Manaus (AM) – Como resposta à indústria da moda marcada pelo fast fashion, caracterizado pela produção de roupas em massa e com preços mais acessíveis, mas muitas vezes de qualidade inferior e pouca durabilidade, a moda autoral ganha cada vez mais espaço em Manaus, capital do Amazonas. A alternativa, estabelecida por estilistas e artistas independentes, busca novas formas de oferecer produtos inspirados nas suas vivências e na cultura local. A originalidade dos processos também é valorizada e a criação dos produtos é acompanhada de perto, desde a escolha de tecidos até a chegada das peças aos clientes.

Em Manaus, esse tipo de economia independente e alternativa cresce inspirada nas vivências de pessoas pretas, indígenas e de periferia, artistas que financiam o próprio sonho, como Italo Douglas, criador da marca de roupas e acessórios de streetwear Problema Entretenimento. 

A Problema nasceu em 2016, criada por Italo junto com Bianca Lima. Com o objetivo inicial de vestir as pessoas próximas, inseridas no cenário do hip-hop, e trazer representatividade para a região por meio das roupas, a marca evoluiu e se tornou uma grande potência autoral na região Norte, vestindo jovens de todas as classes sociais e se mantendo de forma independente

Criado no bairro do Crespo, zona sul de Manaus, Italo vivenciou períodos na rua, onde pôde observar amigos entrando para o crime. ”Muitos manos que eu conhecia morriam por Nike, por roupa de marca”, conta. O desejo de representar esses jovens e fazer com que não entrassem no mundo do crime para comprar roupas e tênis caros inspirou a criação da marca. Colaborando com o crescimento da cena hip-hop em Manaus, a grife alternativa busca, através da moda, elevar a autoestima das pessoas e dar um sentimento de pertencimento ao público que consome as peças.

Apesar das dificuldades para encontrar matéria prima, que é escassa e cara na cidade, a Problema prioriza a produção artesanal e a mão de obra e fornecedores locais, além de fidelizar seus terceirizados para continuarem o processo de produção. O trabalho realizado é traduzido na frase que está no logotipo: “Produzido no Pólo Marginal de Manaus”

A parceria com outras marcas também faz parte dos planos de Italo. O mercado da moda na cidade está passando por um processo evolutivo muito grande, as marcas e artistas de forma geral estão se unindo em prol do crescimento do movimento e do cenário manauara. A gente ver essa união acontecer na frente dos nossos olhos é muito importante”, diz o criador da Problema.

Outra grife de streetwear fundada em Manaus é a Tou Collection. Criada como uma empresa fictícia na época em que seus fundadores, Wesley Hipólito e Rickson Andrews, ainda trabalhavam como jovens aprendizes, a Tou ganhou vida e hoje atua no mercado independente com criações de estampas autorais. 

Inspiradas pela cultura regional, as estampas mostram, por exemplo, a imagem do Curupira em uma ambientação moderna, com detalhes neon, estilo típico da Tou. Para os proprietários, a marca representa a realização de um sonho e a possibilidade de ascensão no cenário de moda streetwear em Manaus “Queremos ser referência em meio as marcas manauaras e do mundo”, dizem.

Uma das maiores dificuldades para a produção independente na região é a falta de incentivo financeiro para ajudar os artistas, como pontua Ramon Alada, estilista e criador da UTOPIA Brasil. “A cidade e as pessoas têm um potencial criativo, mas a gente não tem ajuda da Secretaria de Cultura ou do próprio governo e temos que fazer tudo sozinhos. Isso torna tudo mais difícil”, diz. 

Concretizada em 2018, mas idealizada muito antes, no projeto que Ramon fez para concluir a faculdade de moda, a UTOPIA também foi impulsionada pela insatisfação com o mercado elitista e racista da moda. “É muito difícil ser um profissional dessa área, ainda mais independente. O material é caro, as pessoas não têm o costume de valorizar nosso trabalho. Além da questão do racismo que não dá espaço para pessoas pretas e indígenas, o fator econômico não ajuda”, explica.

O estilista faz tudo sozinho: desenhos, moldes, escolha de tecidos etc. “O processo de produção é muito específico para cada peça, varia muito porque meu carro-chefe ultimamente tem sido o sob medida, que é quando a pessoa vem fazer uma coisa exclusiva. Não é coleção para venda, é uma peça única e cada peça pede seu processo. Todas elas têm o processo básico que é desenhar, juntar referências e estudar a temática e a história por trás”.

Os trabalhos da UTOPIA vem conquistando principalmente o mercado artístico da cidade e a marca vestiu cantores regionais como Dan Stump e Gabi Farias. “Por serem artistas também independentes, eu pude ter uma liberdade criativa muito legal e esses dois especificamente me abriram portas aqui na cidade. Foram trabalhos totalmente conceituais e artísticos”, explica o estilista.

Para Ramon, o fato da sua marca ser independente é uma oportunidade, pois a produção não está ligada a tendências comerciais e não é produzida em larga escala, oferecendo liberdade criativa. Mas, por outro lado, a instabilidade financeira e não saber como vai se manter no mercado exige resistência, principalmente por ser uma pessoa negra que faz moda na região Norte. “O mercado artístico e criativo aqui de Manaus tem muita identidade, uma estética diferenciada do país. É muito rico e a gente tem que buscar torná-lo mais visível ao mundo”.

Moda indígena

  • Ensaio fotográfico para a Associação Watyamã das mulheres Sateré Mawé (Foto: Diogo Ferreira @diogoferreirafotos)
  • Ensaio fotográfico para a Associação Watyamã das mulheres Sateré Mawé (Foto: Diogo Ferreira @diogoferreirafotos)
  • Ensaio fotográfico para a Associação Watyamã das mulheres Sateré Mawé (Foto: Diogo Ferreira @diogoferreirafotos)
  • Making of de ensaio fotográfico da coleção de Yra Tikuna (Foto: @yratikuna)
  • Coleção de Yra Tikuna para a Mostra Intercultural de Moda Indígena (Fotógrafos: @Diogo Ferreira e @Alonso Junior)

A 1a. Mostra Intercultural de Moda Indígena do Brasil acontecerá entre os dias 2 e 23 de abril e será sediado em Manaus. Com a temática do grafismo indígena, o evento contará com a participação de 29 estilistas de diversas etnias, como Yra Tikuna. Oriunda da aldeia Umariaçu, em Tabatinga, na região do Alto Solimões, hoje Yra mora em Manaus, na aldeia Inhãa-bé, com a família. E foi na aldeia que começou a costurar há mais de 20 anos.

“A nossa vestimenta surgiu de uma necessidade aqui da aldeia, a gente precisava usar uma vestimenta padrão, e então eu comecei a costurar, fazer saias para as meninas e bermudas para os meninos. Depois foram surgindo outros tipos de roupas, como vestidos e saias longas”, conta a estilista.

Yra explica que seu povo, os Tikuna, utilizam o tururi, uma espécie de fibra vegetal que envolve os frutos de uma palmeira chamada Ubuçu, para fabricar suas vestimentas. E foi pensando nessas vestimentas que ela começou a criar outros modelos. Porém, na aldeia onde mora hoje não existe a matéria prima do tururi, e as roupas são feitas com algodão cru, o que mais se assemelha a essa fibra.

“O  processo do tururi é muito demorado. Para fazer tem que ter toda uma preparação, até que ele venha a ser um pano demora uma semana mais ou menos”, explica Yra. Para ela, não ter o material do tururi é uma das grandes dificuldades para a produção em Manaus, onde é preciso comprar panos e tintas, diferente da situação da sua aldeia, onde tudo era encontrado na floresta.

A Mostra vai garantir uma oportunidade de visibilidade para o trabalho da estilista, que espera que não-indígenas tenham a oportunidade de conhecer suas criações. “Estou feliz em mostrar nossa cultura, que aparece nos grafismos que colocamos nas nossas roupas. Eles contam toda a história do nosso povo, de onde surgiu, de onde veio. A Mostra dá uma outra visão para as pessoas sobre a nossa vestimenta.”

Um dos coletivos de estilistas e artesãos que fará parte da Mostra é o Watyamã, uma associação de mulheres indígenas do povo Sateré-Mawé. Desde 2007, a matriarca do grupo produzia roupas para grupos culturais, utilizando panos de saco por ser mais barato e econômico. O coletivo se mantinha por meio da venda de artesanato, mas com a pandemia da Covid-19 as estilistas e artesãs resolveram migrar para o tecido. “Desde o ano passado fazemos roupas, mas nosso público ainda é formado apenas por indígenas, queremos expandir isso e levar nossas peças a outras pessoas”, explicam.

Os produtos do coletivo são retirados da natureza, como sementes e caroços. Sem recursos, as estilistas e artesãs tiveram que aprender a utilizar o pouco que possuíam com criatividade e pretendem mostrar para o público brasileiro que Manaus tem muito a oferecer para o mercado. “Com essa Mostra, vamos mostrar quem somos, o talento das Watyamã e que Manaus tem maravilhosas estilistas”.

A Mostra é uma parceria da Seanny Artes Produções e do Projeto de Extensão Contadores de Histórias, da Escola Superior de Artes e Turismo (Esat) e Universidade do Estado do Amazonas (UEA). O projeto foi concebido após uma visita da atriz Reby Oliveira ao bairro Parque das Tribos, localizado na região do Tarumã, em Manaus, onde pôde ter contato com as produções da comunidade indígena.

Produtora executiva da Mostra, a atriz diz que o caráter indígena do evento tem importância por ressignificar a moda manauara. “Queremos quebrar o preconceito e os estereótipos que foram construídos sobre as populações indígenas, mostrar que existem culturas diferentes em cada etnia. Que é bonito ser indígena, que eles possuem riquezas e conhecimentos que podem ser compartilhados em espaços culturais”, afirma. 

O que é? 1ª Mostra Intercultural de Moda Indígena do Brasil
Quando: abertura dia 02 de abril
Local: Maloca dos Povos Indígenas, Rua Rio Purús,
Parque das Tribos, bairro Tarumã Açú, na zona Oeste de Manaus
Link do localizador na bio do @mi.modaindigena
A cantora Gabi Farias em uma produção da Utopia Brasil (Foto: @phdemi)

Fonte: https://amazoniareal.com.br/marcas-e-estilistas-independentes-inovam-o-cenario-da-moda-em-manaus/

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