Polícia Federal realiza três operações em cinco dias e bloqueia mais de 2 bilhões de reais em bens de investigados, que usavam esquema de notas fiscais para permitir que o minério ilegal fosse vendido até para fora do País. Na imagem, área de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami ao longo do rio Mucajaí (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil).


Manaus (AM) – Três operações da Polícia Federal (BAL, Avis Aurea e Sisaque), em um intervalo de cinco dias, dão uma dimensão dos interesses bilionários na exploração do ouro ilegal na Amazônia. Só na última delas, a operação Sisaque, a Justiça Federal bloqueou um total de 2 bilhões de reais em bens dos investigados. Por meio de um esquema de compra, venda e “esquentamento” de ouro ilícito com notas fraudulentas, os envolvidos encontraram um meio de dar um verniz de legalidade à exploração ilegal, boa parte dela ocorrendo dentro de terras indígenas.

Nas três operações, um total de 48 mandados de busca e apreensão e de bens mostra que a rede criminosa atuava livremente em várias cidades para escoar o ouro ilegal seja em território nacional como também no exterior. Só na operação Sisaque, deflagrada nesta quarta-feira (15), foram cumpridos três mandados de prisão e 27 de busca e apreensão. A ação da PF mirou na cidade paraense de Itaituba, um conhecido entreposto do mercado ilegal de ouro no País. Os demais mandados foram cumpridos nas cidades de Belém, Santarém (PA), Boa Vista (RR), Sinop (MT), Rio de Janeiro, Brasília, Goiânia, Manaus, São Paulo, Tatuí (SP) e Campinas (SP).  

O cerco da PF aos criminosos foi iniciado no ano de 2021, a partir de informações repassadas pela Receita Federal, que “apontavam a existência de uma organização criminosa voltada para o ‘esquentamento’ de ouro obtido de maneira ilegal”.  O esquema mostra que havia empresas especializadas em emitir notas fraudulentas para que outras duas empresas maiores, grandes comercializadoras de ouro no País, pudessem transacionar suas mercadorias como se tivessem sido obtidas legalmente – e não em terras indígenas, o que é proibido por lei. De 2020 até o fim  de 2022, as emissões de notas fiscais eletrônicas fraudulentas teriam sido superiores a 4 bilhões de reais, correspondendo a cerca de 13 toneladas de ouro obtido de forma ilícita.

A série Ouro do Sangue Yanomami, publicada em junho de 2021 pela Amazônia Real em parceria com a Repórter Brasil, mostrou o caminho que o ouro percorre dentro da Terra Indígena Yanomami (TIY) para ser vendido por grandes joalherias, no Brasil e no mundo. A operação Sisaque, que confirma a apuração jornalística já denunciada pelos dois veículos independentes de jornalismo, foi realizada em conjunto com o Ministério Público Federal e a Receita Federal e contou com 100 policiais federais, 5 auditores fiscais e 3 analistas da Receita Federal. 

Do Brasil para o mundo

A PF cumpriu três mandados de prisão e 27 de busca e apreensão na quarta-feira (15/2) pela operação Sisaque (Foto Polícia Federal-Pará)

Uma vez “legalizado”, o ouro que passava a ser comercializado com notas fraudulentas, poderia seguir rumo ao exterior. Segundo a PF, o mineral retirado ilegalmente de terras indígenas era mandado para uma empresa baseada nos Estados Unidos. De lá, o ouro era enviado para países como Itália, Suíça, Hong Kong e Emirados Árabes Unidos.  “Uma das formas de fazer isso era criando estoques fictícios de ouro, de modo a acobertar uma quantidade enorme do minério sem comprovação de origem lícita”, explica a PF.

Os crimes apurados na investigação da PF são adquirir e/ou comercializar ouro obtido a partir de usurpação de bens da União, sem autorização legal e em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo; pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida; lavagem de capitais; e, por fim, organização criminosa.

O esquema só pode atuar tão abertamente por conta da leniência e até conivência de autoridades públicas no combate ao garimpo ilegal na Amazônia. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não escondia seu apoio à exploração de terras indígenas e mostrava sua contrariedade de haver tantas áreas com grandes riquezas minerais sem poderem ser exploradas. O governador reeleito Antonio Denarium (PP), em seu primeiro mandato, tentou forçar a exploração do ouro e da cassiterita na TI Yanomami por meio de leis favoráveis à mineração.

Operação BAL

Governador Antonio Denarium (PP) apoiou o agora ex-presidente Jair Bolsonaro em todo seu primeiro mandato(Foto: Alan Santos/PR)

Não é de se surpreender que na última sexta-feira (10), a operação BAL tenha chegado à família do governador Denarium. A irmã dele, Vanda Garcia de Almeida, recebeu a visita da PF em sua casa, no bairro de São Vicente, zona sul da capital Boa Vista. O sobrinho de Denarium, Fabrício de Souza Almeida, também passou a ser investigado pelos agentes federais. Na casa dele, foram encontradas 10 armas, entre fuzis, rifles e pistolas. Almeida tem certificado de colecionador.

Para a PF, os parentes do governador estão envolvidos com um esquema de lavagem de dinheiro no comércio da cassiterita, minério de estanho usado nas indústrias de eletroeletrônicos, informática e embalagens para alimentos. A cassiterita é explorada na TIY desde os anos 1980.

Em Roraima, o garimpo tem apoio de uma verdadeira “tropa de choque” formada por políticos, como o próprio Denarium, além dos três senadores de Roraima, Mecias de Jesus (Republicanos), Doutor Hiran (PP) e Chico Rodrigues (PSB). 

A Operação BAL teve desdobramentos em Pernambuco. Foram cumpridos oito mandados de busca e apreensão, além do bloqueio de bens. As ordens foram expedidas pela 4ª Vara Federal Criminal da Justiça Federal em Roraima . A PF investiga a movimentação de R$ 64 milhões, nos últimos dois anos, dinheiro fruto do comércio do garimpo ilegal na TIY.  

Segundo informação publicada no dia 10 pelo Conselho Nacional de Justiça, foi aberto um pedido de providências para averiguar “problemas detectados” na 4ª Vara Federal Criminal de Roraima, uma vez que a seção judiciária “recebia um número de processos superior a outras unidades do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1)”. A alta demanda na vara especializada não é desproporcional aos crimes investigados, mas nunca a resposta da Justiça foi adequada para os problemas sociais decorrentes do garimpo ilegal na TIY. A notícia acerca do pedido de providências, contudo, saiu do ar do site do CNJ, mas pode ser lida em um link salvo na Wayback Machine.

“Avis Aurea”

Nos últimos cinco dias, a PF realizou operações para desmantelar o esquema de legalização do ouro ilegal. (Foto Polícia Federal – Pará)

Já a Operação Avis Aurea, deflagrada na terça-feira (14), cuja investigação foi iniciada a partir da apreensão de mais de 4 milhões de reais em espécie, dentro de um veículo na cidade de Cáceres, no Mato Grosso, em abril de 2019, rendeu 13 mandados de busca e apreensão. O dinheiro encontrado seria apenas uma parte do pagamento para a compra de ouro ilegal. 

A operação cumpriu ainda mandados de busca e apreensão em Roraima, São Paulo e Goiás. Segundo a Polícia Federal, a organização criminosa teria feito movimentações financeiras da ordem de 420 milhões de reais, nos últimos cinco anos.  

A operação teve como alvo alguns nomes conhecidos do setor, como o empresário Bruno Cezar Cecchini, dono da RJR Minas Export, e que preside a Confederação Nacional de Mineração (CNMI). Ele é suspeito de chefiar uma organização criminosa responsável por exportar ouro clandestino do Brasil para a Europa.   

Outro alvo da operação “Avis Aurea” é Carlos Alberto Diegues, o Carlinhos Português, considerado um dos maiores receptadores do Brasil. 

Sufocar o garimpo

Presidente Lula, ao lado da ministra Sônia Guajajara e de Davi Kopenawa, em Boa Vista (Foto Ricardo Stuckert/PR)

No dia 21 de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi à Roraima para acompanhar de perto a crise humanitária e sanitária enfrentada pelo povo Yanomami, que teve o seu território invadido por garimpeiros. 

A exploração predatória do território, em busca do mineiro, poluiu rios com mercúrio, afastou a caça e levou violência e morte ao povo Yanomami. Estima-se que quase 600 crianças morreram pelos efeitos da desnutrição severa a qual a população foi submetida em virtude do garimpo ilegal.     

O governo federal deu início ao processo de retirada dos garimpeiros, primeiro fechando o espaço aéreo da TIY. O prazo iria terminar na segunda-feira (13), mas inexplicavelmente foi estendido até 6 de maio. Na sequência, agentes do Ibama, da Força Nacional de Segurança Pública e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) deram início ao trabalho por terra. Aeronaves vem sendo apreendidas e destruídas. Equipamentos e mantimentos que seriam enviados para os garimpos também foram interceptados na operação. Barcos, armas de fogo e mais de cinco mil litros de combustíveis já foram apreendidos. No momento, barcos com um piloto e um auxiliar podem entrar na TIY apenas para fazer o transporte de pessoas para fora da área protegida.

As ações no território dos Yanomami não têm data para acabar. “Tenho orçamento para continuar presente por lá por bastante tempo. Estamos começando a organizar operações também em outras terras indígenas com problemas parecidos com o garimpo, extração de madeira e biopirataria. O que for ilegal será combatido”, disse o futuro presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho.

Em entrevista à Globonews, nesta quarta-feira, Agostinho confirmou que parte dos garimpeiros que exploravam ilegalmente a porção brasileira da Terra Indígena Yanomami, já está migrando para o território que fica dentro da Venezuela, portanto, já fora da jurisdição brasileira. Foi na fronteira com a Venezuela, na aldeia Haximu, que ocorreu o assassinato de 16 indígenas por garimpeiros, em 1993. Este é o único caso de genocídio julgado até hoje no Brasil.

 Leanderson Lima

É graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pelo Centro Universitário Nilton Lins. Tem MBA executivo em Gestão de pessoas e coaching, pelas Faculdades Idaam. Com 18 anos de experiência profissional, atuou por veículos como Jornal A Crítica, Correio Amazonense, Jornal do Commercio e Zero Hora (RS). Na televisão trabalhou na TV A Crítica, Rede TV! Manaus, e na rádio A Crítica, como comentarista. É o vencedor do Prêmio Petrobras de Jornalismo de 2015, com a reportagem “Chute no Preconceito”.

Fonte: https://amazoniareal.com.br/notas-fraudulentas/

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