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Ministério Público Federal investiga ato do pré-candidato a vereador Bebeto Betti (PRTB) no território São Marcos, dos indígenas Xavante (Foto do candidato no Facebook)

Cuiabá (MT) – Neste período de isolamento social da população por causa da pandemia do novo coronavírus, pré-candidatos às eleições municipais estão entrando ilegalmente em terras indígenas do Xingu e do povo Xavante, nas regiões nordeste e leste de Mato Grosso. As investidas dos políticos nas aldeias desrespeitam os protocolos de saúde de prevenção da Covid-19.

Lideranças indígenas temem pela disseminação do vírus nos territórios, mas também pelas intenções dos políticos. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, diz que 59 Xavantes foram contaminados pelo novo coronavírus e registrou uma morte, segundo dados divulgados nesta quinta-feira (25). Já a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) contabiliza seis mortes na etnia.

As campanhas políticas só começam a partir de 16 de agosto, segundo o calendário eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Reuniões, comícios e pedidos de votos só podem ocorrer a partir dessa data, portanto, estão proibidas.

Entre 9 e 11 de maio, o pré-candidato a vereador Bebeto Betti e o agente político Francisco Purificação Sousa, mais conhecido como Chicão, ambos filiados ao Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), entraram ilegalmente na Terra Indígena São Marcos, ao leste do Estado. Já no Xingu, denúncias enviadas ao Ministério Público Federal apontam a entrada não-autorizada de um vereador do PSD, da cidade de São José do Xingu, que fica a 42 quilômetros da terra indígena.

Na pandemia, Chicão segura a mão de ancião sem seguir protocolos da Covid-19
(Foto do MPF Barra do Garças)

Bebeto e Chicão divulgaram em suas próprias redes sociais fotos e vídeos em que aparecem ao lado do cacique Simão Butsé fazendo atos políticos sem máscaras e luvas, na aldeia Namunkurá da Terra Indígena São Marcos. Na filmagem, gravada por Bebeto, chama atenção que Chicão sequer observa o distanciamento mínimo. Chega a segurar a mão do cacique Simão, que é idoso e integra grupo de risco dos mais vulneráveis à Covid-19.

“Eu estou aqui de mãos dadas, porque é meu sangue. Nós precisamos de força e eu quero que chegue o mais rápido possível, até, se for o caso, chegar na presidência do Bolsonaro, esse pedido do nosso cacique”, ressaltou Chicão, no vídeo postado posteriormente na página pessoal no Facebook de seu colega Bebeto Betti.

O pedido ao qual Chicão se refere é a troca da coordenadoria do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Xavante, comandada atualmente por Luciene Gomes. Ele se dirige especificamente ao deputado federal Neri Geller (PP-MT), da bancada ruralista no Congresso, e que já foi Ministro da Agricultura no primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff. No vídeo, surge também outro assunto: o campeonato de futebol que reuniu mil pessoas em plena pandemia na aldeia Namunkurá. O MPF tentou impedir o evento, pelo alto risco de contágio.

Em Barra do Garças (MT), está em tramitação um inquérito no MPF para investigar um vereador que entrou na aldeia Piaruçu, no Baixo Xingu. O político teve 21 votos na eleição de 2016 de indígenas da aldeia, que pertencem à etnia Kaiapó, Kaiabi e Juruna. Em relação ao Xingu, o procurador da República, Everton Pereira Aguiar destaca que há “registros de ingresso de freteiros [prestadores de serviços de transporte] e políticos locais em terras indígenas sem autorização de entrada”.

A investigação do MPF, em fase final de levantamento para ser encaminhadas à Procuradoria Regional Eleitoral, inclui outros casos de entradas não autorizadas nos territórios indígenas. Em um trecho do inquérito, afirma-se que Chicão “claramente explora a imagem da liderança indígena para realização de movimento político, tensionando a troca da Coordenação do Dsei Xavante”.

A proteção na quarentena falhou

O pré-candidato Bebeto Betti, o cacique Simão e Chicão (de cocar)
(Foto de MPF Barra do Garças)

O secretário-executivo da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), Lucio Wayne Terowa’a, o Lucio Xavante, vê com preocupação a atuação dos políticos nas aldeias. “Tem gente branco levando a política enquanto estamos em quarentena”, denunciou Lucio em um vídeo divulgado pelo site de notícias local “A Bronca Popular”.

Lucio criticou a postura de Chicão – que fez o vídeo com o cacique Simão – dizendo que ele é um dos responsáveis por levar essas pessoas. “O senhor Chicão fica levando os brancos para fazer ação política em meio da crise de pandemia.  Repudiamos mais uma vez a entrada do seu Chicão. Ele não é índio. Não pode fazer a política agora e muito menos ser porta-voz do cacique ou do povo Xavante”, frisou o secretário da Fepoimt. Ele também pede que Funai e o Dsei Xavante reforcem a fiscalização dos territórios.

Vídeo do Lúcio Xavante

Risco eminente

A postura dos agentes políticos também contraria frontalmente a portaria 419 da presidência da Funai, publicada em 17 de março. A norma proíbe expressamente a entrada de pessoas não-autorizadas nas aldeias para a “prevenção à infecção e propagação do novo coronavírus” aos indígenas.

Com uma população de 22 mil pessoas, o povo Xavante se autodenomina de A’uwe, que na língua Jê significa “gente”. A etnia é considerada uma das mais vulneráveis à Covid-19 no Mato Grosso. Dos 71 casos de contaminação de indígenas no estado, 59 são do povo Xavante, inclusive a morte de um bebê de oito meses, diz a Sesai.

A situação motivou um relatório da Operação Amazônia Nativa (Opan) sobre “a exposição do povo Xavante ao novo coronavírus”.

Mato Grosso já soma mais de 12.157 casos confirmados da Covid-19 e 462 mortes, de acordo com dados do boletim epidemiológico do Ministério da Saúde de 25 de junho. E está de quarentena desde 31 de março.

O que dizem os citados

Procurados, os políticos responderam à reportagem da Amazônia Real. Bebeto Betti, pré-candidato a vereador de Barra do Garças, afirmou que não vai se pronunciar até ter acesso ao inquérito. Já Francisco Purificação Sousa, o Chicão, atacou o procurador Pereira Aguiar Araújo: “Freteiro é a mãe de quem tá falando. Agora, porque o promotor coloca freteiro… é porque lá tem freteiro, tem politiqueiro…”. Visivelmente irritado com os questionamentos, disse que isso é “maldição” e “coisa do demônio”.

Chicão contou que é evangélico, batizado em ritual Xavante e que há dois anos e meio realiza trabalho espiritual na terra indígena São Marcos. Essa condição, segundo ele, lhe dá acesso direto à aldeia Namunkurá e a autorização dos caciques para falar de necessidades dos Xavante relacionadas à saúde e falta de infraestrutura no território.

Já o PRTB, representado pelo pré-candidato à prefeitura de Barra do Garças, Domingos Sávio, afirmou que Chicão e Bebeto não foram autorizados para falar em nome do partido sobre questões da política interna dos indígenas. Sávio também disse que a legenda “reprova a postura dos filiados”.

Aldeia Xavante (Foto Site Outras Coisas)

O que dizem as autoridades

O coordenador regional da Funai Xingu, o subtenente do Exército Alberto Raposo, disse não ter conhecimento da entrada ilegal do vereador de São José do Xingu ou de outro político no território. Mas confirmou a entrada não-autorizada de freteiros, que são motoristas contratados pelos próprios indígenas nas aldeias para serviços de transporte. Nesse sentido, destacou que a fiscalização será reforçada no Xingu com a instalação de quatro barreiras de contenção sanitárias até 19 de junho.

Já Carlos Henrique, o coordenador regional da Funai Xavante, reconheceu as entradas ilegais na TI São Marcos no mês de maio. Mas disse que uma barreira já foi instalada no território indígena e que pessoas estranhas só entrarão com autorização expressa da Funai. Acrescentou que existem mais outras três barreiras em sua jurisdição, responsável pelo monitoramento de 17 mil Xavante.

O coordenador regional da Funai também observou que a presença de políticos nas aldeias da região “realmente é muito forte e os próprios Xavante possuem sua rede política nas cidades locais”. “Os Xavante têm um alto contato com a sociedade branca. Eles também estão inseridos nesse jogo político”, disse.

Fonte: https://amazoniareal.com.br/na-pandemia-politicos-fazem-pre-campanha-em-aldeias-indigenas-no-mato-grosso/

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