Na decisão, juíza federal Jaiza Fraxe aplica sanção de 100 mil reais à empresa e diz para Funai responder seu posicionamento sobre a constituição de GT para início da demarcação do território reivindicado pelos indígenas de AutazesNa imagem acima, o tuxaua Sérgio Nascimento, passa em frente de placa da empresa na aldeia Soares (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real/2022).


Manaus (AM) – A Justiça Federal do Amazonas multou a Potássio do Brasil em 100 mil reais por esta se recusar a retirar placas de identificação da aldeia Soares, onde vive o povo indígena Mura, em Autazes, no interior do Amazonas. A empresa também foi multada em 50 mil reais por dia de descumprimento. A decisão foi proferida pela juíza Jaiza Fraxe nesta segunda-feira (03), acatando pedido do Ministério Público Federal. A justiça também determinou que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) responda em um prazo de 30 dias sobre a constituição de um Grupo de Trabalho (GT) para demarcar a Terra Indígena Soares/Urucurituba, denominação que eles deram à área após autodemarcação feita em 2018 pelos Mura.

No início de fevereiro de 2023, os indígenas Mura tentaram desinstalar as placas colocadas pela Potássio do Brasil na aldeia Soares, pois já havia uma decisão judicial anterior determinando a retirada. Mas, eles foram impedidos pela polícia de Autazes, que agiu a pedido da empresa. De acordo com os indígenas, os policiais também fizeram ameaças.

“Repudiamos a ação da Guarda Municipal de Autazes e da empresa Potássio do Brasil para intimidar os indígenas Mura dentro de nosso território indígena”, diz nota assinada pelo tuxaua de Soares, Sérgio Nascimento, e pelo presidente do Conselho Indígena Mura (CIM), José Cláudio Mura. Eles pediram ainda que a Potássio do Brasil pare de circular dentro da terra indígena.

À Amazônia Real, Sérgio Nascimento disse, nesta terça-feira (04), que as placas foram retiradas mais de uma semana depois do episódio pela empresa. “Mas antes, eles mandaram a polícia intimidar a gente, prometendo prisão. Diziam pra gente dar conta das placas”, contou. 

A multa aplicada pela Justiça Federal não é apenas em relação às placas. Segundo a juíza Jaiza Fraxe, a penalidade ocorre também “pela violação do território Mura e pela manifesta má-fé na atuação contra os indígenas Mura no episódio”.

“No ponto referente à circulação e intimidação da empresa ré perante o território indígena e a colocação de placas, trata-se de episódios constantes para os quais já havia sido advertida, de modo que não haverá mais outra advertência mas exigência direta do o juízo pelo imediato cumprimento da obrigação de não-fazer, ficando todos cientes de que poderá ocorrer a qualquer momento nova inspeção judicial no local, a fim de constatar o cumprimento da decisão judicial”, diz trecho da decisão.

De acordo com os autos judiciais, a Potássio do Brasil informou que já “procedeu com a retirada das placas dos terrenos em questão, restando, mais uma vez, configurada sua boa-fé e cooperação nestes autos”. Reportagem especial da Amazônia Real, publicada em março do ano passado, revelou como a empresa comprava terrenos dos próprios indígenas para fazer com que a mineração fosse um fato irreversível.

Visitas da Funai

Vista aérea da aldeia Soares, do povo Mura, na cidade de Autazes, Amazonas (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

A decisão de Jaiza Fraxe chega em um período em que os indígenas Mura começam a ter suas demandas atendidas pela Funai. Os Mura têm pressa no processo de demarcação da aldeia Soares, junto de outra comunidade que também será impactada pela exploração de potássio – Urucurituba, localizada à margem do rio Madeira  -, para evitar a mineração em seu território.

Desde o final de semana, a Funai está na aldeia coletando informações para constituir o Grupo de Trabalho (GT) e, assim, iniciar o processo de demarcação pela Funai, ainda em seu estágio inicial, descrito como “qualificação”. As lideranças pedem a regularização do território desde 2003, durante o primeiro mandato do presidente Lula. 

A visita acontece após um pedido feito pelo próprio Sérgio, que esteve na sede da Funai, em Brasília, no início de março. Na ocasião, em resposta a questionamentos enviados pela Amazônia Real, a Funai informou que havia iniciado a qualificação da reivindicação fundiária do povo Mura e que os trabalhos de campo para realização da qualificação ocorreriam a partir do fim de março.

“Quanto à suspensão de todo o processo até que seja constituído o GT – Grupo de Trabalho sobre o pedido de demarcação da Aldeia Soares, em razão da autonomia dos povos indígenas e de sua qualidade de sujeitos do processo dotados de capacidade civil, entendo pertinente colher suas manifestações, o que poderá ser feito por meio das organizações CIM, OLIMCV ou por seus (suas) próprios Tuxauas, para o que concedo-lhes o prazo de 30 – trinta dias. No mesmo prazo, deve a Funai se manifestar, informando claramente se acolheu administrativamente o pedido de formação do GT, explicitando o que couber”, decidiu a magistrada.

Os indígenas Mura de Soares querem solucionar o limbo fundiário em que se encontra a comunidade. Embora ela tenha mais de 200 anos, os indígenas de Soares nunca viram passar de fase o pedido de demarcação na Funai. O projeto de exploração de mineração pela Potássio do Brasil deixou as lideranças em alerta, que voltaram a cobrar um posicionamento da Funai e do governo brasileiro, na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Apoio do vice-presidente

Vice-Presidente Geraldo Alckmin durante a 308ª Reunião Ordinária do Conselho de Administração da Suframa (CAS) (Foto: Joel Arthurs/Dircom-Aleam)

Os indígenas também estão se mobilizando como resposta às articulações da Potássio do Brasil, que desde o início de 2023 vem fortalecendo seus contatos com autoridades do governo do Amazonas, do governo federal e com instituições de ensino em favor do projeto de mineração. O principal foi o posicionamento favorável do vice-presidente da república e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin. 

Em visita a Manaus, no dia 24 de março, Alckmin declarou: “Potássio é Amazonas, é Autazes. Nós vamos trabalhar com empenho para resolver o problema jurídico. Não é possível levar cinco anos discutindo competência do licenciamento”, conforme noticiado pela imprensa. No início de março, executivos da mineração já haviam participado de uma audiência com Alckmin, entre eles o presidente da Potássio do Brasil, Adriano Espeschit. 

Outro apoio que a Potássio do Brasil recebeu foi o da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), que assinou um Protocolo de Intenções com a empresa “com o objetivo de realizar ações necessárias para a implementação e gestão do Programa Autazes Sustentável (PAS)”. Em nota divulgada pela Ufam, onde o reitor Sylvio Puga aparece ao lado de empresários, a instituição afirma que “todas as ações previstas no Programa Autazes Sustentável serão realizadas por meio de convênios próprios (acordos de cooperação técnica), assim como, os recursos a serem utilizados para a sua implementação. O documento tem validade de cinco anos, podendo ser renovado”.

A nota traz informações sobre o projeto, mas não faz referência às reservas do minério estarem dentro de uma terra indígena em fase de demarcação.

A Potássio do Brasil tem mudado sua estratégia de marketing para passar uma imagem positiva e “sustentável”, apesar do enorme impacto ambiental e social, que consta no próprio Estudo de Impacto Ambiental do Projeto Autazes, o qual a Amazônia Real teve acesso. A empresa conta com amplo apoio de políticos locais e estaduais, incluindo o  governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil).

O que dizem as autoridades

Detalhe da placa que sinaliza o ponto de perfuração principal da empresa Potássio Brasil, na aldeia Soares (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

Amazônia Real procurou a Funai para saber os desdobramentos da visita da equipe na aldeia Soares. O órgão informou que “iniciou a qualificação da reivindicação fundiária da comunidade Lago Soares, habitada pelo povo Mura no município de Autazes” e que “os trabalhos de campo para realização da qualificação foram realizados no fim do mês de março deste ano”.

Segundo a Funai, “após a etapa de campo o material será analisado em âmbito interno, com o objetivo de motivar, oportunamente, a constituição de Grupo Técnico multidisciplinar, responsável por realizar os estudos necessários à identificação e delimitação da área com base na legislação vigente”. O teor desta resposta já havia sido enviada em março, por ocasião do mesmo questionamento feito pela Amazônia Real.

Procurada para comentar sobre as declarações de Geraldo Alckmin, a assessoria de comunicação do MDIC disse que na ocasião da visita a Manaus, o vice-presidente “limitou-se a defender uma solução jurídica para o impasse sobre qual órgão seria competente para decidir a respeito do citado licenciamento”.

Conforme a assessoria, “uma vez definida a competência, o que ficar decidido nos termos da legislação — a favor ou contra o licenciamento — é o que passará a valer”.

“A segurança jurídica é uma condição indispensável para atrair investimentos, pois gera um ambiente de previsibilidade para os negócios. E assim, o investimento, seja no Amazonas ou em qualquer outro ponto do território nacional, ocorrerá nos termos da lei, e, sobretudo, com respeito ao meio ambiente, aí incluídos, naturalmente, os habitantes originários da região”, diz a resposta da assessoria.

A empresa Potássio do Brasil também foi procurada para falar sobre a decisão judicial e sobre placas na aldeia Soares. À Ufam, a agência solicitou informações sobre o Protocolo de Intenções. A instituição também foi indagada sobre o motivo de ter feito o convênio.

Até a publicação desta reportagem, a agência ainda não obteve respostas da empresa e da Ufam. Ela será atualizada quando a universidade e a empresa responderem.

 Elaíze Farias

Cofundadora da Agência Amazônia Real e editora de conteúdo. É referência em reportagens sobre povos originários, populações tradicionais, denúncias de violações de direitos territoriais e direitos humanos, violências socioambientais e impactos de grandes obras na natureza e nas populações amazônicas. Entre as premiações recebidas, está o Prêmio Imprensa Embratel. Em 2021, foi homenageada no 16º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), junto com Kátia Brasil, também fundadora da Amazônia Real. Em 2022, recebeu o Prêmio Especial Vladimir Herzog. É jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Fonte: https://amazoniareal.com.br/justica-multa-potassio-do-brasil-por-manter-placas-em-ti-dos-mura/

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