Por Philip Martin Fearnside

 

A soja tem sido uma grande força do desmatamento em Mato Grosso, com avanços mais recentes em algumas partes do Pará, principalmente na área de Santarém [1-3]. Os chineses tiveram um papel fundamental na conversão da floresta e do cerrado, principalmente pelo efeito das suas importações [4, 5]. O dinheiro das exportações para China, além de motivar a expansão da soja na Amazônia, é a razão da grande influência dos ruralistas na política brasileira, com muitas consequências favorecendo o desmatamento. A China também está financiando ou prometendo financiar diversas obras para transporte de soja, como ferrovias, rodovias e portos, o que leva a mais desmatamento tanto pela expansão da soja como pelo efeito das obras sobre outros atores nos processos de desmatamento.

Além da conversão direta de floresta em soja, essa cultura tem um impacto “indireto” muito importante. O avanço da soja em pastagens no cerrado (bem como em áreas florestais no norte do Mato Grosso) tem um papel proeminente em impulsionar o aumento do investimento no desmatamento para pecuária nas áreas da floresta amazônica no Pará [6, 7] (Figura 9). Pecuaristas que vendem as suas terras para plantadores de soja em Mato Grosso usam o dinheiro dessas vendas para comparar áreas muito maiores de terra barata no Pará, onde desmatam para estabelecer novas fazendas.

Figura 9. A expansão da soja em antigas pastagens no Mato Grosso (pontos vermelhos) leva à migração de pecuaristas para estabelecer fazendas de gado no Pará (pontos verdes). O efeito foi mostrado estatisticamente por Eugênio Arima e colegas. Fonte: [6].


A influência chinesa ocorre principalmente por meio das exportações, mas também por meio da compra de terras e do financiamento da infraestrutura de transporte. A infraestrutura de transporte é a principal limitação no avanço da soja a partir das áreas atualmente mais lucrativas em Mato Grosso, particularmente para o oeste em Rondônia e Acre, bem como nas porções do norte de Mato Grosso ainda dominadas por pastagens (por exemplo, [8]). A infraestrutura construída para transportar soja aos portos para exportação leva a desmatamento massivo por outros atores que não os plantadores de soja [9, 10].

As finanças internacionais têm um papel significativo na aceleração do avanço da soja. Em 2002 e 2003, a International Finance Corporation (IFC), braço do Banco Mundial para o financiamento de empresas privadas, concedeu ao Grupo André Maggi (maior empresa de soja do Brasil) dois empréstimos de US$ 30 milhões. O IFC classificou os empréstimos como “Categoria B” (baixo risco ambiental), não exigindo, portanto, qualquer avaliação de impacto ambiental ou posterior monitoramento dos impactos. Esta classificação da IFC permitiu ao Rabobank (da Holanda) conceder a Maggi dois empréstimos totalizando US$ 330 milhões ([11] p. 18). O financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do governo brasileiro, também tem sido uma grande força no avanço da soja [11]. A perda de serviços ambientais com a transformação de floresta em soja é praticamente total (Figura 10).

Figura 10. Terra que era floresta amazônica preparada para soja em Mato Grosso. A biodiversidade, estoque de carbono e a reciclagem de água são praticamente zero. Foto: P.M. Fearnside.


Deve-se notar que o produto interno bruto (PIB) não é um bom preditor de desmatamento. As declarações que associam o PIB ao desmatamento dão a falsa impressão de que o desmatamento é uma consequência inevitável do progresso econômico. A fração da economia brasileira que é contribuída pelo novo desmatamento na fronteira amazônica é mínima, embora as grandes áreas de soja em áreas previamente desmatadas sejam um contribuinte significativo. A natureza questionável de um vínculo com o PIB é mostrada pelo “desacoplamento” das taxas de desmatamento da produção agrícola durante a desaceleração do desmatamento de 2005-2012 (por exemplo, [12-14]).

A soja agora ameaça as terras indígenas devido à influência dos ruralistas sobre o governo que iniciou em janeiro de 2019 [15]. A intenção do governo de abrir as terras indígenas para arrendamento a plantadores de soja [16] está próxima concretização com o avanço do projeto de lei PL191/2020 no Congresso Nacional (Figura 11). [17]

Figura 11. A ínfima fotografia do ministro do meio ambiente e a ministra da agricultura em uma plantação ilegal de soja em uma terra indígena em Mato Grosso no início do governo do Presidente Bolsonaro. Além da mensagem implícita de que haveria impunidade para violações de leis ambientais, assinalou a intenção de abrir as terras indígenas para arrendamento de terra ao agronegócio. Mais tarde, isto se tornou o projeto de lei PL191/2020, entregue ao Congresso Nacional pelo presidente. (Foto: Noaldo Santos/MAPA) Fonte: [16]


A imagem que abre este artigo, mostra máquinas colheitadeiras em plantação de soja no norte do Mato Grosso (Foto: Alberto César AraújoAmazônia Real)


NOTAS

[5] Fearnside, P.M. & A.M.R. Figueiredo. 2016. Deforestación de la Amazonía brasileña influenciada por la China: El caso de Mato Grosso. p. 271-310 In: R. Ray, K. Gallangher, A. López & C. Sanborn (eds.) China en América Latina. Lecciones para la Cooperación Sur-Sur y el Desarrollo Sostenible. Universidad del Pacífico, Lima, Peru. 419 p.

[6] Arima, E.Y., P. Richards, R. Walker & M.M. Caldas. 2011. Statistical confirmation of indirect land use change in the Brazilian AmazonEnvironmental Research Letters 6: art. 024010.

[7] Richards, P.D., R.T. Walker & E.Y. Arima, 2014. Spatially complex land change: The Indirect effect of Brazil’s agricultural sector on land use in AmazoniaGlobal Environmental Change 29: 1–9.

[8] Vera-Diaz, M.C., R.K. Kaufmann, D.C. Nepstad & P. Schlesinger. 2008. An interdisciplinary model of soybean yield in the Amazon Basin: The climatic, edaphic, and economic determinants. Ecological Economics 65: 420-431.

[9]Fearnside, P.M. 2002. Avança Brasil: Environmental and social consequences of Brazil’s planned infrastructure in AmazoniaEnvironmental Management 30(6): 748-763.

[10] Fearnside, P.M. 2007. Brazil’s Cuiabá-Santarém (BR-163) Highway: The environmental cost of paving a soybean corridor through the AmazonEnvironmental Management 39(5): 601-614.

[11] Greenpeace. 2006. Eating up the Amazon. Amsterdam, Greenpeace International, Amsterdã, Paises Baixos. 64 p.

[12] Lapola, D.M., L.A. Martinelli, C.A. Peres, J.P.H.B. Ometto, M.E. Ferreira, C.A. Nobre, A.P.D. Aguiar, M.M.C. Bustamante, M.F. Cardoso, M.H. Costa, C.A. JolyC,C. Leite,P. MoutinhoG. Sampaio, B.B.N. Strassburg & I.C.G. Vieira. 2014. Pervasive transition of the Brazilian land-use systemNature Climate Change 4: 27–35.

[13] Nepstad, D.C. & 12 outros. 2013. More food, more forests, fewer emissions, better livelihoods: linking REDD+, sustainable supply chains and domestic policy in Brazil, Indonesia and Colombia. Carbon Management 4(6): 639–658.

[14] Nepstad, D.C., D. McGrath, Stickler, A. Alencar, A. Azevedo, B. Swette, T. Bezerra, M. DiGiano, J. Shimada, R.S. da Motta, E. Armijo, L. Castello, P. Brando, M.C. Hansen, M. McGrath-Horn, O. Carvalho & L. Hess. 2014. Slowing Amazon deforestation through public policy and interventions in beef and soy supply chainsScience344: 1118-1123.

[15] Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2019. O novo presidente do Brasil e “ruralistas” ameaçam o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima globalAmazônia Real, 30 de julho de 2019.

[16] Gonzales, J. 2019. Brazil wants to legalize agribusiness leasing of indigenous landsMongabay, 21 de fevereiro de 2019.

[17] Esta série é uma tradução atualizada de: Fearnside, P.M. 2017. Deforestation of the Brazilian Amazon. In: H. Shugart (ed.) Oxford Research Encyclopedia of Environmental Science. Oxford University Press, New York, EUA.

 

 

Fonte: https://amazoniareal.com.br/o-desmatamento-da-amazonia-brasileira-10-soja/

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