Fazedores de cultura manauaras e paraenses, afastados das atividades desde a chegada da Covid-19, aguardam sanção da lei pelo presidente Bolsonaro

Belém (PA) – A Lei Aldir Blanc está sendo vista como a sobrevivência para milhares de produtores culturais da Amazônia, impossibilitados de trabalhar desde o início das políticas de isolamento social. A previsão é a de que o estado do Amazonas receba R$ 32.021.165,58 e o Pará, R$ 67.641.674,13, segundo documento publicado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM). Mas para alguns criativos e fazedores de cultura esse auxílio emergencial chega tarde demais.

A estilista paraense Ulianna Mota, integrante do grupo body positive ManaGorda, morreu de covid-19 em 12 de maio, oito dias depois de Aldir Blanc, o cantor e compositor homenageado na Lei 1075/2020, que prevê ajuda de R$ 3 bilhões a profissionais das artes e do entretenimento em todo o País. Ulianna contou com a ajuda de amigos e a empatia do público que auxiliaram nos gastos com a sua internação, enquanto ainda resistia a um grave quadro de covid-19. Segundo amigos próximos, a estilista faleceu aguardando o pagamento do prêmio emergencial do governo do Pará “Te aquieta fica em casa”. Ela deixa uma filha de 13 anos, uma marca autoral que auxiliava o sustento da família e muitos sonhos.

Aldir Blanc contraiu a covid-19 e precisava de uma UTI. Não fosse por um apelo público e desesperado da família do autor de “O Bêbado e a Equilibrista” teria morrido sem conseguir ser internado. A Lei Aldir Blanc, de autoria da deputada Benedita da Silva (PT-RJ) e de outros 23 deputados, ainda aguarda a sanção do presidente Jair Bolsonaro. O repasse dos valores para Estados, Distrito Federal e municípios deverá ocorrer em um prazo máximo de 15 dias após a publicação da sanção da lei no Diário Oficial da União.

O artista Aldir Blanc (Reprodução: Facebook)

Podem ser beneficiados pela Lei Aldir Blanc, os mestres de cultura popular, artistas, produtores, técnicos, curadores, oficineiros e professores de escolas de arte. Para os agentes da cultura, a renda emergencial será paga em três parcelas sucessivas no valor de R$ 600. O beneficiado não pode possuir carteira assinada, estar recebendo o auxílio emergencial do governo federal e não tenha recebido, em 2018, rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70. Para espaços culturais e pontos de cultura, o benefício mensal poderá ser em até três tipo de cotas de R$ 3.000, R$5.000 a R$ 10.000. Entretanto, o GT da Lei Aldir Blanc está propondo uma cota única, sem distinção.

No Amazonas e no Pará, ações estaduais vieram ao socorro dos produtores culturais, mas em menor quantidade do que a demanda e com dificuldades de chegar a quem estava precisando. O artesão, rabequeiro e guardião da Marujada de Bragança, mestre Pedro Silva, morreu aos 83 anos acometido por outra comorbidade, durante a pandemia do novo coronavírus. Foi preciso que a Associação Ananin de Carimbó, de Ananindeua, realizasse uma campanha de arrecadação de fundos para pagar as despesas para o tratamento do mestre. A filha Sandra Castro desabafa. “Falta apoio e muito. Há dois anos fizemos uma inscrição para um edital de mestres e ele não foi aceito porque tinha poucas imagens para registro. A cultura paraense e a bragantina só são lembradas na época das festividades”, afirma a enfermeira.

A realizadora cultural Tainá Marajoara (Foto: Roberta Brandão/2015)

O rapper paraense Sheriton Moraes, de 25 anos, também denuncia atraso no pagamento do prêmio emergencial do governo do Pará. Ele só obteve um retorno depois de 40 dias, após muita insistência. “A primeira vez que fui ao banco a assinatura da Secretaria de Cultura não foi reconhecida. O funcionário do banco me avisou que no dia anterior outros 12 contemplados na premiação tinham voltado por conta do mesmo problema. Gastei dinheiro com condução e me expus a três dias consecutivos ao vírus indo atrás do meu prêmio, além de me sentir bastante desrespeitado enquanto artista”, desabafa o rapper que já foi contaminado pela Covid-19.

“Toda a minha família pegou, meu pai teve um quadro grave da doença. Eu só consegui retomar a minha produção artística de um tempo pra cá. Foi bem difícil, meu pai tem crises de pânico até hoje que achamos que foi resultado de tudo o que a gente passou”, afirma Moraes, que também atua como produtor de hip hop. Procurada pela reportagem da Amazônia Real, a Secretaria de Cultura do Estado do Pará se negou a responder os questionamentos sobre o pagamento do edital emergencial “Te aquieta fica em casa”.

Em Manaus, 1.500 pessoas estavam cadastradas no estado do Amazonas como fazedores culturais antes da pandemia. Atualmente, após um levantamento dos impactos da pandemia no setor, por meio de um questionário virtual, o número de agentes culturais saltou para 4.297. O edital estadual “Fica na rede Maninho” teve 791 pessoas inscritas para 290 prêmios disponíveis, no valor de R$ 1.000.

Em entrevista para a Amazônia Real, o secretário de cultura, Marcos Apolo, afirmou que Manaus tem um Fundo de Cultura, gerido pelo Conselho Municipal de Cultura. “O Estado do Amazonas tem um Fundo Estadual de Cultura, porém está em fase de regulamentação. O projeto de lei prevê que, em localidades onde não haja fundo de cultura, a Secretaria Estadual de Cultura poderá fazer a aplicação dos recursos para atingir a sua finalidade legal”, disse.

Taciano Soares é artista e produtor cultural, em Manaus (Foto: Reprodução Facebook)

Chamada pública para benefícios

No Pará, somente agora a Secretaria da Cultura se prepara para fazer o primeiro levantamento do número de pessoas envolvidas no setor por meio de um cadastro dos artistas e dos espaços culturais. Haverá uma chamada pública para compor uma espécie de mapa virtual que funcionará com um software livre. Esse mapeamento será fundamental para a identificação do fazedor cultural para que ele receba o auxílio emergencial. O cadastro poderá ser realizado pelo próprio agente cultural ou por meio de um ponto de apoio da secretaria de cultura de cada município.

Segundo afirmou a secretária, Úrsula Vidal, em uma webconferência com os agentes culturais, no dia 23 de junho, os repasses dos benefícios da Lei Aldir Blanc para os agentes culturais serão de responsabilidade do estado. Os subsídios de R$ 3.000 e R$ 5.000 para os espaços culturais será decidido pelos municípios a partir do que for definido com o conselho municipal de cultura e a sociedade civil. Território indígenas, quilombolas, afro-religiosos já estão automaticamente incluídos no benefício porque as suas práticas cotidianas são reconhecidas como práticas culturais.

“A Lei Aldir Blanc faculta que espaços culturais informais, ou seja, que não são formalizados juridicamente, também têm direito ao benefício emergencial”, explica Valcir Santos, professor de Economia na Universidade Federal do Pará (UFPA) e integrante do Fórum de Cultura do Pará. Foi o Fórum que propôs à relatora da lei, a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), incluir esse trecho no texto final. “A maior parte dos espaços culturais na Amazônia é informal, sobretudo os que se situam em comunidades tradicionais, como quilombolas, áreas ribeirinhas, em aldeias indígenas, mas também os que se situam em áreas periféricas ou ligadas à cultura popular”, acrescenta.

O professor da UFPA afirma que o Estado ou até mesmo os municípios só serão capazes de fazer a devida distribuição dos recursos emergenciais da Lei Aldir Blanc se houver a participação da sociedade civil. Os municípios terão até 60 dias para dar destino aos recursos previstos. Caso contrário, o benefício retornará para o estado e deve ser revertido ao Fundo Estadual de Cultura. Esse benefício não pode ser concedido a espaços culturais vinculados ou criados pela administração pública, como fundações, institutos ou instituições criados ou mantidos por grupos de empresas, teatros e casas de espetáculos de diversões com financiamento exclusivo de grupos empresariais.

As empresas culturais e organizações culturais comunitárias, as cooperativas e as instituições beneficiadas com o subsídio dos espaços culturais serão obrigadas, após o reinício das atividades presenciais, a realizar atividades para alunos de escolas públicas ou em espaços públicos de sua comunidade, de forma gratuita. Também terão que prestar contas dos recursos utilizados.

Mas a trama burocrática que já se espera para os contemplados da Lei Aldir Blanc é parte de uma história de injustiça tributária e dificuldades do reconhecimento de um ponto de cultura para as manifestações de cultura popular. À espera do primeiro filho, a ativista da cultura alimentar, integrante do Fórum de Culturas do Pará e idealizadora do espaço cultural Iacitata, Tainá Marajoara, de 37 anos, explica: “Pagamos tarifa cheia de tributos, enquanto as mineradoras, as hidrelétricas e o agronegócio recebem isenção, incentivos e fomento e aplicação direta de recursos do Tesouro federal, do estado, além dos benefícios municipais. Nós não tivemos nenhum benefício nem de IPTU, nem na conta de água e nem na conta de luz”, declara Tainá sobre o espaço cultural que tem 11 anos de existência.

Atriz Ana Oliveira (Arquivo pessoal)

 

 

 

Fonte: https://amazoniareal.com.br/lei-aldir-blanc-garantira-sobrevivencia-para-produtores-culturais-da-amazonia/

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