Brasília (DF) – “Este é um 7 de setembro diferente. É um dia de muito cuidado, de muito alerta”, advertiu a coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sonia Guajajara, em entrevista à agência Amazônia Real sobre o clima de animosidade em comemoração ao Dia da Independência do Brasil e que levou manifestantes pró-Jair Bolsonaro (sem partido) à Brasília no momento em que deveria começar a 2ª Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, que reúne mais de 4 mil mulheres de 150 povos diferentes.Sonia disse que a noite de segunda-feira (6) para esta terça foi de sobressaltos variados, especialmente para os anciãos indígenas, que foram acordados diversas vezes com barulhos de buzinas e com a notícia de que um ônibus estaria tentando invadir o espaço onde os povos originários estão concentrados. Havia uma marcha na programação, mas foi suspensa. “As mulheres permaneceram no acampamento para evitar riscos de sofrerem violência”, disse.
“Há muita notícia falsa rodando com o intuito de desmobilizar os parentes”, afirmou a líder. Em uma fala em plenária logo pela manhã, Sonia Guajajara advertiu aos indígenas que não ficassem próximos ao Eixo Monumental, mesmo durante o dia, para evitar provocações feitas pelos manifestantes bolsonaristas.
Apesar do clima tenso, felizmente não foi registrado incidentes no acampamento das mulheres.
Sonia Guajajara (de camiseta vermelha) e demais lideranças
(Foto: Eric Marky/Mídia Índia)
A marcha somente ocorrerá nesta quarta-feira (8) às 13h (12h em Manaus), quando as mulheres irão acompanhar a continuidade do julgamento do marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Praça dos Três Poderes, onde foi instalado um telão para transmissão da sessão ao vivo.
Com o tema “Mulheres Originárias: Reflorestando mentes para a cura da Terra”, a 2ª.Marcha é promovida pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
O acampamento indígena foi montado entre a Fundação de Artes (Funarte) e o Planetário, em um gramado cheio de árvores e com largura de aproximadamente 200 metros entre as pistas de sentidos contrários da via que cruza perpendicular às Asas Norte e Sul.
Os apoiadores do presidente começaram a chegar na segunda-feira à capital federal, anunciando confrontos . “Vai derramar sangue em Brasília”, diz um dos vídeos postados por seguidores do presidente, que os incentiva com afirmações diretamente contrárias ao STF e ao Congresso Nacional. Ficou evidente que foram mais corajosos pelas redes sociais; na Esplanada, montaram cenários com carretas do agronegócio, mas não forçaram barreiras policiais.
A única visita ao acampamento foi de uma comitiva do Grito dos Excluídos, que se manifestou na Torre de TV, também no Eixo Monumental, a menos de 1km do local onde estão os indígenas. Houve uma saudação mútua durante o encontro dos dois grupos. Realizado nesta mesma data desde 1995, este ano O Grito tem apoio da Campanha Nacional Fora Bolsonaro, com o mote: “Vida em primeiro lugar — na luta por participação popular, saúde, comida, moradia, trabalho e renda já!”.
Discurso golpista
A própria imprensa tradicional acusa Jair Bolsonaro de proferir “discurso golpista”, nos atos antidemocráticos no Dia da Independência. O presidente fez um sobrevoo de helicóptero pela manifestação verde-amarela, que se concentrou na Esplanada dos Ministérios. Este 7 de Setembro ocorre em meio a uma crise econômica, e grave queda de popularidade do ocupante do Palácio do Planalto, que é alvo de vários pedidos de impeachment.
Os barulhentos bolsonaristas lotaram quase 100% o setor hoteleiro que costuma ficar quase vazio em feriados, quando mesmo os moradores da capital costumam viajar. Os hóspedes saíram dos hotéis, entre 8h e 9h, de banho tomado para o dia de sol escaldante no asfalto. Carregavam faixas em repúdio ao STF e receberam Bolsonaro cantando em coro a música de Roberto Carlos, “Como é grande o meu amor por você”.
As manifestações ficaram quase 4 km distante uma da outra, com o Eixo Monumental fechado em alguns pontos estratégicos para diminuir o trânsito na região central de Brasília. Policiais foram posicionados de modo pacífico nas esquinas. O evento também guardou alguns momentos tensos com cães esticados na coleira na tentativa de morder cidadãos. Na Esplanada dos Ministérios, a Polícia Militar teve reforço e atuou em linhas de revistas pessoais e bloqueios das principais vias, para evitar transporte de armas e utensílios perigosos.
Revezamento na segurança
Shirley Krenak durante o Acampamento Luta pela Vida em agosto de 2021
(Foto: Reprodução Instagram)
Shirley Krenak está há dois dias sem dormir, em atividade constante no acampamento da 2ª Marcha Nacional das Mulheres Indígenas. “Estamos muito preocupadas”, adverte ela, que é uma das coordenadoras da segurança indígena formada por 20 mulheres e 30 homens que se revezam na vigilância do acampamento, em turnos das 7h às 23h para equipes femininas e alguns homens, e das 23h às 7h para grupos masculinos, escalados para estarem atentos principalmente de madrugada. O trabalho inclui o monitoramento do uso de máscaras.
Durante quase todo o dia, mulheres se apresentaram em corpos pintados e vestidos coloridos, cantando, dançando e realizando ritos. Pela manhã, os grupos regionais se dividiram para receberem atendimento de saúde nas tendas identificadas com os nomes dos biomas, para credenciamento, testagem para diagnóstico de Covid-19 (feita em todos os acampamentos na chegada e saída) e distribuição de máscaras.
Nas reflexões sobre o movimento na plenária, Marlene Oliveira Rodrigues Kaxinawá (autodenominação Hunikuï), puxou aplausos quando se identificou como vereadora indígena de Santa Rosa do Purus, no Acre. “Viemos buscar melhorias nas demarcações de nossos territórios, pois nosso povo está morrendo a míngua. Viemos em busca de paz”, disse ela, referindo-se ao julgamento desta quarta-feira e ao monitoramento dos projetos de lei anti-indígenas que tramitam no Congresso Federal.
À Amazônia Real , a vereadora Marlene Kaxinawá disse que veio de Rio Branco com uma delegação de 33 mulheres e 3 homens. Deste grupo, ela e mais três de sua área precisaram pegar um avião em 1h45 de viagem até a capital acreana por causa das cheias que alagaram os acessos ao município. “Nossos parentes perderam muito milho, macaxeira nos roçados que fizeram nos baixos. Mas já estão começando a preparar a terra pra plantar de novo”.
Em primeiro mandato, Marlene disse que enquanto estiver em Brasília pretende visitar deputados e senadores no Congresso. “É muito difícil vir aqui para buscar ajuda. E é aqui que está o recurso”, explicou. Ela pretende articular com parlamentares projetos para mulheres indígenas de todo o estado, especialmente para artesanato de miçangas. “Queremos crescer, ocupar espaços dentro do movimento indígena e fora dele. Queremos buscar conhecimento”, disse ainda. Ela conta que indígenas de diversos territórios têm frequentado a Câmara Municipal para participar de sessões e debates de temas de interesse de seus povos”.
Marco temporal no STF
Nesta quarta-feira (8), o Supremo Tribunal Federal (STF) dará continuidade ao julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365 trata da tese do “marco temporal”, defendido por ruralistas que desejam que o direito a territórios seja restrito a povos que os ocupavam ou disputavam, física ou judicialmente, antes de 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição do Brasil. Na última quinta-feira (2/9), o STF encerrou a sessão depois de ouvir advogados das partes e o procurador-geral da República, Augusto Aras, que deu o parecer contrário ao marco temporal.
Programação da 2ª. Marcha das Mulheres Indígenas
08/09
8h30 – Memória Póstuma de Raissa Guarani Kaiowá e Daiane Kaingang
9h – Ritual de abertura das Mulheres Biomas
11h30 – Audiência – diálogo com as mulheres biomas sobre acesso ao direito: Violência, direitos Sociais e direitos humanos
12h – Orientações gerais e acordo de convivência entre a Anmiga
13h – Marcha para o STF para acompanhar o julgamento.
09/09
8h – Marcha das Mulheres Indígenas
18h – Lançamento do ReflorestarMentes
10/09
8h – Grupo de Trabalho – Roda de Conversa por Biomas/Regionais sobre o ReflorestarMentes
19h – Desfile, Decolonizando Moda da Anmiga, com a participação de outras mulheres de Biomas.
11/09
Retorno das delegações para seus locais de origem
Fonte: Anmiga.org/marcha-das-mulheres/
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