Por Lucas Ferrante e Philip Martin Fearnside

O atual governo brasileiro os povos indígenas na Amazônia com um projeto de lei que abriria terras indígenas para exploração por não indígenas. Esta ameaça detalhada em uma carta publicada em 01 de maio de 2020 na prestigiada revista científica Science. Segue a tradução em português do texto original [1].

O presidente Jair Bolsonaro, adotou medidas antiambientais para a Amazônia desde que assumiu o cargo em janeiro de 2019 [2], e as pressões do desmatamento estão aumentando com os planos de expansão das plantações de soja e outras culturas de exportação (incluindo biocombustíveis) e de construção de novas estradas, barragens e minas [2, 3].

Em 06 de fevereiro de 2020, o Presidente Bolsonaro enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei que abriria terras indígenas para mineração, extração de petróleo e gás e construção de barragens hidrelétricas, fazendas de gado e monoculturas mecanizadas como a soja [4].

Os líderes indígenas poderiam alugar as terras para empreendedores do agronegócio não indígena [4]. O projeto permitiria a mineração em terras indígenas sem a autorização de seus habitantes indígenas [4]. Esse projeto, se aprovado, violaria os direitos dos povos indígenas e ameaçaria o meio ambiente.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) organizou um seminário público no Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA) para discutir os riscos que o projeto representa para a Amazônia [5], e uma carta aberta foi elaborada pelos organizadores alertando a sociedade civil e tomadores de decisão contra a violação da legislação brasileira e da Convenção 169 da Organização Internacional de Trabalho (OIT), que requerem consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas afetados por ações como essa [6]. O direito à consulta tem sido rotineiramente ignorado pelos grandes projetos na Amazônia, colocando em risco muitos povos tradicionais [7].

O desejo do Presidente Bolsonaro de abrir terras indígenas para o agronegócio e a mineração tem sido expresso frequentemente em seus comentários extemporâneos e nas suas publicações nas mídias sociais. No início de seu mandato, uma visita de seus ministros da agricultura e do meio ambiente a uma plantação ilegal de soja em uma terra indígena sinalizou impunidade por violações das atuais restrições legais [2].

A lei proposta agora torna a ameaça iminente. O discurso do governo é creditado com invasões de terras indígenas e assassinatos de líderes indígenas atingindo níveis recorde em 2019 [8]. Os garimpeiros são uma ameaça constante às terras indígenas, e seu impacto será agora ainda maior graças à lei proposta e a Covid-19.

O Presidente Bolsonaro expressou repetidamente seu apoio a esses invasores. Em 14 de abril de 2020, seu ministro do meio ambiente exonerou um dos diretores de IBAMA como punição por ter ordenado a remoção de garimpeiros de uma terra indígena [9]. As terras indígenas demarcadas representam 24% do bioma Amazônia no Brasil, protegendo mais do que os 14% que estão em unidades de conservação federais [10].

As terras indígenas atuam como escudos, protegendo os povos tradicionais, a biodiversidade, os estoques de carbono e os serviços ecossistêmicos. A destruição dessas áreas florestais representa um risco para todo o planeta, pois afeta um dos maiores estoques de carbono do mundo [11]. Pedimos ao presidente da Câmara dos Deputados que não coloque esta lei em votação, e recomendamos que o Supremo Tribunal Federal (STF) agisse rapidamente para proteger os povos indígenas do país.

Notas

[1]. Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2020. Brazil threatens indigenous lands. Science 368: 481-482.

[2]. Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2019. Brazil’s new president and “ruralists” threaten Amazonia’s environment, traditional peoples and the global climateEnvironmental Conservation 46(4): 261-263.

[3]. Pereira, E.J.A.L., L.C.S. Ribeiro, L.F.S. Freitas & H.B.B. Pereira 2020. Brazilian policy and agribusiness damage the Amazon rainforest. Land Use Policy 92: art. 104491.

[4]. Senado Notícias. 2020. Chega ao Congresso projeto que permite mineração em terras indígenas.

[5]. Costa, V. 2020. SBPC-AM promove evento para discutir a Mineração na Amazônia. SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). 06 de fevereiro de 2020.

[6]. SBPC-Amazonas (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência no Amazonas) & Organização do evento “Mineração na Amazônia” (INPA). 2020. Nota contra o Projeto de Lei 191/2020 e em defesa da AmazôniaJornal da Ciência, 14 de fevereiro de 2020.

[7]. Ferrante, L., M. Gomes & P.M. Fearnside. 2020. Amazonian indigenous peoples are threatened by Brazil’s Highway BR-319Land Use Policy 94: art. 104598.

[8]. HRW (Human Rights Watch). 2019. Rainforest Mafias: How Violence and Impunity Fuel Deforestation in Brazil’s Amazon. HRW, New York, NY, E.U.A. 163 pp.

[9]. Jornal Nacional. 2020. Ministro do Meio Ambiente exonera o diretor de Proteção Ambiental do Ibama.

[10]. Nogueira E.M., A.M. Yanai, S.S. Vasconcelos. P.M.L.A. Graça & P.M. Fearnside. 2018. Carbon stocks and losses to deforestation in protected areas in Brazilian AmazoniaRegional Environmental Change 18(1): 261-270.

[11]. Saatchi, S. S., N.L. Harris, S. Brown, M. Lefsky, E.T.A. Mitchard, W. Salas, B.R. Zutta, W. Buermann, S.L. Lewis, S. Hagen, S. Petrova, L. White, M. Silman & A. Morel. 2011. Benchmark map of forest carbon stocks in tropical regions across three continents. Proceedings of the National Academy of Science of the U.S.A. 108(24): 9899-9904.

A fotografia que abre este artigo mostra os povos da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, que foi invadida por madeireiros e grileiros. Eles podem colocar a vida dos indígenas em risco por conta da pandemia da Covid-19 (Foto de Gabriel Uchida/Kanindé)

Lucas Ferrante  é doutorando em Biologia (Ecologia) no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Tem pesquisado agentes do desmatamento, buscando políticas públicas para mitigar conflitos de terra gerados pelo desmatamento, invasão de áreas protegidas e comunidades tradicionais, principalmente sobre Terras indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia (lucasferrante@hotmail.com).

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

 

 

Fonte: https://amazoniareal.com.br/o-brasil-ameaca-terras-indigenas/

Thank you for your upload