Catarina Barbosa | 21/05/2018 às 18:24

O IEC apontou, no último laudo, que não são apenas três comunidades afetadas pelo desastre ambiental, mas sim 13. Em Barcarena, além de Bom Futuro, Burajuba e Vila Nova, enfrentam danos ambientais Jardim Independência, Tauá, Sítio Conceição, Jardim Cabano, São Lourenço, Cupuaçu/Boa Vista, Jardim das Palmeiras, Novo Horizonte e Água verde. Em Abaetetuba são: Praias de Sirituba e Beja.

Os rios da bacia do Pará afetadas pela contaminação de produtos tóxicos são: Murucupi, Arapiranga, Guajará do Beja, Arienga e Tauá, além do igarapé Dendê.

O relatório técnico do Instituto Evandro Chagas diz que nesses mananciais foram encontrados elementos tóxicos como alumínio, ferro, arsênio, cobre, mercúrio e chumbo. No rio Murucupi, que banha Barcarena, o nível de alumínio é de 25 vezes acima do permitido pelo Conama.

 O pesadelo da lama vermelha

Lama vermelha na sede da Hydro Alunorte, dia18 de favereiro, em Barcarena ( Foto: IEC).

 

Comunidade afetadas pelo vazamento de rejeitos da Hydro Alunorte (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

A comunidade Bom Futuro foi a primeira a ser atingida pelo transbordamento de efluentes da bacia de rejeitos DRS1, entre a noite do dia 16 de fevereiro e a madrugada do dia 17.  Maria Salestiana relembra que sua casa foi tomada pela lama vermelha (resultante do processo químico que lava a bauxita da mineradora). Seis dias depois do desastre ambiental, segundo ela, a cor do igarapé mudou de vermelho para azul. “Ela ganhou um tom azulado, quase esbranquiçado”, diz. “Foi algo que funcionários da empresa jogaram na água para esconder os vestígios da lama vermelha”, denuncia.

Aposentada, Maria Salestiana conta que não recebeu, até o momento, nenhuma indenização pelos danos causados pelo desastre ambiental. “A gente não aguenta mais essa situação. Dá uma tristeza danada ver que tudo morreu por aqui e ninguém faz nada. Eu queria sair daqui, mas, até agora, não houve nenhuma mudança”, afirma.

A mudança da qual dona Maria Salestiana fala diz respeito a um possível remanejamento elaborado pela prefeitura. As famílias seriam retiradas das áreas contaminadas e levadas para outro local. Sobre o assunto, as opiniões divergem. Por mais que a dona Maria Salestiana seja a favor de deixar a sua casa, a maior parte dos moradores da comunidade discorda.

Um das vozes que denunciaram a contaminação dos mananciais pela mineradora foi Maria do Socorro Costa Silva, presidente da Associação Cainquiama. Ela diz que a solução não é deixar sua terra em Barcarena. “Eu sou filha do Icaraú, nasci próxima à senzala. Eu lutei na Justiça Federal para dar essa terra para o povo que era deles por direito. Eu não vou deixar a minha casa. Eles que precisam parar de poluir os nossos rios, porque continuam poluindo e precisam indenizar as famílias que prejudicaram. Eu não arredo o meu pé daqui”, afirma.

Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Barcarena disse que não iria se manifestar sobre o plano que pretende remanejar as famílias de suas terras. Já, a Delegacia de Meio Ambiente (DEMA), da Polícia Civil do Pará, abriu inquérito no dia 20 de abril para apurar a entrega de água contaminada para a população do município. Um laudo da Secretaria Estadual de Saúde do Pará (Sespa) confirmou que a água está imprópria para o consumo. Há o comprometimento também da qualidade da água que está sendo entregue em caminhões-pipa aos moradores. Com isso, a mineradora suspendeu a distribuição de água em caminhões-pipa, por recomendação do Ministério Público

 “Não há contaminação”, diz Hydro

Protesto de moradores impactados em frente a sede da Hydro Alunorte, em Barcarena (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Contrariando o laudo do Instituto Evandro Chagas (IEC), ligado ao Ministério da Saúde (MS), a mineradora Hydro divulgou no dia 9 de abril, em coletiva à imprensa em Belém, o resultado parcial de uma análise sobre os impactos ambientais causados em Barcarena. Na ocasião, a reportagem da Amazônia Real participou da coletiva. No relatório entregue aos jornalistas, a consultoria ambiental SGW Services afirmou que não houve transbordamento da bacia de rejeitos químicos DRS1. Disse que os três despejos realizados pela empresa foram tratados e não ofereceram risco de contaminação ao meio ambiente.

“Respeitamos muito o Evandro Chagas, sua história e qualidade, mas discordamos dos resultados desses relatórios”, disse em entrevista à imprensa o vice-presidente executivo da Hydro, Eivind Kallevik.

A consultoria SGW questionou os relatórios do Instituto Evandro Chagas (IEC) e disse que o alumínio e ferro encontrados nas amostras de água nos mananciais são característicos do solo da região.

A sócia-diretora da SGW, Andrea Aluani, afirmou na coletiva que há “uma série de erros” nos estudos do IEC, “entre eles, por exemplo, uma ausência de controle de qualidade.”

Além de não assumir a contaminação, a empresa norueguesa também entrou com uma ação na Justiça do Pará, no dia 5 de abril, pedindo que os laudos do IEC fossem revisados.

Eivind Kallevik afirmou, na ocasião, que a ação também tinha por objetivo fazer com que o Ministério Público voltasse a negociar com a empresa. As negociações haviam sido encerradas pelo MPF no dia 4 de abril, depois que a Hydro se recusou a assinar o Termo de Ajuste de Conduta (TAC).

“Eles [MPF] não aceitaram a nossa contraproposta. Não quiseram continuar o diálogo”, disse Kallevik.

Para Andrea Aluani, não há motivos que impeçam as pessoas de usar a água dos mananciais de Barcarena, mesmo que os laudos do IEC recomendem o oposto. “Nós discordamos dos relatórios do IEC. Foram coletadas amostras a mais de 10 quilômetros da refinaria, distante do fluxo do rio, e antes de passar pela refinaria. A única amostra que acusou chumbo foi essa, então, não entendo o motivo da recomendação”, disse.

As primeiras amostras do IEC foram coletadas no dia 17 de fevereiro, logo após o transbordo. Já as amostras da SGW Service são dos dias 23 e 24 de março, conforme consta no relatório.

Apesar da distância entre a data do transbordo, um mês depois, Andrea Aluani garante que não há contaminação por metais nas águas do município.

“Nós não tivemos indícios de vazamento das bacias de resíduo (DRS1 e DRS2), nem do efluente contaminado, que estava armazenado na estação de tratamento de efluentes, estes sim causariam contaminação significativa, mas todos os estudos apontam para que não.”

Ainda na coletiva à imprensa, a mineradora Hydro Alunorte anunciou a criação do projeto Barcarena Sustentável, que vai disponibilizar R$ 100 milhões para ações sociais que seriam desenvolvidas em um período de 10 anos. O valor do investimento representa 2,5% do lucro líquido anual da empresa em 2017, que foi de R$ 4 bilhões.

No dia 14 de maio, a Hydro anunciou que substituiu o vice-presidente executivo da área de negócios de Bauxita e Alumina, Eivind Kallevik, por John Thuestad. Ao anunciar a mudança nos cargos, a empresa disse que Kallevik assumirá a Diretoria Financeira. No comunicado, o presidente e CEO da Hydro, Svein Richard Brandtzaeg, reafirmou que “os estudos internos e externos confirmam que não houve transbordo ou vazamento de resíduos de bauxita dos depósitos e que não há indícios de contaminação nas comunidades locais”.

Aventura jurídica

A bacia de resíduos sólidos DRS1 da Hydro Alunorte, em Barcarena (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Sobre a ação judicial, a promotora de Justiça Agrária, Eliane Moreira, classificou a decisão da Hydro como uma aventura jurídica. “A empresa não observou que o Ministério Público Estadual atua em força-tarefa com o Ministério Público Federal, e ela busca trazer questionamentos sem base legal, sem fundamento científico, tentando trazer dúvidas para a sociedade, quando o papel de uma empresa séria trazer respostas efetivas e concretas, não colocar em dúvida as instituições que representam a sociedade brasileira e a sociedade paraense”, contestou.

A promotora disse não entender a atitude da empresa de negar a contaminação, porque os diretores da Hydro já haviam assumido a prática das condutas ilícitas perante o Ministério Público.

“Ouvimos dos diretores da empresa, que confessaram o lançamento irregular de efluentes, que é tipificado como uma conduta ilícita. Então, como é que se pretende, agora, questionar e ainda desdizer tudo o que já foi dito em procedimentos formais?”, questiona Eliane Moreira.

Para o promotor Daniel Barros, do Ministério Público do Pará, os questionamentos da empresa com relação aos laudos do IEC não mudam o rumo das investigações. “É uma empresa contratada pela Hydro para justificar os erros dela. A Hydro tem todo o direito de se defender, mas a gente não reconhece isso como prova. A perícia é feita oficialmente por um órgão do Estado como é o IEC, que é reconhecido internacionalmente. Ou seja, o laudo do IEC está intacto”, reforça.

E acrescenta: “O MPF, enquanto instituição, não pode ser responsabilizado, porque não houve dolo. O MP teria que ter tentado prejudicar a empresa, forjado um laudo, e isso não ocorreu. Na verdade, eles não têm nem como entrar com uma ação contra o Ministério Público, seria contra o Estado, a União. Eles querem que o laudo deles seja incluído e ele pode até ser incluído, mas o que vale para o processo é o laudo solicitado pelo Estado. O máximo que eles podem conseguir é pedir um novo laudo e colocar alguém deles para acompanhar o processo, nada mais”, esclarece.

Barros, assim como a promotora Eliane Moreira, reforça que a empresa já havia confessado o crime ambiental.

“Agora, imaginem, havia quanto anos que isso vem acontecendo. O presidente, diretores, declaram que jogaram efluentes sem tratamento no rio. Eu perguntei para eles: ‘Vocês pediram autorização?’. Eles disseram que não. Eles sabiam que estavam errados. Oficialmente disseram que foram três ou quatro vezes de despejo por um período de seis horas cada uma. Ou seja, isso foi o que eles declararam oficialmente. Se eles estão dizendo agora que a água não está contaminada, imagina quantas vezes eles despejam rejeitos no rio ou há quantos anos eles não fazem isso?”, questiona.

 O certificado do Inmetro

Fachada da Hydro Alunorte no dia 22 de fevereiro (Fotos: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Um dos motivos que levaram a Consultoria SGW Service a questionar o laudo do Instituto Evandro Chagas foi a ausência de uma certificação do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), para análise de metais na água. Contudo, a própria SGW não tem certificação para análise de metais na água. O instituto é uma autarquia federal ligada ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.

A sócia-diretora da SGW, Andrea Aluani disse à reportagem que as empresas que teriam a certificação foram contratadas para fazer a coleta, mas ela não divulgou os nomes das terceirizadas.

Junto ao relatório da SGW, contratada pela Hydro, consta ainda o laudo da empresa ENVIRO-TEC, que também afirma que não há contaminação por metais nos mananciais de Barcarena.

Em resposta à Amazônia Real, a assessoria de imprensa do Inmetro disse que a empresa ENVIRO-TEC não tem certificação para a análise.

Para Marcelo de Oliveira Lima, pesquisador em Saúde Pública da Seção de Meio Ambiente do IEC e um dos responsáveis pelos dois laudos que constatam a contaminação de lagos e rios da bacia do rio Pará por vazamentos das bacias de rejeitos químicos da mineradora Hydro Alunorte em Barcarena, a certificação é uma formalidade na qual o instituto já iniciou as etapas desde 2017.

Ele diz que na primeira etapa foram certificados quatro parâmetros, e este ano eles vão pleitear outros, incluindo, a análise colocada em xeque pela mineradora. “Acredito que essa insistência em desacreditar o IEC é um desespero da empresa. Nós não estamos preocupados. Somos uma instituição independente que tem compromisso com a questão da saúde pública”, afirma Lima.

Os desastres ambientais

O naufrágio do navio de gado em Barcarena, em 2015 (Foto: Paulo SantosAcervo H)

O segundo laudo do IEC apontou que o município de Abaetetuba também foi afetado pelo vazamento de rejeitos químicos das mineradora norueguesa.

Historicamente, Barcarena e Abaetetuba compartilham uma série de prejuízos ambientais na região nordeste do Pará, por ser um polo industrial da extração de minérios. Entre eles, um vazamento da Alunorte em 2009. Na época, a empresa Hydro tinha participação acionária de 34% da mineradora, que era controlada pela Vale.

Em maio de 2010, a Norsk Hydro ASA, terceira maior fornecedora mundial de alumínio, anunciou, em Oslo, na Noruega, a assinatura de um acordo de troca de ações com a brasileira Vale. No comunicado a Norsk disse: “a operação inclui a transferência do controle de Paragominas, uma das maiores minas de bauxita do mundo, 91% de participação na refinaria de alumina Alunorte, 51% na fábrica de alumínio Albras e 81% na futura refinaria de alumina CAP. Com esse acordo, a Hydro, que já detinha 34% de participação na Alunorte e 20% na CAP, assegura o suprimento de bauxita para sua produção pelos próximos 100 anos e consolida sua parceria com a Vale no mercado brasileiro”.

Em 6 de outubro de 2015, as regiões de Barcarena e Abaetetuba foram impactadas pelo naufrágio de um navio com quase 700 toneladas de óleo e cerca de 5.000 bois vivos. Depois do incidente, as praias de Vila do Conde, o píer onde ocorreu o naufrágio e a praia de Beja, em Abaetetuba, foram interditados e proibidos para qualquer tipo de atividade.

“Os dois municípios compartilham os desastres ambientais, porque o rio faz uma espécie de ioiô com a água, levando o que estiver nela para a praia de Beja. Teve o caso da balsa da CDP com óleo, dos bois, enfim. Não se precisa de estudos aprofundados para perceber que a contaminação logo chega a Abaetetuba”, diz Marcelo de Oliveira Lima, do IEC.

As punições à mineradora

Comunidade afetadas pelo vazamento de rejeitos da mineradora Hydro Alunorte (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Passados três meses do vazamento das bacias de rejeitos, 50% da produção de alumina continuam paralisadas na Hydro Alunorte por determinação judicial, desde o dia 28 de fevereiro. O objetivo foi evitar um novo transbordamento. O Ibama multou a empresa em R$ 20 milhões após encontrar irregularidades no licenciamento do depósito DRS-2.

No dia 9 de abril, o magistrado Emerson Benjamim Pereira de Carvalho determinou, ainda, que a empresa apresentasse um plano de ação para recuperação da área afetada no prazo de 60 dias, suspendesse imediatamente a realização de condutas não autorizadas pelo licenciamento ambiental e depositasse em juízo, no prazo de 30 dias a partir da ciência da decisão, a quantia de R$ 150 milhões, ou apresentasse garantia deste valor. Caso a empresa descumprisse quaisquer das antecipações de tutela deferidas, o juiz fixou multa diária de R$ 100 mil, até o limite de R$ 500 milhões.

A empresa recusou assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pelo MPF e pelo MP do Pará, situação que permanece até o momento. O documento previa ações emergenciais para precaução, prevenção e cessação de danos ambientais em Barcarena. Entre os pedidos listados no TAC estão o levantamento e cadastramento das famílias atingidas pelos danos ambientais, fornecimento de água e alimentação para as famílias indicadas no segundo relatório do Instituto Evandro Chagas (IEC) e outras que fossem identificadas posteriormente, além do pagamento de dois salários mínimos para cada família atingida, a fim de que elas possam se sustentar. O TAC ainda prevê a criação e implementação de sistemas de tratamento e distribuição coletiva de água potável, análise de uma auditoria independente escolhida a partir de seleção pública; atendimento de saúde para a população, entre outros.

No dia 10 de abril, uma força-tarefa MPF e do Ministério Público do Pará ingressou com uma ação cautelar na Justiça Federal pedindo a suspensão parcial das atividades da Hydro Alunorte. A diferença dessa ação para o embargo imposto em fevereiro é que a cautelar foi realizada na Justiça Federal, a primeira na Estadual. A força-tarefa também pediu que a Justiça determine a realização de auditorias judiciais sobre a segurança das barragens.

Convivendo com água contaminada

Cassivaldo Silva Corrêa mora na comunidade do Cupuaçu (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

Independente do que diz a Hydro Alunorte no papel, a olho nu os problemas sociais e a falta de saneamento básico em Barcarena só aumentam após a contaminação dos mananciais por rejeitos químicos da mineradora

Maria Leite, 47 anos, é moradora da comunidade quilombola do Burajuba, onde vivem cerca de 600 famílias. Ela viu o seu restaurante ir à falência depois de a água contaminada afastar todos os clientes. Com a saúde debilitada, ela toma remédios para diabetes, problemas no estômago e dores no corpo e na cabeça. “Aqui ninguém tem saúde. A água contaminada acabou com tudo. Meus poços não podem mais ser usados, o meu restaurante ficou assim”, diz ela, apontando para o local espaçoso, mas abandonado.

A moradora recebe água mineral da empresa. “Mas o que fazer com a água se não há outras formas de obter o sustento?”, indaga Maria.

“Só receber água não resolve o nosso problema. A gente quer que a poluição acabe. A gente quer mesmo é poder garantir o nosso sustento. Se os rios não estivessem comprometidos, se a Hydro não contaminasse, a gente não ia precisar receber nada da empresa.”

Enquanto Maria, moradora do Burajuba, pede o fim da poluição, cerca de 900 famílias da comunidade quilombola do Cupuaçu/Boa Vista não sabem o que é receber qualquer tipo de assistência. No local, não há escola, saneamento básico, posto de saúde, água tratada, e a linha de transmissão de energia passa em apenas um ramal.

O presidente da comunidade é Nivaldo da Silva, pai de cinco filhos, que há meses convive com uma ferida na perna, que piorou depois do contato com a água contaminada no transbordo de fevereiro. Nivaldo conta que já tentou obter recursos para a comunidade, mas que a prefeitura do município não sinaliza nenhum tipo de ajuda e, para piorar, os poços ficaram inutilizados depois do transbordo da bacia de rejeitos da Hydro.

“O ferimento era pequeno. Eu e outros moradores fomos ajudar as pessoas alagadas, aí piorou. Eu fui ao médico e ele fez curativo, passou antibiótico, mas não está resolvendo. Minha bebê de um ano e dois meses passou vários dias com muito vômito e diarreia, por causa da água. É muito triste o que a gente vive”, afirma.

Segundo moradores da comunidade do Cupuaçu/Boa Vista, depois da lama vermelha, os poços ficaram com uma espuma e não puderam mais ser utilizados. “Se a gente entrar em contato com essa água, primeiro é uma coceira infernal. Depois, vem os ferimentos na pele”, explica.

No local, passam os rios Murucupi, cuja contaminação foi confirmada pelo IEC e também um pedaço do rio Arrozal. “Aqui a gente vive como dá. Quem tem dinheiro compra água. É claro que isso é quase ninguém. Agora é revoltante dizer que não há contaminação em Barcarena. É pura mentira. A bauxita atingiu o segundo lençol freático de água. Todas as comunidades foram impactadas. A nascente do rio Murucupi é onde está a bacia. Como não vai contaminar todo mundo?”, questiona.

Nivaldo da Silva diz acreditar que em Barcarena a empresa Hydro, o Ibama e a Semas estão juntos na tentativa de prejudicar a população. “O Brasil é um país corrupto. O Ibama pega dinheiro da Hydro, o prefeito pega o dinheiro, a Secretaria de Meio Ambiente pega o dinheiro. Para eles é uma balança. Quem está dando mais dinheiro? A empresa ou o povo? Então, eles escolhem a empresa. Ninguém aparece aqui para nos dar satisfação alguma”, afirma.

Na comunidade do Cupuaçu, várias mães, sem opção, usavam a água contaminada para dar banho em seus bebês. Sara Amaral é uma delas. O filho dela, de nove meses, ficou com o corpo coberto por brotoejas depois do contato com a água do poço contaminado. “A gente não recebe água e eu não tenho dinheiro para comprar um galão de água toda semana. O galão custa R$ 25 cheio, e R$ 7 se formos só trocar o tambor. Na minha casa moram quatro pessoas, mas a minha bebê é a que está pior”, diz ela.

A irmã de Sara, Sâmia Amaral, de 11 anos, também teve uma ferida na perna que piorou depois do contato com a água do poço. A menina conta que não foi ao médico, porque não teve condições. “Aqui não tem nada, nem agente de saúde.”

Para Cassivaldo Silva Corrêa, que mora na comunidade do Cupuaçu desde os 14 anos, a população, infelizmente, acostumou-se a viver com a contaminação. Além da água contaminada, os moradores convivem com a constante ameaça de serem remanejados das suas terras. “A gente vai vivendo. Em 2009, não deu em nada tudo o que fizeram e, além da contaminação, ainda tem a história da rodovia. Eu queria mesmo é que eles olhassem pela gente”, afirma.

A história se repete nas muitas famílias. Os relatos são unânimes: dores de cabeça, coceira no corpo, diarreia e vômito. Segundo o médico Marcos Mota Miranda, pesquisador em Saúde Pública da Seção de Meio Ambiente do IEC, a coceira no corpo, dores abdominais e diarreia são consequências da exposição rápida aos metais tóxicos.

“A população teve acesso a um conjunto de metais extremamente concentrado. Então, o desconforto abdominal e a diarreia são sintomas desse quadro. A pele sofre muita agressão devido à exposição a metais pesados, o que justifica a coceira. A exposição rápida e intensa também pode elevar a pressão arterial e comprometer o sistema nervoso central”, explica.

Ângela Vieira (de blusa verde), presidente do Conselho Fiscal da Cainquiama, com membro da associação (Foto: Pedrosa Neto/Amazônia Real)

 

 

 

 

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Foto: Jon Watts

Fonte: http://amazoniareal.com.br/o-igarape-morreu-nao-tem-mais-peixe-diz-moradora-sobre-impactos-em-barcarena/

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