Por Nicoly Ambrosio
Maior assembleia de mulheres originárias do Brasil, a IV Marcha das Mulheres Indígenas reúne cerca de cinco mil participantes para discutir políticas públicas que fortaleçam a voz das mulheres indígenas. Marcha das Mulheres Indígenas acontece em Brasília. (Fotos: Yuri Curtulo/DPU).
Manaus (AM) – Pelo fim da violência territorial e de gênero, mulheres indígenas de todos os biomas do Brasil estão reunidas desde o último sábado (02 de agosto), em Brasília (DF), para participar da IV Marcha das Mulheres Indígenas, considerada a maior assembleia de mulheres originárias do país. Sob o lema “Nosso corpo, nosso território: Somos guardiãs do planeta pela cura da terra”, elas discutem coletivamente estratégias de enfrentamento à crise climática, fortalecimento dos seus direitos e pedem pelo veto total do PL 21.159/21, o “PL da Devastação”, que enfraquece o licenciamento ambiental no país.
Com uma semana inteira de atividades, a mobilização segue até a próxima sexta-feira (08), no complexo de instalações Eixo Cultural Ibero-Americano, antiga sede da Fundação Nacional de Arte (Funarte). Esta edição inclui a realização histórica da 1ª Conferência Nacional das Mulheres Indígenas, cuja abertura oficial aconteceu nesta segunda-feira (04), na Tenda da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), organização à frente do evento.
Cinco mil mulheres participaram da abertura da conferência, com presença da ministra dos Povos Indígenas e cofundadora da Anmiga, Sonia Guajajara; a deputada federal e também cofundadora da Anmiga, Célia Xakriabá; e a presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana.
A atividade está sendo coordenada pelos Ministérios dos Povos Indígenas (MPI), das Mulheres (MMulheres), Anmiga e União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (Umiab). Com o tema “Mulheres Guardiãs do Planeta pela cura da Terra”, o objetivo é construir políticas públicas que considerem as realidades das mulheres indígenas em seus territórios. As propostas e reivindicações construídas pelas lideranças indígenas serão formalmente apresentadas ao Governo Federal ao final do evento.

Em entrevista à Amazônia Real, Marinete Tukano, coordenadora-geral da Umiab, destacou o significado da participação amazônida na construção da conferência e da Marcha.“Nossa participação tem um significado muito importante porque é uma voz que se fortalece dentro do maior bioma do Brasil. Apesar dos desafios geográficos, estamos aqui para levar nossas dores e dizer como estamos nos territórios, buscando estratégias para fortalecer nossos direitos como mulheres indígenas”, disse.
Com um espaço montado para pautar os debates das mulheres indígenas da Amazônia, a tenda da Umiab também recebeu lideranças dos movimentos sociais e mulheres indígenas dos seis países da Bacia Amazônica (Peru, Equador, Colômbia, Panamá e Bolívia).
As principais pautas levadas pelas mulheres indígenas da Amazônia a Brasília envolvem o respeito aos direitos básicos, o fim das violências contra as mulheres indígenas, o reconhecimento das parteiras e anciãs, a educação diferenciada, a saúde da mulher e, sobretudo, a demarcação dos territórios.
“Se a terra não estiver demarcada, estarão ferindo os nossos corpos. Porque o nosso corpo é o nosso território”, afirmou Marinete. Ela também ressaltou que as mulheres indígenas estão engajadas na campanha pelo feminicídio zero, buscando estratégias para que a política federal funcione de fato nos territórios.
“Dentro dessa conferência, nós discutimos as mudanças climáticas e os nossos direitos. A partir deste acampamento, seguimos construindo, com base nos encontros regionais sobre a COP30, para levar nossos anseios e vontade de transformação. Ao longo do ano, temos atuado nacional e internacionalmente, buscando parcerias para fortalecer nossas vozes e lutas, diante da desigualdade e da invisibilidade que ainda enfrentamos. Vamos levar à COP30 nossa representatividade, do nosso jeito, com estratégias para que nossas vozes sejam ouvidas”, disse.
No segundo dia da IV Marcha das Mulheres Indígenas, a coordenadora geral da Rede de Mulheres Indígenas do Amazonas – Makira E’ta, Maria Socorro, esteve presente na tenda da Umiab e falou sobre a importância do enfrentamento a violência sofrida por mulheres, crianças, juventude, LGBTs e idosos.
Crise climática afeta mulheres indígenas

Com apoio da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a delegação da Umiab levou ao encontro o tema “Pelo Clima e pela Amazônia: A Resposta Somos Nós”, reafirmando que a solução para a crise climática parte do protagonismo indígena. A crise climática tem afetado as mulheres indígenas de forma desigual nos territórios amazônicos, segundo Marinete Tukano. E elas são as primeiras a sentir os impactos, não só ambientais, como a seca ou a cheia dos rios, mas também sociais, emocionais e psicológicos.
A liderança explica que as mulheres acumulam múltiplas responsabilidades dentro e fora das aldeias, sobretudo as que exercem liderança, e que a sobrecarga se intensifica diante das mudanças climáticas. Além disso, destaca que a desigualdade é agravada pelo racismo estrutural e institucional, que atinge diretamente aquelas que atuam como cacicas, professoras, parteiras e profissionais da saúde, muitas vezes sem reconhecimento ou valorização.
As consequências mais sentidas por essas mulheres, segundo ela, estão relacionadas à soberania alimentar, à saúde da mulher, à saúde mental e à demarcação dos territórios, elementos todos interligados com a preservação da vida. “A mudança climática tem nos atingido também no nosso psicológico, enquanto mulher indígena sobrecarregada com várias funções e responsabilidades dentro e fora do território. Porque o racismo institucional têm adoecido as mulheres que estão na linha de frente e as mulheres que estão na aldeia”, afirma Marinete.
Na segunda-feira, a Coiab entregou a representantes do governo federal declarações políticas contendo reivindicações para a COP30, elaboradas por povos indígenas e movimentos sociais, além da NDC Indígena da Bacia Amazônica. As declarações, resultado das articulações da Coiab, reúnem demandas e propostas das organizações dos movimentos sociais da Amazônia Brasileira para a agenda climática nacional, enfatizando o reconhecimento das contribuições dos povos e territórios amazônicos no enfrentamento da crise climática.

A NDC Indígena da Bacia Amazônica apresenta ações e recomendações para as políticas climáticas dos nove países da região. Ambos os documentos foram construídos coletivamente no âmbito da campanha “A Resposta Somos Nós”, um chamado global por justiça climática pautado no protagonismo dos povos indígenas.
O documento pediu pela garantia da presença e participação efetiva das mulheres amazônicas nos espaços da COP 30, com representação nos eventos paralelos, no Pavilhão das Mulheres e nas estratégias de incidência política dentro e fora das zonas oficiais. Além disso, as mulheres indígenas reivindicam a criação de uma rede de articulação de mulheres amazônicas para as eleições de 2026.
“Quem tem recurso vai estar nos melhores hotéis, mas para nós que sempre vivemos na luta, que sempre fizemos história na luta, vai se tornar um problema se a gente não estiver alinhado para receber esse evento no Pará”, disse Concita Sompre, líder indígena e cofundadora da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa).
Durante plenária do encontro, Sinéia do Vale Wapichana, cientista indigena que é autoridade climática e referência em estudos dos impactos climáticos nas comunidades indígenas, celebrou sua posse como co-presidente Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças do Clima, o Caucus Indígena. O Caucus Indígena é o espaço dedicado exclusivamente às populações indígenas para alinhar conceitos e posicionamentos relacionados às pautas de negociação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC). Sinéia também atua como coordenadora de gestão territorial e ambiental do Conselho Indígena de Roraima (CIR).
“A gente vem, cada vez mais, ocupando esses espaços. Eu nunca almejei estar na coordenação do Caucus Indígena, mas a gente tem uma caminhada legítima que nos leva a estar lá. Me surpreendi ao ser convidada como enviada especial para a COP30. Mas eu sou uma mulher indígena, e estou representando todas as mulheres indígenas. Isso, para nós, é um caminho de acesso, para chegar à presidência da COP e dizer que nós, mulheres, precisamos de um pavilhão”, disse.
Mulheres em luta

A conferência nacional segue até nesta quarta-feira (06), com debates sobre direito e gestão territorial, emergência climáticas, políticas públicas, violência de gênero, saúde, educação e transmissão de saberes ancestrais para o bem viver. Durante os encontros, também está sendo construída a agenda da Caravana das Originárias de 2026.
No dia 7 de agosto, mulheres indígenas de diversos biomas e povos irão às ruas de Brasília para a IV Marcha das Mulheres Indígenas. Com o lema “Nosso corpo, nosso território: somos as guardiãs do planeta”, elas caminharão até o Congresso Nacional para reivindicar a proteção de seus corpos, territórios e formas de vida tradicionais.

Fonte: https://amazoniareal.com.br/marcha-das-mulheres-indigenas-pede-defesa-dos-territorios-combate-a-crise-climatica-e-a-violencia-de-genero/
Comentários