O juiz diz que a ação não trouxe dado oficial gerado em relação às ocorrências de Covid-19. O estado contabilizou hoje 9.243 casos confirmados de coronavírus e 751 mortesImagem dos enterros no cemitério N. S. Aparecida, em Manaus

Manaus (AM) – “O Ministério Público vai insistir na defesa da vida”, foi assim que a procuradora-geral Leda Albuquerque respondeu à reportagem da Amazônia Real sobre a decisão do juiz Ronnie Frank Torres Stone, da 1a Vara da Fazendo Pública, que, nesta quarta-feira (6), indeferiu a ação civil pública do MP que pediu o bloqueio total, o lockdown, de circulação de pessoas nas ruas dos 62 municípios do Amazonas, incluindo a capital. A intenção do órgão era diminuir o avanço da pandemia do novo coronavírus no estado e aumentar a capacidade de atendimento da população na rede de saúde pública e privada. As unidades de terapia intensiva (UTI´s) estão em colapso. O MP disse que vai recorrer da decisão no Tribunal de Justiça do Amazonas.

Para o juiz Ronnie Torres Stone, não cabe ao “Poder Judiciário minorar ou agravar medidas de circulação de pessoas para a contenção de epidemias. A leitura dessas políticas deve ser feita por equipes técnicas que, diante de dados concretos, possam municiar as decisões a serem tomadas pelo Chefe do Executivo – difíceis decisões, por sinal, pois, de regra, não é possível se antever quais serão as suas consequências”.

Em outras palavras, o magistrado disse que os 11 promotores do Ministério Público que assinaram o pedido não têm competência para orientar tal decisão. Ele questionou que “o pedido (ação civil pública) não veio acompanhado de base documental que dê sustentação à tutela requerida”. “Isso porque quase todas as menções na exordial dizem respeito a matérias jornalísticas.” Leia a decisão no site Conjur.

Nesta quarta-feira, o Amazonas registrou o maior número de casos confirmados de Covid-19 desde o início da pandemia: 1.134, o que elevou o total acumulado desde 13 de março, data do anúncio do primeiro caso no estado, para 9.243 notificações. Além disso, nas últimas 24 horas foram registradas 102 mortes, totalizando 751 óbitos. Esse número corresponde a 16% das mortes registradas só hoje em todo o Brasil.

Manaus concentra a maior parte dos casos e mortes, 5.474 e 522, respectivamente. A população, apesar do aumento nas mortes, permanece nas ruas, principalmente na periferia da capital. A estatística, que consta na ação do MP, é divulgada diariamente pelo boletim Secretaria de Saúde do Amazonas (Susam).

“Eu acho que os números estão colocados aí para quem quiser ver”, disse a procuradora-geral de Justiça, Leda Albuquerque. “Então isso é razão suficiente para que o Ministério Público busque sim garantir uma medida extrema no sentido de salvaguardar os direitos da população no que toca a saúde e no que toca a vida”, completou ela.

Apesar do aumento dos casos de Covid-19, na decisão, o juiz Torres Stone alegou não ver razão para “determinar as severas medidas de restrição à população manauara, como pretendido pelo Ministério Público, está claro que não existem nos autos, até o presente momento, elementos mínimos que justifiquem a medida judicial requerida, em caráter antecipatório, motivo pelo qual indefiro a tutela”.

Cemitério N. S. Aparecida no Tarumã, em Manaus
(Foto do Ensaio Insulae de Raphael Alves)

O primeiro caso de Covid-19 no Amazonas foi notificado em 13 de março. O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC) não seguiu as orientações do Ministério da Saúde para o distanciamento social da população. Em todos os decretos que ele baixou, incluindo a decretação da situação de emergência e calamidade pública, não foi determinada a quarentena de 15 dias para a população ficar confinada em casa, como fez os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Maranhão  e  Pará (os dois últimos decretaram o lockdown).

No dia 30 de abril, Lima anunciou um plano de flexibilização do isolamento social com a reabertura do comércio e indústria a partir do dia 14 de maio. O plano foi elaborado por uma equipe coordenada pelo economista e comentarista de emissoras de rádio, TV nacionais e internet, Samy Dana.

Antes mesmo de iniciar a flexibilização do isolamento social, indústrias da Zona Franca de Manaus voltaram, na semana passada, às atividades convocando mais de 50 mil operários, segundo o site UOL.

Para especialistas em infectologia, a curva epidemiológica no Amazonas ainda não aponta para uma diminuição do número de casos e o momento é de cautela, pois os hospitais da rede pública e privada continuam com as unidades de terapia intensiva (UTI´s) em colapso.

A ação do MP é contra a flexibilização do isolamento social e quer limitar a circulação de pessoas e de veículos particulares nas ruas dos municípios e da capital, de modo que o isolamento do convívio social atinja, no mínimo, 70% da população. O Amazonas tem uma população de mais de 4 milhões de habitantes, a metade vive em Manaus.

O lockdown é a medida rígida de isolamento social ampliado, prevista no plano de contingenciamento da pandemia pelo Ministério da Saúde. No Boletim Epidemiológico Especial no. 7, publicado em 6 de abril, o órgão avaliou que o Amazonas estava em fase de “Contaminação Acelerada” dos casos de Covid-19.

O boletim explicou que uma das ações que os gestores devem seguir tanto em estados como em municípios com alta da curva epidemiológica, era o distanciamento social ampliado ou bloqueio geral (lockdown) para manter a capacidade do sistema de saúde, além da orientação sobre o uso de máscaras para a população em geral, ampliação da realização de testes para profissionais de saúde e trabalhadores de serviços essenciais.

“Hoje mesmo o ministro da saúde [Nelson Teich] deu uma declaração dizendo que o lockdown deve ser importante em algumas regiões. Ele esteve a poucos dias em Manaus, ele viu a nossa realidade, por certo quando ele faz esse tipo de declaração ele está sim considerando a nossa realidade”, avaliou a procuradora-geral de Justiça, Leda Albuquerque.

Antes da decisão que negou o bloqueio total no Amazonas, o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB), classificou a ação do MP de “extrema”. “Proponho, desde já, a troca do lockdown, talvez impossível – em plena garantia da lei e da ordem – de ser efetivamente implementado e sugiro adotarmos medidas mais rígidas que forcem a adesão das pessoas ao isolamento social, sem a decisão extrema e arriscada do lockdown”, afirmou Arthur Virgílio Neto.

O que diz o governador?

O presidente da República Jair Bolsonaro, que é contra a quarentena na pandemia, ao lado do aliado Wilson Lima, em Manaus (Foto: Gilson Melo/Ecko Produções/Suframa)

Na manhã desta quarta-feira (6), o governador Wilson Lima (PSC) falou sobre a ação do MPE em entrevista à TV Rede Amazônica e defendeu “um modelo de isolamento social que mantenha serviços essenciais em funcionamento e o reforço em ações de fiscalização e conscientização da população”. Wilson disse que se houvesse decisão favorável ao pedido do MPE-AM, seria “necessário dividir responsabilidades com órgãos de todas as esferas para garantir o cumprimento do isolamento total”.

O governador afirmou que a medida tem que ser pensada de modo a não paralisar “supermercados, farmácias, indústrias, principalmente as indústrias que trabalham com a fabricação de insumos e outros equipamentos, que são fundamentais para o combater a Covid-19. Esses não podem parar”. A Assembleia Legislativa do Amazonas chegou a pedir a intervenção federal na saúde no estado, mas o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) negou após consultar Wilson Lima.

O governador do Amazonas também se defendeu dizendo “que as ações de fiscalização do Governo do Estado têm priorizado um trabalho de conscientização, mais educativo sobre a necessidade de fazer um isolamento social”. No entanto, dia após dia, os números desmentem o que diz Lima, pois desde o dia 30 de abril, a média diária de novos casos de Covid-19 no Amazonas é de 634, e só faz crescer. Em média, 53 morreram por dia neste mês de maio, ou o equivalente a mais de duas pessoas por hora. Ademais, neste intervalo, o índice de isolamento social no Amazonas está abaixo do recomendado pelo Organização Mundial de Saúde (OMS), com a média de 50%, quando o ideal seria de pelo menos 70%.

Manaus na contramão

Equipes Multidisciplinares no Dsei Alto Rio Purus no combate à Covid (Foto DARP)

Os estados do Maranhão e Pará, que estão com menos casos de Covid-19 na população, já adotaram o lockdown em municípios onde o número de casos é mais crítico para resguardar o sistema de saúde. De maneira geral, a população só poderá sair de casa em razão de serviços essenciais como consultas médicas. Supermercados, farmácias, bancos, entre outros devem continuar funcionando normalmente, mas bloqueios serão instalados nas cidades para fiscalizar a circulação de pessoas.

No Pará, que tem 5.017 casos confirmados e 392 óbitos, a medida atingirá dez municípios com altos percentuais de contaminados por Covid-19 a partir desta quinta-feira (7): Belém, Ananindeua, Marituba, Benevides, Santa Bárbara do Pará, Santa Izabel do Pará e Castanhal – para Santo Antônio do Tauá e Vigia de Nazaré, no nordeste paraense, e para Breves, no Marajó.

No Maranhão, o lockdown veio por determinação da Justiça após ação do Ministério Público do Maranhão (MPMA). Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontou que o Maranhão era o estado com maior ritmo de crescimento no número de mortos por Covid-19 no país e acendeu o alerta das autoridades do estado. De 5 a 14 de maio, os moradores da Região Metropolitana de São Luís só poderão sair de casa para atividades essenciais. O estado tem 5.028 casos confirmados e 291 óbitos.

Coveiros em momento de descanso no cemitério N. S. Aparecida no Tarumã
(Foto do Ensaio Insulae de Raphael Alves)

 

 

Fonte: https://amazoniareal.com.br/mp-ira-recorrer-de-decisao-que-indeferiu-o-lockdown-no-amazonas/

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