoje até Tabatinga para depor nos próximos dias, a testemunha, cujo nome será preservado por motivos de segurança, diz esperar que a “justiça seja eficaz”.

“Espero que as autoridades punam no rigor da lei todos os envolvidos na morte de Bruno Pereira e Dom Phillips. Que a justiça faça justiça realmente. Eu espero ajudar com o meu depoimento”, pontuou  a testemunha.

Mandante do crime

Ruben Dario Villar Coelho
Ruben da Silva Villar, o “Colômbia” (Foto: Divulgação/Redes sociais)

Apontado desde o início das investigações do caso por testemunhas e já confirmado pela Polícia Federal como o mandante dos assassinatos de Bruno e Dom, Ruben da Silva Villar, mais conhecido como “Colômbia”, não faz parte do processo que demandou as audiências de instrução que começaram hoje (20) e vão até o dia 22. 

A confirmação de sua participação nos crimes foi dada pelo delegado da PF, Eduardo Fontes, em coletiva de imprensa realizada no dia 23 de janeiro deste ano, em Manaus.

“Nós temos, comprovadamente, ele [‘Colômbia’] fornecendo as munições que foram utilizadas no crime. Nós temos o pagamento que ele realizou para o advogado. Temos a ligação que ele realizou na sexta-feira [dia 3 de junho], véspera dos crimes para um dos investigados. No dia do crime, há a tentativa dele ligar para o criminoso. Temos vários elementos que o apontam”, disse o delegado na coletiva em questão. 

“Colômbia” foi detido pela primeira vez pela PF em julho do ano passado, após apresentar documentos falsos, em um dos quais figurava como Rubens Villar Coelho, com nacionalidades que alternavam entre peruano e colombiano. Sua detenção era preventiva e ele chegou a ser liberado três meses depois do regime fechado, após pagar fiança de R$ 15 mil.

A condição imposta pelo Juiz Fabiano Verli, da Justiça Federal do Amazonas, era de que ele não saísse do país, comprovasse residência fixa em Manaus, capital amazonense – distante cerca de 1.600 quilômetros de Benjamin Constant, onde “Colômbia” mantém parte de seus negócios – e que usasse tornozeleira eletrônica. Ruben, no entanto, desobedeceu as condicionantes da justiça, foi dado como foragido e voltou para o regime fechado no fim do ano passado.

Não há nenhuma manifestação da justiça ou dos advogados de acusação sobre a ausência de “Colômbia” entre os réus apontados como os executores dos crimes.

Amazônia Real tentou contato com os advogados das famílias de Bruno e Dom, que auxiliam o MPF na acusação, mas não teve resposta. Também tentou contato com os advogados de defesa dos réus, mas também não retorno.

Primeiro dia das audiências de instrução dos réus pelos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips (Foto: Reprodução/TV Globo)

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Fonte: https://amazoniareal.com.br/justica-inicia-audiencia-de-instrucao-dos-assassinos-de-bruno-e-dom/